4ª Semana da Páscoa (Estudos Bíblicos)
ESTUDO BÍBLICO NA 4ª SEMANA DA PÁSCOA ANO A 2023
Comunidade Católica Paz e Bem
SEGUNDA-FEIRA – SÃO JOSÉ OPERÁRIO
Mt 13,54-58
Praça de São Pedro, no Vaticano
Quarta-feira, 1º de maio de 2013
Caros irmãos e irmãs,
Bom dia!
Hoje, 1º de maio, celebramos São José Operário e iniciamos o mês tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora. No nosso encontro de hoje, quero focar estas duas figuras importantes na vida de Jesus, da Igreja e nas nossas vidas, com duas breves reflexões: primeiro, sobre o trabalho, segundo, sobre a contemplação de Jesus.
No Evangelho de São Mateus, em um dos momentos em que Jesus retorna à sua região, a Nazaré, e fala na sinagoga, destaca-se o espanto de seus compatriotas por sua sabedoria. Eles se perguntam: “Não é este o filho do carpinteiro? “(13:55). Jesus entra em nossa história, está entre nós, nascido de Maria pelo poder de Deus, mas com a presença de São José, o pai legal, de direito, que cuida d’Ele e também lhe ensina seu trabalho. Jesus nasce e vive em uma família, na Sagrada Família, aprendendo com São José o ofício de carpinteiro, na carpintaria em Nazaré, dividindo com ele seus compromissos, esforços, satisfação e as dificuldades do dia a dia.
Isso nos lembra a dignidade e a importância do trabalho. O livro de Gênesis nos diz que Deus criou o homem e a mulher dando-lhes a missão de encher a terra e sujeitá-la, o que não significa desfrutá-la, mas cultivá-la e protegê-la, cuidar dela com o seu trabalho (cf. Gen 1:28; 2 15). O trabalho faz parte do plano de amor de Deus, somos chamados a cultivar e cuidar de todos os bens da criação, deste modo participamos da obra da criação! O trabalho é fundamental para a dignidade de uma pessoa. O trabalho, para usar uma imagem concreta, nos “unge” de dignidade, nos plenifica de dignidade, nos torna semelhantes a Deus, que trabalhou e trabalha, age sempre (cf. Jo 5:17), dá a capacidade de nos manter, manter nossa família, contribuir para o crescimento da nação. E aqui penso nas dificuldades que, em vários países, se encontra hoje o mundo do trabalho e da empresa, eu penso naqueles que, não apenas os jovens, estão desempregados, muitas vezes por uma concepção puramente econômica (mecanicista) da sociedade, que busca o lucro egoísta, fora dos parâmetros de justiça social.
Eu gostaria de estender a todos o convite à solidariedade e, aos chefes do setor público, convidá-los ao encorajamento, a fazer de tudo para dar um novo impulso ao emprego, isso significa se preocupar com a dignidade da pessoa mas, acima de tudo, vos exorto a não perderem a esperança; São José também teve momentos difíceis, mas nunca perdeu a confiança e soube superá-los, na certeza de que Deus não nos abandona. E agora gostaria de falar especialmente a vocês, meninos e meninas, a vocês jovens: se esforcem em suas tarefas diárias, no estudo, no trabalho, nas relações de amizade, contribuindo com os outros, o vosso futuro também depende de como vocês vão viver esses preciosos anos de vida. Não tenham medo do compromisso, do sacrifício e não olhem para o futuro com medo, mantenham viva a esperança: há sempre uma luz no horizonte.
Acrescento uma palavra sobre uma outra situação de trabalho que me incomoda: refiro-me ao que definimos como “trabalho escravo”, o trabalho que escraviza. Quantas pessoas no mundo são vítimas deste tipo de escravidão, em que é a pessoa que serve o trabalho, enquanto deve ser o trabalho a oferecer um serviço à pessoa, para que tenhamos todos dignidade. Peço aos irmãos e irmãs na fé e todos os homens e mulheres de boa vontade, uma escolha decisiva contra o tráfico de pessoas, contexto no qual se constitui o “trabalho escravo”.
