28º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B (Estudo Bíblico)
Introdução
O seguimento de Cristo não só nos promete a felicidade eterna junto a Deus no céu, como também a felicidade nesta terra. O episódio do jovem rico, que nos propõe a liturgia hoje, costuma-se entender como um chamado a optar entre o gozo passageiro das riquezas desta terra e a felicidade eterna.
Na realidade, a opção é entre esse efêmero gozo e a felicidade verdadeira que dá Cristo também nesta terra. A felicidade que dá Cristo é grande nesta terra e, logo, plena no céu. Se o que oferecem os bens deste mundo é uma espécie de felicidade, em todo caso, dura só o tempo desta vida.
O jovem rico era um judeu observante. Quando Jesus responde a sua pergunta sobre o modo de alcançar a vida eterna, dizendo-o: «Já sabes os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes…», ele o assegurou: «Mestre, tudo isso tenho guardado desde minha juventude». Estava então bem.
Porém, diz o Evangelho que Jesus «o amou». De poucas pessoas se pode dizer isso. Diz o Evangelho do discípulo amado, de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria. Dos demais, a quem o Evangelho chama «os seus», o diz de um modo geral: «Havendo amado aos seus que estavam no mundo, os amou até o extremo» (Jo 13,1).
Porque amou a esse jovem de maneira particular, por isso Jesus quer dar-lhe a felicidade plena, a que começa nesta terra e alcança sua plenitude no céu. E para isso faltava-lhe só uma coisa: «Uma coisa te falta: vai, vende tudo que tens e dá aos pobres e terás um tesouro no céu; logo, vem e segue-me».
A reação desse jovem seguirá causando profunda pena a todas as gerações de cristãos: «Ele, abatido por essas palavras, foi-se entristecido, porque tinha muitos bens».
Que ele haja perdido a vida eterna, isto não o sabemos, ainda que alcançá-la lhe vá ser mais difícil que a um camelo passar pelo buraco de uma agulha; o que sabemos sim é que perdeu a felicidade nesta terra: «Foi-se entristecido».
As posses que esse jovem tinha não podiam dar-lhe a felicidade nesta terra, porque a felicidade não está ai. Essas posses, ao contrário, lhe davam tristeza e insatisfação. Por isso, pergunta: «Que mais tenho que fazer?»
É um erro pensar que para alcançar a felicidade eterna temos que renunciar a ser feliz nesta terra. É, justamente, o inverso! Para alcançar a felicidade eterna temos que começar a gozar dela aqui na terra. O que é certo é que, a felicidade nesta terra não a concede as riquezas.
A felicidade consiste em não deixar-se escravizar por elas e estar livre para seguir a Cristo. Se as riquezas deste mundo pudessem proporcionar algum gozo, então, deixá-las por Cristo e pelo Evangelho proporciona um gozo, nesta terra, cem vezes maior. É uma declaração solene de Cristo: «Eu vos asseguro: ninguém que haja deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras por mim e pelo Evangelho, ficará sem receber cem por um: agora no presente, casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terra, com perseguições; e no mundo vindouro, a vida eterna».
Nas perseguições, ali estaria o detalhe que se contrapõe a tanta bondade. Não! As perseguições sofridas por Cristo e pelo Evangelho são a fonte maior de felicidade neste mundo.
Compreender este ensinamento de Jesus até o ponto de pô-lo em prática (o outro não é verdadeira compreensão), isso é a sabedoria. Poucos a possuem. Seu valor é tão grande que o autor do Livro da Sabedoria escreve: «Preferi a sabedoria a cetros e tronos, e por ela, tive em nada a riqueza… Todo o ouro, a seu lado, é um pouco de areia e, junto a ela, a prata vale barro… Com ela vieram-me todos os bens juntos, em suas mãos havia riquezas incontáveis» (Sb 7,7-11).
+ Felipe Bacarreza Rodríguez, Obispo de Santa María de los Ángeles
- O texto
O texto do Evangelho de hoje é composto de três temas:
- O homem rico (vv.17-22);
- O perigo das riquezas (vv.23-27);
- A recompensa prometida pelo desprendimento (vv.28-30).
