6º Domingo da Páscoa ano C (Estudo Bíblico)
João 14,23-29
Introdução
Quando Jesus disse que retornaria ao Pai, os discípulos entram em pânico, sentem que o chão se move. A despedida tem sabor de lágrimas. Por isso, lhes disse repetidamente: “Cesse de perturbar-se o vosso coração” (14,1), “Não se perturbe nem se intimide vosso coração” (14,27). Naquele dia, no cenáculo, o nó na garganta dos discípulos era grande.
E não é para menos, que os discípulos se sintam inseguros a pela da partida de Jesus. O Mestre constitui-se o ponto de referencia de suas vidas. Sem sua presença não há seguimento, nem tampouco, futuro. Daí, que temam o ver-se desprotegidos e sem orientação, em outras palavras, órfãos do amor que os manteve.
Porém, a atitude de Jesus ante a iminente partida é diferente: “Se me amásseis, ficaríeis alegres por eu ir para o Pai” (14,28). Façamos a leitura da passagem de Jo 14,23-29. Agora aprofundemos…
1. O discurso de despedida de Jesus: dois pontos de vista que se confrontam:
No evangelho, que lemos hoje, vemos como Jesus quer ajudar seus discípulos, a ver sua partida, desde o ângulo preciso. Assim fica claro que:
- Jesus tem um ponto de vista próprio sobre sua partida.
- Os discípulos devem compreender, a partir de chaves muito exatas, qual é a sua nova situação e quais são as razões para não se sentirem abandonados.
Com as promessas que vão se desvelando, o Mestre Jesus leva, gradualmente, a sua comunidade, do clima de tristeza ao clima de uma grande alegria: a alegria que provém do compreender que o caminho da Páscoa conduz a uma nova, mais profunda e mais intensa forma de sua presença, no hoje da historia de todo discípulo.
Disto se deduz que a vivencia atual de Ressuscitado está estreitamente unida à percepção desta forma concreta que o Mestre segue conduzindo o discipulado no tempo pascal. O evangelho deste domingo responde, então, à pergunta sobre como continua Jesus guiando seus discípulos, animando o seguimento nos novos tempos.
2. A base do seguimento de Jesus: o Amor a Jesus e a obediência à sua Palavra (14,23.24.28)
O discípulo ama a Jesus. Porém, a forma concreta de seu amor é: (1) acolher, com fé, a pessoa de Jesus, com tudo o que Ele tem revelado sobre si mesmo; e (2) levar a sério seus ensinamentos, pondo-os em prática. Esta é a rota firme do discipulado.
O amor, então, se torna compromisso. Notemos a insistência no capítulo 14 de João: “Se me amais, observareis meus mandamentos” (14,15); “Quem tem meus mandamentos e os observa, é que me ama” (14,21); “Se alguém me ama, guardará minha palavra” (14,23); ou ao invés “Quem não me ama não guarda minhas palavras” (14,24).
É assim que um discípulo segue a Jesus, ao longo de toda sua vida: mediante a escuta e a vivencia do Evangelho. Seu amor, nesta sintonia com o caminho do Evangelho, redundará em uma transbordante alegria (cf. 14,28). O discipulado é esta dinâmica de amor: observam os mandatos de Jesus, e, demonstrando-lhes, assim, seu amor, eles seguem seu exemplo. Só assim são verdadeiros imitadores de Jesus, porque, assim é que Ele se comporta com o Pai (“Se observais meus mandamentos permanecereis no meu amor, como guardei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor”, 15,10).
Esta dinâmica do amor desdobra o panorama da nova realidade que acontece no interior da vida do discípulo de Jesus: seu amor se encontra com outro amor, amor que o supera e que está sempre a crescer! O discípulo não só entra neste novo movimento de amor com Jesus, mas, também, com Deus Pai: “E quem me ama será amado por meu Pai” (14,21); “Se alguém me ama,… meu Pai o amará” (14,23).
A partir daqui começam a jorrar, como em cascatas, dos lábios de Jesus, uma série de revelações. A primeira vem ligada à segunda com o tema do amor obediente do discípulo, completando, assim, o círculo: Jesus anuncia um amor permanente e inclusivo, do Pai e do Filho, no coração do seguidor de Jesus: “… e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (14,23).
3. Cinco revelações de Jesus aos seus discípulos:
O amor dos discípulos, por seu Mestre, é a premissa de 5 revelações que Jesus anuncia, agora como promessa:
(1) O Pai e o Filho virão aos discípulos e farão morada neles (cf. 14,23-24);
(2) O Espírito Santo estará com eles e os instruirá (cf. 14,25-26);
(3) Nesta comunhão com Deus lhes oferecerá sua paz (cf. 14,27);
(4) Também os partilhará sua alegria (14,28);
(5) Para que cresça, neles, sua fé (14,29).