Faço referência agora ao segundo pensamento: no silêncio das ações cotidianas, São José, juntamente com Maria, tem um centro comum de atenção: Jesus. Eles acompanham e protegem, com empenho e carinho, o crescimento do Filho de Deus feito homem por nós, refletindo sobre tudo o que acontecia. Nos Evangelhos, Lucas enfatiza duas vezes a atitude de Maria, que também é a de São José, “guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (2,19.51). Para ouvir o Senhor, devemos aprender a contemplá-Lo, perceber sua presença constante em nossas vidas; precisamos parar para dialogar com Ele, dar-lhe espaço na oração. Cada um de nós, vocês meninas, meninos e, jovens, em grande número reunidos aqui nesta manhã, deve se perguntar: qual o espaço dou ao Senhor? Eu paro para falar com Ele? Desde que éramos crianças, nossos pais nos acostumaram a começar e terminar o dia com uma oração, para nos ensinar a perceber que a amizade e o amor de Deus nos acompanhavam. Vamos nos lembrar mais do Senhor em nosso dia!
E neste mês de maio, eu gostaria de lembrar a importância e a beleza da oração do Santo Terço. Recitando a Ave Maria, somos levados a contemplar os mistérios de Jesus, refletir sobre os principais momentos de Sua vida, para que, como foi com Maria e São José, Ele seja o centro dos nossos pensamentos, da nossa atenção e de nossas ações. Seria bom que, especialmente neste mês de maio, rezássemos juntos, em família, com os amigos, na paróquia, o Santo Terço ou alguma oração a Jesus e à Virgem Maria! A oração feita em comunidade é um momento precioso para tornar ainda mais forte a vida familiar, a amizade! Aprendamos a rezar mais em família e como família!
Queridos irmãos e irmãs, rogamos a São José e à Virgem Maria que nos ensinem a sermos fiéis a nossas tarefas diárias, a viver nossa fé nas ações do dia a dia e dar mais espaço ao Senhor em nossas vidas, a parar para contemplar Seu rosto.
Obrigado.
TERÇA-FEIRA
João 10,22-30
NAS MÃOS SEGURAS DO BOM PASTOR:
“Ninguém pode arrebatar nada das mãos do Pai”
A figura do Pastor segue presente no Evangelho que lemos neste dia, sua maneira de cuidar do rebanho é revelador de sua identidade messiânica e divina.
Uma pergunta decisiva
Os que escutaram o ensinamento de Jesus (Jn 10,1-18) não estavam tranquilos, por isso o abordam no pórtico do Templo de Jerusalém para exigir que declare abertamente qual sua identidade: “Se Tu és o Messías, diz-nos abertamente”(Jn 10,24).
Jesus responde apelando de novo ao que o viram fazer no meio do povo e que é similar a um Pastor com seu rebanho, aí devem buscar a resposta e aceitá-la. Deve observar o que Jesus “faz” para que possamos fazer uma idéia correta sobre Ele: as obras que realiza em nome do Pai testemunham sua identidade messiânica.
O criterio distintivo
Como se viu na alegoria do Bom Pastor, um dos traços distintivos do pastor é sua sintonia com as ovelhas; mas Jesus adverte: o impostor pode tratar de imitá-lo, mas as ovelhas não se deixam enganar. O verdadeiro pastor pode ser escutado, as ovelhas o seguem e confiam nele: “Minhas ovelhas escutam minha voz; eu as conheço e elas me seguem” (Jn 10,27).
Este termo “minhas ovelhas”, tão entranhável, é importante; não se trata de posse avara, mas de pertença que provém de uma mútua entrega no amor tal como a evoca a aliança de Deus com seu povo. A ovelha é acolhida, recebida, apropriada por Jesus, que se faz responsável da vida que é confiada em suas mãos: “Eu as dou vida eterna e não perecerão jamais, e ninguém as arrebatará de minhas mãos” (10,28).
O conhecer deve levar a crer
Mas não é suficiente esta revelação de Jesus. Necessita-se de um elemento essencial: que nós creiamos nele. Esta resposta está reservada a quem pertence ao Bom Pastor: aqueles que se deixaram conhecer por Ele também são capazes de conhecer sua identidade mais profunda e dar o passo da fé.