- O homem rico (vv.17-22);
Na primeira passagem temos diante de Jesus um homem que, seguramente, havia ouvido falar d’Ele e não queria deixar passar a ocasião. É por isto que o vemos chegar correndo. Este homem reconhece em Jesus alguém com autoridade, como já o havia expressado antes o povo, e é por isto que estando diante de Jesus se ajoelha.
Imediatamente manifesta sua inquietação. Não busca cura nem para ele nem para outros. Sua pergunta revela um grande desejo de alcançar altas metas no campo da espiritualidade. A pergunta foi a seguinte: “Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? (18)
“Bom Mestre”: com estas palavras o homem reconhece em Jesus não somente um mestre como os demais, mas um mestre que ele qualifica como bom e no qual se pode crer.
Notemos que a expressão seguinte não está dita em um desses plurais vagos que, com frequência, usamos: Que devemos fazer? Nem tão pouco em um pronome impessoal: Que se deve fazer? O homem fala na primeira pessoa: “Que devo fazer?”.
Portanto, na resposta, Jesus o recorda que existem os mandamentos como caminho para alcançar a vida eterna e enumera-lhe alguns. Quase sem deixar Jesus terminar, o homem o assegura que tudo isto tem vivido desde jovem.
Nisso não há novidade para ele, porque tem sido um judeu observante da lei. Sente que pode fazer algo mais, porém, não sabe o quê.
Neste momento o texto diz que Jesus o olhou com carinho. Outras traduções dizem “olhou-o e amou-o”. Era um homem íntegro e estava preparado para dar um passo a mais para a perfeição. Em realidade Jesus o captou assim e por isto lançou um desafio a mais: “Ainda te falta uma coisa”.
Era exatamente a frase que o homem estava esperando. Era esse mais, que devia agregar à sua vida, o que estava faltando, o que queria saber. É fácil imaginar o olhar, com uma expressão de ansiedade, que lançou ele a Jesus, na espera de que essa coisa faltante fosse logo anunciada.
Mas, algo não funcionou depois. A resposta de Jesus paralisou seu desejo. “vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (v.21).
Era este um convite muito radical:
- Vender tudo;
- Dar aos pobres;
- Segui-lo.
Jesus o convida a um despojamento total. Vender todo o que possui, não exatamente para abrir uma conta no banco caso viesse a necessitar mais tarde. O objetivo da decisão de tudo vender é dar depois aos pobres, contudo, este não seria o objetivo maior. O motivo superior é seguir Jesus.
A decisão de dar tudo aos pobres indica um desprendimento total. Os pobres, o máximo que podem fazer por ti é agradecer-te, porém, deles não se pode esperar que, mais tarde te devolvam e, pelo menos, ainda com juros.
Porém, tudo isto não tem, senão uma única finalidade: ”seguir a Jesus”. Com o coração e as mãos livres, se pode seguir melhor a Jesus e fazer o que Ele nos disser. Vem-me à mente uma frase que li em um cartaz: “Quando morremos, deixamos o que temos e levamos o que demos”.
Depois destas palavras de Jesus, o olhar daquele ‘bom’ homem se desanimou. A tristeza invadiu seu coração. A riqueza que possuía foi mais forte que o convite claro que o fez Jesus e se retirou de cena.
- O perigo das riquezas (vv. 23-27);
Jesus, diante do fato, dirigindo-se a seus discípulos disse-lhes: “Que difícil é para os ricos entrar no reino de Deus” (v. 24). Estes, por sua vez, já haviam constatado com a atitude desse homem rico, ainda que bom e íntegro.
Como os discípulos se assombraram, Jesus os explicou com um exemplo difícil de quase impossível que era: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!”
A pergunta que a seguir o fizeram seus discípulos: E quem poderá salvar-se? (v. 26), dá a entender que os ricos fossem a maioria e isso não era nem tem sido assim em nenhuma sociedade.
Talvez se possa interpretar como uma riqueza não somente material, mas outro tipo de riqueza: poder, prestígio, agressividade, influências, etc. e com isto, sim, é que é difícil entrar no Reino.
Jesus abre a espiral da esperança com a resposta que lhes dá. “Para os homens é impossível, não para Deus porque para Ele tudo é possível” (v. 27).
- A recompensa prometida pelo desprendimento (vv. 28-30).
Acabava de passar-se a cena do homem rico que não havia tido a suficiente fortaleza e entusiasmo para deixar tudo e havia ficado desconfiado diante do chamado de Jesus.