Aprofundemos estas afirmações seguindo o fio condutor do texto.
3.1. A interioridade do Pai e do Filho no discípulo de Jesus: “Se alguém me ama guardará minha palavra e meu Pai o amará, e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (14,23).
Detenhamo-nos nesta frase de Jesus:
(1) A interioridade da comunhão do Pai e do Filho: uma solidão “plena”
A presença de Jesus no caminhar do discípulo, no tempo pascal, atrai também a de Deus Pai. Jesus não vem só. De fato, se olharmos outras passagens do evangelho, constatamos que Jesus faz com que seus discípulos levem em conta isto: que n”Ele não há solidão: “Eu não estou só, porque o Pai está comigo” (16,32); “O que me enviou está comigo. Não me deixou sozinho …” (8,29).
A todo discípulo acontece o mesmo que a Jesus: sua solidão é na companhia de Deus. Quem ama a Jesus não está só, não está perdido, nem abandonado à sua própria sorte. Ainda quando não sejam visíveis aos seus olhos físicos, todo seguidor deve saber que Jesus e o Pai estão ao seu lado.
Por isso, é preciso tomar consciência, em todo instante, e, inclusive, na hora da morte, tempo de profunda solidão e radical separação, que Jesus e o Pai estão ao nosso lado, que não nos deixam abandonados, nem desprotegidos. O discipulado é um saborear cotidiano desta amorosa companhia.
(2) O futuro se antecipa: podemos viver, desde já, o céu na terra:
Nossa vocação, como criaturas de Deus, é alcançar a comunhão plena, com Deus, na eternidade.
Agora, Jesus faz com que levemos em conta que esta comunhão com Ele e com o Pai não será somente uma realidade futura, quando vivermos na morada que o Ressuscitado nos preparou no céu (“virei novamente e vos levarei comigo”, 14,3), mas, que é uma realidade presente, aqui e agora, que cresce todos os dias, até a visão definitiva da gloria.
Isto vale não só para os primeiros discípulos, mas, também, para todo aquele que crer em Jesus: quem ama Jesus se abre à vinda do Pai e do Filho, que farão morada nele e permanecerão em sua vida por longo tempo.
3.2. Educados pelo Espírito Santo: “vem”, “ensina” e “recorda” (14,25-26)
“Estas coisas vos disse estando entre vós. Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos disse” (14,25-26)
Jesus recorda, uma vez mais, que virá o Espírito Santo. Já o havia dito pouco antes: “… e eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode acolher, porque não vê nem o conhece. Vós o conheceis, porque permanece convosco” (14,16-17).
Notemos três pontos no versículo 26:
(1) O Espírito Santo é um “Paráclito”, um assistente:
Com o dom do Espírito compreendemos que não estamos sozinhos, que contamos com uma ajuda eficaz. Não nos empenhamos por compreender a Palavra de Jesus somente com as nossas forças, mas o Espírito nos assiste, nos ilumina.
(2) “O Pai (o) enviará em meu nome”
O Pai enviará o Espírito, como resposta à sua petição: “… e rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre” (14,16).
(3) “… e vos recordará tudo o que vos disse”
O Espírito entrega aos discípulos a totalidade do Evangelho, a Palavra de Jesus, na qual há uma profunda unidade. Assim, inculca neles seus ensinamentos; lhes revela seu rosto glorioso. Estes dois elementos continuarão sendo o caminho de acesso à pessoa de Jesus.
Sua tarefa é ensinar-nos a nos apropriar de Cristo, quer dizer, a fazer o caminho pedagógico da apropriação vital e da vivencia da Palavra de Jesus. Ele não traz novos ensinamentos, porque toda a revelação já se manifestou na pessoa de Jesus.
Sua ação é referente ao que Jesus já disse, recordando-o, aprofundando-o e entranhando-o na própria vida, quer dizer, encarnando o Verbo Jesus em nossa historia
Sem a guia do Espírito Santo, verdadeiro Mestre do Evangelho, o discipulado é inviável. Quando um discípulo é educado, interiormente, pelo Espírito Santo, pode seguir com maior fidelidade a Jesus, conduz melhor seu projeto de vida sobre as rotas do Evangelho e adquire tudo o que necessita para entrar na comunhão total com o Pai e com o Filho. Desta forma o Espírito nos introduz na Trindade plena, meta do caminho de Jesus e de toda nossa vida.
- Primeira consequencia da comunhão com Deus: Jesus comunica sua paz
“Deixo-vos a paz, minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá” (14,27).
Vejamos três características da paz de Jesus:
(1) Sua origem
Jesus deixa a seus discípulos “sua” paz, isto é, a segurança e proteção que somente podem provir d’Ele.