Precisamente porque é na liberdade, que é o ambiente próprio em que pode dar-se o amor, que se pode crer ou não crer. Os judeus (aqui o termo indica os líderes religiosos) aqui aparecem como os que não crêem em Jesus porque não conseguem captar sua identidade divina (Jn 10,25: “Não crês em mim”), mas o declaram um rival de Deus e, como era de esperar-se, também deles. Os líderes judeus podem valer-se da persuasão ou da perseguição para ser escutados, porém não conseguirão atrair para eles os discípulos de Jesus.
A frase de Jesus gera um grave conflito. Por uma parte os judeus encontram uma razão para justificar seu desejo de destruir Jesus e dispersar seus seguidores. Desde seu ponto de vista se trata de um assunto grave: Jesus é, de verdade, o Filho de Deus? Os judeus o acusam de autoproclamar-se divindade. Mas por outra parte, a verdade resulta ser otra, a verdade é que em Jesus Deus se faz homem e em todas as ações de Jesus, Deus Pai estende sua mão sobre todos as pessoas para cuidar delas.
O crer nos leva a conhecer a grande revelação
Qual é o fundamento desta certeza? É simples: o Pai. O Pai é maior que todos (10,29). A frase que Jesus usa é uma expressão muito significativa: “Eu e o Pai”, para indicar que atuam como se fossem uma única pessoa (Jo 10,30). Dizer isto diante das autoridades religiosas de Israel soa para eles gravíssimo, pois eles consideram uma blasfêmia ou ofensa a Deus. Ao contrario, para os discípulos de Jesus se trata de uma certeza que resume bem todo o ensinamento do Mestre.
Voltando à questão inicial “És tu o Messias” (10,24), podemos apreciar a força das palavras: “é que não credes em mim” (10,25). Para crer necessita-se de vontade, o mesmo que para amar. As evidências estão expostas ante os olhos em tudo o que Jesus faz por nós.
Mas os líderes judeus, que representam aqui os que não crêem, não aceitam em Jesus o guia prometido por Deus para conduzir-nos aos pastos da vida eterna; não querem aceitar suas obras boas feitas a favor dos mais desafortunados e débeis; não querem escutar sua voz e, portanto, não querem conhecê-lo; porém, mais ainda, cegos, porque mesmo vendo a Jesus atraindo à multidão mais que eles, recorrem às perseguições para tratar de arrancar de suas mãos àqueles que tem dado atenção ao seu ensinamento e se confiaram nas mãos dele.
Seguros e entregues nas mãos dele
O outro lado da moeda está na conclusão: ninguém poderá arrancar das mãos do Bom Pastor quem confessa a fé no único Deus, a quem há confiado sua vida, que veio para anunciar e testemunhar sua presença viva e benéfica no terreno concreto de sua cotidianidade. “Ninguém as arrebatará de minhas mãos… Ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai” (10,28.29).
Para cultivar a semente da Palabra no profundo do coração:
- Em que nos apoiamos para saber com certeza que Jesus é o Messias?
- Segundo o ensinamento de Jesus, por que uno crêem e otros não?
- Que me inspiram as palavras de Jesus “ninguém as arrebatará de minha mão”? Se Jesus se refere aos fiéis como “minhas ovelhas”, como posso corresponder com responsabilidade ao que Ele declara sobre mim?
QUARTA-FEIRA
João 12,44-50
ANTE JESUS HÁ QUE TOMAR UMA DECISÃO: OU LHE ACEITA OU LHE REJEITA.
“Eu vim ao mundo para que todo o que crer em mim não siga nas trevas”
Lemos hoje a passagem conclusiva da primeira parte do Evangelho de João (que abarca os capítulos 1-12: a revelação de Jesus Verbo através de sinais). Aqui encontramos, nos lábios de Jesus, um resumo dos principais temas expostos.
Estamos num texto soleníssimo. Chama a atenção à maneira de falar de Jesus: grita e o faz com a autoridade de quem já está exaltado na glória. Desde ali, confrontando com seu destino pessoal o destino de todos os homens da terra.
No centro de tudo está a pessoa de Jesus, que revelou amplamente através de suas obras e palavras o mistério escondido de Deus Pai e o desejo imenso de salvar à humanidade inteira.