Os discípulos sentiam que esse não era seu caso porque eles, por seguir a Jesus, haviam deixado o que possuíam. Coisas pequenas ou grandes, não só no que se refere a bens materiais, mas também laços familiares, trabalho, etc.
Pedro, ao dirigir-se a Jesus, o manifesta que, ao contrário do homem rico, eles haviam deixado tudo para segui-lo. Em Marcos não aparece explícito o interesse de Pedro por saber o que receberão em troca, como aparece em Mateus 19,27.
Jesus lhes assegura que, quem tiver deixado tudo por Ele: casa, família, campo, que traduzido seria; casa, família, trabalho, quer dizer, o indispensável para vive bem, quem houver deixado tudo por Ele e para o Evangelho, assegura no presente e no futuro, pois, no presente receberá cem por um em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e trabalho e, no futuro, receberá a vida eterna.
Jesus acrescenta um ingrediente, quase como um ponto final, que é conveniente ressaltar. Todo o anterior no presente se receberá com perseguições.
Aqui, precisamente, é onde se avalia a garantia de um verdadeiro seguimento. Esta é a cruz da qual nos falava Jesus nos dias anteriores. A cruz que tem que tomar ao segui-lo. O futuro também estará assegurado ao dizer “quem tiver deixado tudo no mundo vindouro terá a vida eterna”.
Jesus termina com uma frase que pode soar a advertência para não se confiar nos loiros do ‘haver deixado tudo’: “Muitos primeiros serão últimos e os últimos serão primeiros”. (v.31).
Como quem disse: É preciso estar atentos porque se pode pensar que por haver deixado tudo somos um dos primeiros e podemos ser dos últimos, ou pelo contrário, pensar que somos dos últimos e aos olhos de Deus ser os primeiros.
Aqui conta muito o desprendimento não tanto pelo que se possa deixar, ou se possa receber, mas pelo amor com o qual seguimos a Jesus.
- Aprofundemos com os nossos pais na fé
Relato dos três companheiros de São Francisco de Assis
O início da conversão de São Francisco
Uma tarde, após o seu regresso a Assis, os companheiros do jovem Francisco elegeram-no como chefe do seu grupo. Como fizera já muitas vezes, ele preparou um suntuoso banquete.
Uma vez saciados, saíram todos de casa e percorriam a cidade cantando. Os seus companheiros, em grupo, precediam Francisco; ele, tendo na mão o bastão de chefe, fechava o cortejo, um pouco atrás, sem cantar, mas mergulhado nos seus pensamentos.
E eis que, subitamente, o Senhor o visita e lhe enche o coração com tal doçura que ele não pode mais nem falar, nem mover-se… Quando os seus companheiros se viram e o veem assim longe deles, se voltam para ele, espantados, e acham-no como que já mudado num outro homem.
Interrogam: ”Em que pensavas tu para te esqueceres de nos seguires? Estarás tu por acaso a pensar em casar-te? — Tendes razão! Planejo tomar uma esposa, mais nobre, mais rica e mais bela que qualquer uma que tenhais visto alguma vez”. Eles troçaram dele…
Desde esse momento, ele trabalhava para colocar Jesus Cristo no centro da sua alma e a pérola que ele desejava comprar depois de ter vendido tudo (Mt 13,46).
Escondendo-se dos olhos dos que troçavam dele, muitas vezes – quase todos os dias – ia orar em silêncio. Estava de algum modo possuído pelo gosto antecipado dessa doçura que o visitava tantas vezes e o arrastava da praça ou dos lugares públicos, para a oração.
Desde há algum tempo que ele se tornara o benfeitor dos pobres, mas ele prometia a si mesmo, mais fortemente do que nunca, de jamais recusar a esmola a um pobre pedinte, mas dar-lhe mais generosamente e mais abundantemente.
Assim, sempre, fosse qual fosse o pobre que lhe pedisse esmola fora de casa, se podia dava-lhe dinheiro. Se faltava o dinheiro, dava-lhe o seu barrete ou o seu cinto para não os deixar ir embora de mãos vazias. Mas se mesmo isso lhe faltava, retirava-se para um local escondido, despia a sua camisa e enviava-a em segredo ao pobre pedindo-lhe que a aceitasse por causa de Deus.