4º DOMINGO DA PÁSCOA ANO B (Estudo Bíblico)

João 10,11-18

A EXCELENCIA DO PASTOR:

Dar a vida pela suas ovelhas

Introdução

A imagem do pastor indica ‘relação profunda’ e por isso pode ajudar-nos a buscar o caminho de oração próprio da Bíblia.

Na pedagogia bíblico-espiritual da Igreja, a alegoria do Bom Pastor proclamada no quarto domingo de Páscoa quer nos ajudar a tomar consciência de que Jesus é o Pastor que deu sua vida para dar-nos vida e agora está no meio de nós conduzindo-nos na historia como Senhor Ressuscitado.

Vamos aprofundar na relação que Jesus tem conosco hoje e também no tipo de relações que nos convida a estabelecer com os demais, seguindo a pista do evangelho de hoje.

  1. O contexto

Para que entendamos a importância que tem na Bíblia o tema do Pastor, é bom que refresquemos um pouco o contexto.

Os beduínos do deserto nos dão uma idéia do que era a vida cotidiana nas tribos de Israel. Nesta sociedade, a relação entre pastor e rebanho não é unicamente de tipo econômico, baseada no interesse, no proveito que o pastor possa tirar de suas ovelhas para sobreviver com sua família: tirar a lã, beber o leite, fazer deliciosos assados, vender quando precisa dinheiro, etc. Em outras palavras não é uma relação de “propriedade”.

No mundo da Bíblia, como ocorre ainda hoje aos beduínos do deserto, entre o pastor e seu rebanho se desenvolve uma relação quase pessoal. Dia após dia passam juntos em lugares solitários olhando um ao outro, sem ninguém a volta.

O pastor termina conhecendo tudo sobre cada ovelha e cada ovelha reconhece e distingue, entre todas, a voz de seu pastor, que fala com ela com freqüência.

  •  Na história da revelação aparece com frequência esta imagem   

Precisamente porque a relação entre o Pastor e suas ovelhas representava uma das relações mais estreitas que se podiam observar no cotidiano de um israelita, se explica por que Deus utiliza este símbolo para expressar sua relação com seu povo eleito e com toda a humanidade.

Um dos Salmos mais belos da Bíblia descreve a segurança que o orante tem de que Deus é seu Pastor: “O Senhor é meu pastor, nada me falta” (23,1).

Mas isto vale também para as relações humanas, dai que na Bíblia o título de pastor também se dá, por extensão, também a todos aqueles que imitam o desejo, a dedicação de Deus pelo bem estar de seu povo. Por isso aos reis nos tempos bíblicos se chama pastores, também aos sacerdotes e em geral a todos os líderes do povo.

Nesta ordem de idéias, quando um profeta como Ezequiel se refere aos líderes do povo, os chama pastores, mas não para referir-se à imagem que deveriam projetar, de segurança, de proteção, mas ao que realmente são: líderes irresponsáveis que chegam inclusive até a delinqüência para tirar vantagem de sua posição mediante a exploração e a opressão.

É assim que ao lado da imagem do bom pastor aparece também a do mau pastor ou do mercenário. Em Ez 34,11 há um juízo tremendo contra os maus pastores que apascentam só a si mesmos e por isso vemos que Deus, ele mesmo, decide ocupar-se pessoalmente de seu rebanho: “Aqui estou; eu mesmo cuidarei de meu rebanho e velarei por ele”.

  • A grande responsabilidade de um pastor: a vida da ovelha

O critério para distinguir o bom e o mau pastor era seu sentido da responsabilidade. O Pastor na Palestina era totalmente responsável pelas ovelhas: se algo acontecia a uma delas, ele tinha que demonstrar que não havia sido culpa sua.

Observemos algumas citações impressionantes:

  • Amós 3,12: “Como salva o pastor da boca do leão duas patas ou a ponta de uma orelha, assim se salvarão os filhos de Israel”.

O pastor deve salvar tudo o que possa de sua ovelha, nem que sejam as patas ou a ponta da orelha de sua ovelha.

  • Ex 22,9.13: “Se um homem entrega a outro uma ovelha ou qualquer outro animal para sua custodia, e estes morrem ou sofrem dano ou são roubados sem que ninguém o veja… terá que restituir”.

Neste caso o pastor terá que jurar que não foi por culpa sua (v.10) e trazer uma prova que a ovelha não havia morrido por culpa sua e que ele não teve como evitar.