Sua revelação requer a fé: a única resposta adequada, ante semelhante revelação, é o “crer”. Ninguém que se abra à luminosa revelação de Jesus ficará sem receber um influxo vital. Sigamos a dinâmica do texto:
O grande horizonte da revelação de Jesus: a comunhão do Pai e o Filho (12,44-45)
A estreita relação do Pai e do Filho e seu inefável amor tornaram-se visíveis ao mundo por meio do Verbo Encarnado. De novo, hoje, como ontem, encontramos um paralelo entre “ver” e “crer”: quem “vê”, “crer” em Jesus, de fato está “vendo”, “crendo” no Pai, que aparece n’Ele como O que o “enviou”.
O mistério revelado “ilumina” a existência de quem se abandona em Jesus mediante a abertura total do “crer” (12,46)
O crente é alguém “iluminado” pelo fulgor da glória do Verbo (1,14). Jesus-Luz penetra, amavelmente, no mais recôndito que se permite entrar. Então as trevas se transformam, e se caminha (=seguimento) no projeto de vida de Jesus: “Eu, a Luz, vim ao mundo para que todo o que crer em mim não siga nas trevas” (14,46). Porém, por enquanto, estamos na proposta. Em seguida surge a resposta.
No optar por Jesus ou rejeitá-lo julgamos a vida (12,47-48)
O “crer” tem que concretizar-se na “escuta” da Palavra e sua consequente “prática”. Jesus enuncia isto em positivo (12,47) e negativo (12,48) como as únicas duas alternativas possíveis. Qualquer caminho que se escolha tem uma consequência: o “crer” leva a “salvação”. O desejo de Jesus é a salvação.
O fim último da missão de Jesus é dar-nos vida de qualidade e eterna (12,49-50)
O mandato do Pai a Jesus “é vida eterna”. Todas as palavras e ações de Jesus é o exercício obediente desta tarefa. Todo o que entre em contacto com Jesus será sempre vivificado. Jesus insiste em que tem sido fiel à sua missão: “o que Eu falo o falo como o Pai me tem dito”. Em seguida, na segunda parte do Evangelho de João (capítulos 13-21) veremos até onde é capaz de ir esta obediência.
Cultivemos a semente da palavra no profundo do coração
- Que revela Jesus “Palavra encarnada” através de todas suas palavras? Que deve buscar por trás de cada passagem do Evangelho?
- O batismo é uma iluminação. Que é ser iluminado por Jesus? Que relação tem com o seguimento do Mestre?
- Minha opção por Jesus é firme e responsável, isto é, exerço minha fé no arraigo cotidiano das palavras de Jesus no Evangelho? Minha obediência à Palavra é similar à que Jesus tinha com a Palavra de seu Pai?
QUINTA-FEIRA
João 13,16-20
SENTAR-SE NA MESA COM JESUS IMPLICA IDENTIFICAR-SE COM ELE.
“Quem acolhe ao que Eu enviei a mim acolhe”
Começamos a leitura da segunda parte do Evangelho de João, a qual leremos quase em sua totalidade (as passagens que não aparecerem, já foram lidas nas semanas anteriores). Hoje nos situamos na mesa da última ceia de Jesus com seus discípulos.
Esta mesa é linguagem eloquente de “comunhão”. Em torno a ela Jesus vai falar de suas relações: com o Pai, com os discípulos, com seus adversários. Todos os discursos que vamos abordar se referem ao como tecer relação com Jesus, como avançar em seu amor.
O fato de, ao redor da mesa, estar os doze, é um modo de chamar a atenção dos animadores de comunidades. A tarefa principal de um pastor é a animação das relações de cada um de seus irmãos:
- com Deus (o crescimento na fé); e
- dos irmãos entre si (a vida comunitária mediada pela caridade e o serviço).
As primeiras expressões das instruções de Jesus aos seus discípulos estão no discurso silencioso, porém, eloqüente, do lava-pés: o Mestre lhes disse de que tipo é a relação que Ele tem com os seus.
Jesus define sua relação a partir do serviço, porém, não o serviço frio de quem, simplesmente, cumpre funções, mas o serviço que “purifica” o outro pela força do amor e “entranha” (de forma batismal: o mergulha) em sua própria existência.