(2) Seu fundamento
Esta paz não é somente uma palavra, mas se baseia nas duas promessas que acaba de fazer Jesus: a comunhão com o Pai e com o Filho, que nos habita; e a presença do Espírito, que nos guia. A paz brota na vida de quem se submerge em Deus e dirige sua existência pele caminho do Evangelho.
Esta comunhão é espaço vital de segurança e proteção. Se Deus está conosco, que poderá constituir-se, verdadeiramente, um perigo para nossas vidas? A comunhão com Deus arranca, pela raiz, as preocupações, os medos, as inseguranças, tanto quanto seja vivida e experimentada na fé. Quando Deus está na vida de alguém, tudo é diferente.
(3) Sua consequência
Quem acolhe a presença de Deus Pai e Filho em sua vida, caminhando todos os dias sob a guia do Espírito Santo, enfrenta a vida de maneira diferente: com paz. As vicissitudes próprias da vida cotidiana, que, muitas vezes, causam desassossego e perturbação, não nos encontram desvalidos, como se não tivéssemos ajuda e sólido piso que nos sustente. Em outras palavras, as realidades da vida nos submergem em angustia e temor, com razão disse: “Não se perturbe nem se intimide vosso coração” (14,27).
Recordemos o ponto inicial: visto que Jesus é o único que pode nos dar a entrada nesta comunhão com o Pai, Ele, e só Ele, é quem pode nos dar esta paz.
- Segunda consequência desta grande comunhão: Jesus partilha sua alegria
“Vou e retorno a vós. Se me amásseis, ficaríeis alegres por eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que eu” (14,28)
Na “alegria” ocorre como com a paz: a maior alegria que há é a do amor, cujo fundamento último é a união perfeita do Pai e o Filho. Como se viu antes, o amor por Jesus impulsiona os discípulos a observar sua Palavra (14,23). Pois este fato deveria impulsioná-los também a alegrar-se, por ir-se o Mestre.
(1) A alegria de Jesus
Com sua morte volta à casa do Pai (“tendo chegado a hora de passar deste mundo ao Pai”, 13,1). Assim Jesus chega à plenitude do gozo: não há maior alegria que a perfeita comunhão com o Pai.
(2) A alegria dos discípulos
Os discípulos deveriam estar contentes porque Jesus chega à plenitude de sua bem-aventurança. Porém, Jesus convida seus discípulos a algo mais: que se alegrem, inclusive, por si mesmo: o fato de que tenha alcançado sua meta é, para todos os seguidores, uma garantia de que também a alcançarão.
As conquistas de Jesus são as de seus discípulos, eles são os primeiros beneficiados. Jesus os acolherá em sua mesma plenitude: “… e quando for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também” (14,3).
3.5. Estas promessas devem ajudá-los em sua fé (14,29)
“Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais”
Jesus acaba de falar a seus discípulos, abertamente, com toda transparência, com um grande amor. Agora, faz uma pausa, para que os discípulos reflitam. Que precisam captar, no que Jesus acaba de dizer? O fato de que o Mestre exponha a seus discípulos tantos detalhes não deve ser motivo de inquietação, mas uma fonte de fortalecimento da fé n’Ele.
Enfim…
Os discípulos estão tristes, no cenáculo, porque é a hora da despedida. Jesus lhes mostra que não há motivos para estarem tristes, porque sua partida não é abandono, mas plenitude de sua hora e ponto de partida de uma nova forma de presença.
A partida é dolorosa, sim. Porém, tudo depende do ponto de vista de onde se olhem as coisas. Se as olhamos de fora, a morte de Jesus parece uma catástrofe.
Porém, se as olhamos desde onde as vê, o próprio Jesus, é diferente: quem põe em prática os ensinamentos do Mestre, não perde a segurança quando chega a hora da morte de Jesus, mas é confirmado na fé n’Ele, na paz e na alegria por sua vitoria. Jesus nos convida a acolher esta visão das coisas e a apropriar-se dela. Temos que crer em Jesus.
4. Cultivemos a semente da palavra no profundo do coração
- Que fazemos para lidar com a solidão e o abandono? Que caminho nos mostra Jesus?
- Que características tem o discipulado –seguimento de Jesus- nos novos tempos do Ressuscitado?
- Que promessas faz Jesus a seus discípulos na hora de sua partida? Por que são bem-aventurança?
- Que valor tem para mim a Palavra de Jesus? Que faz o Espírito Santo na vida do discípulo de Jesus? Que entendo por “paz”? Que disse Jesus sobre a “paz”?
- Que ambiente tem uma despedida? Que há de comum entre a despedida de Jesus e
as que nós fazemos? Em que Jesus estabelece uma radical diferença? Em que deve consistir a alegria pascal? Como tenho vivido o tempo pascal este ano?