Enfim, o pastor se joga todo por suas ovelhas, ainda combatendo tenazmente contra as feras selvagens, fazendo gala de todo o seu vigor e, inclusive, expondo sua vida, como vemos o que fez Davi de maneira heróica com as suas:

“Quando teu servo estava guardando o rebanho de seu pai e vinha o leão ou o urso e levava uma ovelha do rebanho, ele saía atrás, lhe golpeava e a arrancava de sua goela, o sujeitava pelo queijo e o golpeava até matá-lo” (1 Sm17,34-35).

  •  A excelência do Pastor: um amor que vivifica

Tudo que vimos anteriormente é o que Deus faz com os seus. Os orantes bíblicos, como o faz notar o Sl 23, encontravam na imagem de Deus-Pastor seu verdadeiro rosto: seu amor, sua pressa e sua dedicação por eles.

Em Deus encontraram sua confiança para as provas da vida. Eles tinham na mente e arraigada no coração esta convicção: “Como um pastor bom, Deus se joga todo por mim”. Eles tinham a certeza de que Deus sempre estava cuidando deles e combatendo por eles.

Assim pregava Isaías: “Como ruge o leão e o cachorro sobre sua presa, e quando se convoca contra ele a todos os pastores, de suas vozes não se intimida, nem de seu tumulto se apavora; tal será a descida de Yahweh dos exércitos para guerrear sobre o monte Sião e sobre sua colina” (Is 31,4).

E no profeta Ezequiel, já mencionado, vemos que nada escapa ao compromisso e ao amor de Deus-Pastor: “Buscarei a ovelha perdida, tornarei à desgarrada, curarei à ferida, confortarei à enferma” (Ez 34,16)

  • O texto

Jesus no evangelho retoma este esquema do Bom e do Mau Pastor, porém com uma novidade. Ele disse: “Eu sou o Bom Pastor!”.

A promessa de Deus se converte em realidade, superando todas as expectativas. Jesus faz o que nenhum pastor faria, o que nenhum pastor por muito bom que seja se atreveria a fazer: “Eu dou minha vida pelas  ovelhas”.

Leiamos o texto e sublinhemos as insistências:

  • duas vezes disse: “Eu sou o Bom Pastor” (vv. 11 e 14);
  • cinco vezes disse que “dá a vida (pelas ovelhas)” (vv. 11.15.17 e 18); e
  • quatro vezes disse que o Bom Pastor “conhece” e “é conhecido” (vv. 14-15), conduzindo assim a uma grande relação de comunhão entre as ovelhas, com ele e de todos juntos com o Pai (vv.14-16). (Podemos também por nossa própria conta fazer uma pequena lista das ações – refletidas nos verbos- que caracterizam a Jesus).

Deste modo, o discurso de Jesus sobre o Bom Pastor vai se desenvolvendo devagar, fazendo anotações precisas sobre o “fazer” característico de Jesus com seus discípulos e conduzindo o leitor até a contemplação de sua grande obra pelos seus: o mistério pascal e seu dom.

  • Aprofundando o texto

No desenvolvimento desta parte da catequese de Jesus, distingamos:

  • vv.11-13: que mostra o contraste entre o bom e o mau Pastor, e que poderíamos

                 chamar de “o verdadeiro pastor”

  •  vv.14-18: descreve como é o Bom Pastor, e poderíamos chamar: “a excelência

                  do Pastor”

3.1. O verdadeiro pastor (vv.11-13)

“O Bom Pastor dá sua vida pelas ovelhas”

Notemos as seguintes afirmações de Jesus:

(a) É “Bom Pastor”

Convém aqui fazer uma anotação sobre o vocabulário utilizado no evangelho. Em grego há duas palavras que se traduzem por “bom”:

  • o termo “agathós”: que descreve a qualidade moral duma pessoa boa; e
  • o termo “kalós”: (=“belo”). Une à bondade, qualidade encantadora que faz da pessoa que a possui, atrativa e simpática (como quando dizemos: “É uma belíssima pessoa!”, referindo-nos a suas qualidades internas como a amabilidade, a paciência, a disposição para o serviço, etc.) e que faz que todo mundo queira ser amigo dessa pessoa.

Quando lemos “Bom Pastor”, (=“Kalós”, no grego), ou seja, “pastor belo”, indicando que, mais que eficácia (administrativa), o que o marca é a beleza integral de sua personalidade Junto com a força e a eficácia, em Jesus “Bom Pastor” se reflete seu amor e sua simpatia.