A partir deste momento, nas palavras seguintes de Jesus, começam a aparecer os termos da mutua vinculação dos discípulos com Ele e entre eles:
- O “serviço”. As relações na comunidade se definem a partir do lava-pés (13,15-17;
- O “conhecimento”. Jesus “conhece” a quem tem elegeu (13,18a). As relações se aprofundam e se fazem sólidas pela rota deste conhecimento.
- O ser um para o outro “rosto” de Cristo, assim como Jesus é o “rosto” do Pai (13,20)
Mas, não falta o contraste que faz ainda mais luminosa a mensagem. Justo no meio do ensinamento se menciona o traidor: aquele que teceu relações mentirosas dentro da comunidade (por isso a citação do Sl 41,10).
A sinceridade na relação é essencial para que esta seja fonte de crescimento e não de dor. Ao citar o Salmo 41,10 (“O que come meu pão levantou contra mim o calcanhar”) Jesus se reveste da figura de um inocente perseguido. Abrir-nos a uma relação é fazer-nos vulneráveis. Será o risco que correrá Jesus e que o levará, finalmente, à morte.
Mas em sua incrível humildade, Jesus não se retrai ante o mistério do fingimento e da traição humana (pois se faz mais dano a quem melhor se conhece); mas, pelo contrário, consegue entrar por esta fratura da mesquinhez humana, na situação que tem vindo redimir. Por isso em meio à traição se revela a grandeza do “Eu Sou” (13,19).
Cultivemos a semente da palavra no profundo do coração
Começa a leitura pascal mais profunda: o discurso de despedida de Jesus (Jo 13-17). O texto de hoje nos prepara para a escuta deste texto imenso (e todos os sentidos).
- Por que a Bíblia dá tanta importância à “mesa” e à “ceia”? Quais são os espaços que hoje privilegiamos para nos relacionarmos?
- Quais são as características de uma relação “à maneira de Jesus”?
- Por que se menciona a traição de Judas? Sobre que me adverte?
SEXTA-FEIRA
João 14,1-6
JESUS RESSUSCITADO NOS CONVIDA À SUA CASA
“Voltarei e os levarei comigo, para que onde eu estiver estejais também vós”
Começamos uma nova etapa em nosso itinerário bíblico, a última em nosso caminhar pascal. A partir de hoje, leremos uma das partes mais belas do evangelho de João: o “discurso de despedida de Jesus” que se encontra nos capítulos 14 a 17 deste evangelho.
Do rosto do pastor enamorado que lava os pés dos discípulos e come com eles sua última ceia, em que instituí a sagrada Eucaristia, passamos agora à descrição viva de seu amor pelos seus e à exposição ampla do modo como é tecida uma profunda relação. Estamos ante um discurso de Jesus extenso, porém profundo e emocionante.
O contexto
Para entender melhor o texto entremos brevemente na situação. Jesus anunciou a seus discípulos que se vai e que a comunhão de vida, a amizade vivida por três anos entre eles chega ao fim com a morte na cruz, já não o verão (visivelmente aos olhos humanos, a não ser quando ele queira se manifestar).
A nostalgia surge, então, como um sentimento cruel que aperta a garganta. A primeira reação dos discípulos deixa entrever o que pensam eles: o seguimento estreito do mestre, a amizade saborosa com ele, não havia sido mais que algo passageiro que vai ficar apenas como uma bela lembrança, uma vez que a morte se interpõe no meio do amor e separa para sempre aquele que amaram tão intensamente.
Por isso, na hora da despedida, em meio às lágrimas, tratando de aproveitar, com intensidade, os últimos instantes que lhes restam juntos, as palavras de despedida vão se convertendo, pouco a pouco, em palavras de consolação. Jesus explica a seus amigos que não se separará deles para sempre, mas que sua separação inicia uma dimensão importante na vida de seu discipulado.
Não se trata de um fim, mas de uma mudança importante e decisiva na maneira de segui-lo. Esta mudança tem como finalidade a criação de laços de amor ainda mais fortes, profundos e indestrutíveis que os anteriores. A passagem de hoje nos introduz de cheio neste tema.