(b) Tem “sentido de pertença” 

A Ele “pertence as ovelhas”. E por isto mesmo é “confiável”, perseverará em suas responsabilidades custe o que custar.

Nos tempos de Jesus o verdadeiro pastor o era de nascimento, poderíamos dizer que o faziam por “vocação”. Um pastor assim não se ocupava de nada mais, as ovelhas eram o motivo de seus desvelos e quando se levantava pela manhã corria alegre a cumprir com seu dever.

Ao contrário havia pessoas que não encontravam emprego no povo e, ante a falta de alternativas, não lhes restava mais remédio que ir ao campo a pastorear ovelhas, dai que não sentiam muito apreço pela responsabilidade de sua tarefa, se tornariam simples “assalariados” e, portanto, “mercenários” (este era seu “negócio”, o valor maior era sua própria subsistência).

Diferente do assalariado, o bom pastor considera suas ovelhas como próprias e, portanto, não espera pagamento.

O que trabalha pelo proveito que possa tirar de seu serviço, não pensa mais que no dinheiro e quando este, ou qualquer outra gratificação, falta, não persevera. Mas, onde há sentido de pertença há amor e onde há amor há gratuidade.

A motivação central do bom pastor é o amor e quem ama, não espera receber. O que quer é dar o amor que leva até o dom da própria vida (Jo 15,13).

(c) Seu compromisso não tem limites

E este compromisso é pela vida: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundancia” (10,10). Porém Jesus vai além, não é suficiente dizer que veio dar a vida, o que chama a atenção é o “como”: sua maneira de trabalhar pela vida é dando a própria.

“O bom pastor dá a vida pelas ovelhas”. O Pastor autêntico não vacilava em arriscar, em dar sua vida para salvar suas ovelhas ante qualquer perigo que as ameaça.

Não repara nem sequer em sua própria vida, nos ama mais que a sua própria vida e deste amor se desprende tudo o que faz por nós. Isto é o que iremos aprofundar em seguida.

3.2. A excelência do Pastor (vv.14-18)

Esta seção vai muito mais a fundo, considerando, agora, unicamente, a figura do “Bom Pastor” (que cumpre os três requisitos anteriores).

Delineia a beleza de sua personalidade, o melhor de sua espiritualidade, de seu segredo interno, respondendo a estas perguntas:

  • Que significa dar a vida oferecendo a própria?
  • Qual é o conteúdo dessa vida?
  • A que deve conduzir?
  • Qual é a raiz última de toda a entrega do Pastor? 

Em outras palavras, trata-se aqui do conteúdo da relação do bom pastor com suas ovelhas. Esta é:

  • Uma relação ardente (vv.14-15)

A relação do bom pastor com suas ovelhas não é fria, material, impessoal, mas modelada na relação mais cordial e pessoal que existe: a comunhão do Pai e do Filho (ver a introdução e a conclusão do Prólogo do Evangelho de João 1,1-3 e 18).

  • “Como me conhece o Pai…”. A atitude de Jesus leva a questão de sua relação com o Pai. Pai e Filho se conhecem profundamente, vivem em familiaridade recíproca, se apreciam mutuamente, se amam intensamente;
  • “Conheço minhas ovelhas…”. Se a relação de Jesus conosco é deste tipo, podemos distinguir que a relação do pastor é uma relação apaixonada, ardente de coração.
  • “minhas ovelhas me conhecem”: Se Ele é assim conosco, também nós devemos ser com Ele.

Por que João prefere aqui o termo “conhecer”? Porque o “amor” está baseado no “conhecimento” pessoal. Para Jesus “Bom Pastor”, não somos números, Ele conhece nossa história, dificuldades, defeitos e todas as nossas características. Porque nos conhece, nos ama, quer dizer, nos aceita como somos e nos mergulha em sua comunhão.

Mas é preciso ver também o contrário: é preciso que “Jesus” não seja para nós um simples nome, temos que aprender a conhecê-lo cada vez melhor, precisamente como o “Bom-belo Pastor” e tecer uma relação profunda e fiel de amor com Ele.         

A relação com Jesus “Bom Pastor” é de íntima comunhão. O Bom Pastor não nos mantém a distancia, não quer nos permaneçamos pequenos e imaturos. Devemos crescer cada vez mais para chegar a ser capazes de entrar em comunhão pessoal com Ele.

(b) Uma relação em que cabe a todos (v.16)

A comunhão que se constrói com Jesus começa a abarcar, pouco a pouco, todas nossas relações e aponta à unidade da vida (com todas suas diversidades e complexidades) no amor de Jesus. O amor pressupõe o “conhecimento” e logo aponta para a unidade das diversidades porque o amor é “unificante”.

A missão de Jesus pastor não se limita ao povo de Israel. Ele recebeu do Pai a tarefa de cuidar de toda a humanidade, de fazer um só rebanho, uma comunidade de crentes n’Ele. Esta é, em última instância, sua missão. Ninguém é excluído de seu cuidado pastoral,o amor de Deus n’Ele é para todos os homens.

Podemos ver nesta grande unidade duas linhas históricas:

  • Uma linha histórica vertical: unifica passado, presente e futuro (comunidades de Israel, dos Doze e de todos os futuros crentes em Cristo); e
  • Uma linha histórica horizontal: unifica os diversos grupos de crentes em Cristo e com eles, inclusive, os não crentes.

Por Jesus, que é o único Pastor, e da comunhão com Ele todos (e todas as comunidades) são chamados a converter-se em uma grande comunidade. Esta, que nós homens nunca poderemos obter por nós mesmos (por mais qualificações que façamos), será obra sua.

Saberemos viver em comunidade quando tivermos o olhar em Jesus, o único Pastor. A excelência de todo pastor está em saber construir unidade onde quer que esteja, não em torno dele, mas de Jesus.

 (c) A fidelidade: raiz do amor apaixonado e unificante do Bom Pastor (vv.17-18)

A catequese sobre o Bom Pastor acaba na contemplação do “mistério pascal”. O entardecer da vida do Pastor, sua glória, sua plenitude é a entrega da própria vida na Cruz.“Por isso o Pai me ama, porque dou minha vida para recobrá-la de novo. Ninguém a tira de mim; Eu a dou livremente”.

Notemos que no versículo 16 (sobre a unidade à qual conduz o Pastor) se repete a frase: “dou minha vida”. Entende-se que Jesus constrói a “grande unidade” na Cruz; efetivamente, Ele morreu “não só pela nação, mas também para reunir os filhos de Deus dispersos” (Jo 11,52).

Mas, observando esta última parte, notemos que a referencia a Deus-Pai marca os vv.17 e 18: “Por isso o Pai me ama…” e “esta é a ordem que tenho recebido de meu Pai”.

A relação de Jesus com o Pai explica sua fidelidade; e esta fidelidade é que sustenta sua “excelência”. Trata-se de uma fidelidade: mantida pelo amor fundante do Pai; vivida desde a liberdade; e expressada na obediência.

Esta fidelidade toma corpo:

  • no “dar” e “receber” (notar a repetição dos termos);
  • na “autonomia”(tenho “poder”) e na “responsabilidade”(“para” ou “em função de”);
  • na escuta do mandato(a “ordem”) e na resposta(a obediência: “o tenho recebido”).
  • Conclusão

Notemos enfim que no centro se diz: “Eu a dou (minha vida) voluntariamente”. E em seguida disse: “Tenho poder para dar e poder para recebê-la de novo”.

Em última instancia o “poder” de Jesus (termo que se repete duas vezes) se exerce na responsabilidade do “dar-se” a si mesmo apoiado no amor fundante do Pai, de quem recebe tudo (a vida sempre é recebida) e com quem tem um só querer (a raiz de sua vida é o amor maduro: o que se faz um só com o amado). 

Esta é a grande consciência de Jesus na Cruz, a que o acompanha no momento sublime de dar “vida em abundancia” a todas suas ovelhas. Tudo está baseado neste arrojo incrível do amor de Jesus.

  • Cultivemos a semente da Palavra na vida
  • A quem se dirige hoje esta bela página do “Bom Pastor”?”.
  • Que relação há entre os três momentos da vida do Pastor em Jo 10,1-18 e as etapas de nosso ministério?
  • Qual a diferença entre o Bom e o Mau Pastor? Que identifica um verdadeiro pastor?
  • Quais valores nos quais se verifica que um Pastor alcança alto grau de “excelência”?
  • Em que está baseada a “excelência”?

Fonte: www.homiletica.org

Autor:

Pe. Fidel Oñoro (sacerdote eudista)

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