Detenhamo-nos em três pontos principais do texto:
(1) Confiar no Mestre: Jesus começa com palavras fortes (14,1).
“Não se perturbe vosso coração” (14,1ª): O termo “perturbação” é eloquente. Para entendê-lo relembremos a passagem da morte e ressurreição de Lázaro, onde se diz que diante da tumba de seu amigo querido, Jesus “se comoveu interiormente, se perturbou” (11,33) e, em seguida, chorou.
Esta perturbação é a sensação prévia às lágrimas, é uma comoção profunda, é um abalo no espírito, por isso se diz “do coração”. É uma sensação mórbida, desoladora. É isso que sentimos com a partida dos seres que amamos. “Crede em Deus, crede também em mim” (14,1b): Seguir vivendo sem o amado é como morrer.
Diante desse sentir-se sem apoio, Jesus os oferece um ponto de segurança: não será visto mais fisicamente, por isso dá uma pista importante: assim como Deus não é visível aos olhos mortais, também Ele não será. Em outras palavras, assim como alguém crê em Deus a quem não vê, assim também deve crer nele enquanto Senhor ressuscitado. Jesus e o Pai estão no mesmo nível.
O primeiro passo a dar, então, é o da fé como atitude fundamental, com a qual os discípulos devem enfrentar a separação: “crede!”. A Jesus e ao Pai devemos o mesmo tributo de fé, porque o Pai se deixa conhecer através do Filho e atua em comunhão inseparável com o Filho.
Ao “não ver”, os discípulos deverão apoiar-se com uma confiança ilimitada no Pai e no Filho, construindo tudo sobre eles, sobre o piso sólido de sua comunhão eterna. É nessa comunhão eterna que os discípulos agora devem pôr o olhar da fé que dá sentido às suas vidas.
(2) Contemplar o Mistério Pascal
Este novo modo de comunhão é dom de Jesus. Por isso Jesus pede a seguir que contemplem sua obra pascal: “E na casa de meu Pai há muitas moradas… (14,2-3). Não é Jesus arrumando um quarto, mas construindo uma casa, assim como os que se amam constroem uma casa para viver juntos.
Vemos tres pistas importantes:
- Para Jesus, a morte é um retorno à casa do Pai (ver também 13,1). Desta maneira, exaltado e glorificado, ele estará para sempre na comunhão perfeita com o Pai.
- Jesus havia explicado sua morte e sua ressurreição desde o começo do Evangelho na expulsão dos vendedores do Templo dizendo que destruiria aquele construído por homens e o reconstruiria em três dias (observa o evangelista: dizia isso, referindo-se ao seu próprio corpo. Então Jesus ressuscitado é a nova construção, o novo Templo no qual se “habita” em Deus.
- Jesus não é um templo vazio: Ele vem, toma consigo aqueles que se lançaram numa profunda relação com ele e os leva à comunhão eterna consigo e com o Pai. A Páscoa de Jesus foi a preparação da “morada”.
(3) Fazer o caminho para entrar na “casa”
Porém, o dom de Jesus, que se acaba de descrever, pede nossa participação, nosso compromisso. E isso é o que Jesus quer dizer com a imagem do “caminho”. É preciso pôr-se em movimento pelo caminho que é Ele mesmo: suas palavras, suas obras, tudo o que supõe a convivência amiga com ele. Isto é o que os discípulos já aprenderam na convivência terrena com ele (14,6).
Trata-se de um caminho que conduz à verdade e à vida, quer dizer, ao conhecimento pleno do mistério de Deus e cujo fundo é seu rosto paterno. O caminho conduz, não só a um conhecimento, mas, também, a uma relação com este Deus descoberto em sua tremenda proximidade do Pai, uma relação que gera uma união, na qual se gera uma vida eterna.
Cultivemos a semente da palavra no profundo do coração
- De que sentem medo os discípulos? Qual é a raiz de meus temores?
- Que relação há entre a Páscoa de Jesus e a preparação da morada no céu?
- É Jesus ressuscitado o “mundo vital” em que quero habitar eternamente? Que temos que fazer para entrar na “morada” de Jesus?
Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM