SEMANA SANTA ANO B – ESTUDOS BÍBLICOS
ESTUDO BÍBLICO NA SEMANA SANTA
Comunidade Católica PAZ E BEM
SEGUNDA-FEIRA
João 12,1-11
A unção de Betânia: UM GESTO DE AMOR QUE DESVELA A MESQUINHEZ DOS OUTROS
“Ungiu os pés de Jesus e secou-os com seus cabelos”
O evangelho de hoje é uma excelente porta de entrada no mistério pascal de Jesus, ao modo de João. Junto à melodia aguda do amor se faz sentir o contraponto do desamor que rejeita a Jesus. Hoje os amigos oferecem uma ceia a Jesus, mas, logo será Ele quem a oferece e o dom maior será Ele mesmo.
Chama a atenção que os textos escolhidos do evangelho de hoje até quinta-feira, todos mencionem a “mesa”. Esta é sinal de comunhão, vínculos profundos. Ante ela desfilarão personagens e se desvelarão atitudes que nos ajudarão a captar a luz que lança o mistério da Paixão de Jesus sobre as paixões humanas e perceber, ao mesmo tempo, toda acolhida que Deus faz do homem no mistério da Cruz.
A ceia em Betânia se situa “seis dias antes da Páscoa” (v.1ª). Assim João começa a contagem regressiva da morte de Jesus. De outro lado, a menção de Betânia como o lugar “onde estava Lázaro, o que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos”(v.1) liga o que acaba de ocorrer (a experiência de fé na ressurreição) com a Paixão de Jesus que está por iniciar.
Esta ceia tem um desenrolar curioso:
- A descrição com rápidas pinceladas da ceia (12,1-3);
- De repente a atenção do evangelista se concentra em um só ponto da ceia: as palavras de Judas e de Jesus acerca do insólito gesto de Maria de Betânia (12,4-8); e,
- O tempo foi suspenso (e a ceia passa a um segundo plano) para dar vez ao narrador que faz anotações sobre as funestas consequências que tem, para Jesus e para Lázaro, a afluência de judeus curiosos para ver Lázaro (12,9-11).
Porém, na realidade o relato tem dois movimentos internos fundamentais que se desatam frente a Jesus: o amor dos amigos que o compreendem e o honram (12,1-4) e o desamor dos adversários que não o compreendem e o veem como uma ameaça (12,5-11).
- Um banquete de agradecimento pela vida (12,1-3)
O banquete para Jesus parece estar movido pela gratidão. Em torno à mesa reencontra Jesus o amigo pelo qual chorou. Os três irmãos aparecem em torno de Jesus e fazem atos de amor: Marta: oferece seu serviço amoroso; Lázaro: acompanha Jesus na mesa; e, Maria: é quem unge os pés de Jesus. Lázaro foi chamado no capítulo anterior “o que Jesus amava” (11,3) ou “o amigo” de Jesus (11,11).
E mais, quando Jesus chorou em sua tumba o povo se surpreendeu: “Olha como lhe queria” (11,36). A dinâmica do amor não é a mesma em cada pessoa: a relação de Jesus com Lázaro se caracteriza em que é Jesus que faz tudo por ele. Isto é importante: Jesus escolhe seus amigos sem necessidade de que tenham algo para dar. Lázaro se deixa escolher (ver 15,16).
Com Maria acontece o contrário, é ela quem toma a iniciativa e rende sua homenagem a Jesus com um gesto carinhoso: o unge com perfume da melhor qualidade (nardo puro importado) e em abundante quantidade: “um litro” (v.3).
Seu custo é de “trezentos denários”(v.5), que é o equivalente a trezentas jornadas para quem trabalha no campo. Na precária economia da época era muito dinheiro! O de Maria é um amor agradecido que se transborda completamente.
- Um amor incompreendido (12,4-7)
Judas Iscariotes reage negativamente frente ao gesto de Maria de Betânia (cf. vv.4-6). O evangelista traça um perfil de Judas ao tempo que reporta suas palavras:
- A crítica parte de “um dos discípulos”(v.4b), precisamente um que devia compreender como nenhum outro, o valor do gesto;
- Tratava-se precisamente do pérfido discípulo, “o que havia de entregá-lo” (v.4c), o que faria um gesto totalmente contrário ao da mulher;
- A motivação da crítica é “era um ladrão, e como tinha…” (v.6).
A reprovação de Judas reflete sua incapacidade de ver mais além, por isso Jesus vai lhe dar a correta interpretação do fato: “Para o dia de minha sepultura” (v.7). O seu, é o primeiro sinal de fé de uma pessoa que tem centrado tudo na pessoa de Jesus, e tem entrado no mistério de sua Cruz (o mesmo acontecerá com outros, precisamente na sepultura de Jesus; 19,38-42).
Além do mais, as motivações de Judas são ocultas e interessadas, está pensando em seus próprios interesses. Está se utilizando, para proveito próprio, do compromisso com os pobres.
A frase “porque pobres sempre tereis convosco” (v.8), eco de Dt 15,11, não é uma negativa para o serviço aos pobres, mas precisamente o contrário. Visto que esta mesma citação enfatiza o “abrir a mão” em seu favor, se compreende que esse será o efeito da morte de Jesus no coração redimido por ele: o amor pelo crucificado (expressado na unção) se expressará logo no amor aos irmãos.
A Cruz de Jesus purifica e encaminha todo amor. Judas vai na contramão desta proposta.
- Matar ao testemunho vivo de sua vitória sobre a morte (12,9-11)
Finalmente, entram em cena os sumos sacerdotes, que também reagem negativamente frente a Jesus, porém, por um novo motivo: “muitos judeus se afastavam e acreditavam em Jesus” (v.11).
Previamente, o evangelista nos tem informado que Betânia tem se convertido em foco de afluência de um grande número de pessoas atraídas pelo acontecido a Lázaro (v.9). A decisão de “matar também a Lázaro” (v.10) mostra o desejo de tirar do meio todo o que fale de Jesus. Lázaro, de fato, tem se convertido em um testemunho vivo que atrai muitas pessoas para “crer” em Jesus. Como tal, compartilhará da perseguição do Mestre e Amigo.
Judas é incapaz de amar. Os sumos sacerdotes são incapazes de crer, ainda ante à evidência. O medo de perder os privilégios se converte então em inveja e esta se torna rejeição, intolerância e paranoia, ante a todo que fale de Jesus. O fechamento é total. É assim como em torno a Jesus surge o conflito entre os que amam e buscam a vida e os que só pensam em tramar acusações, ciladas e morte.
Ante a força da amizade belamente descrita neste texto, se revelam, também, os segredos, os motivos ocultos da mesquinhez, da superficialidade e da maldade humana. Este é o pecado: não querer deixar-se interpelar, nem chamar, nem transformar pela linguagem do amor de Jesus.
- Para cultivar a semente da Palavra no coração:
- Qual deve ser a motivação interna do amor para agir frente a Jesus?
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- Que caracteriza a cada um destes personagens: Lázaro, Marta, Maria, Judas, os judeus que veem ver Lázaro e os sumos sacerdotes?
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Em que me interpela cada um deles?
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- Não é verdade que às vezes o discurso sobre os pobres se converte em pretexto para promover-se no mundo da política e em outros campos também?
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O que evitaria que isto acontecesse?
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- Jesus propõe dar migalhas assistencialistas ou mais, a transformação de cada pessoa e da sociedade inteira, para serem capazes de amar pondo ao serviço de todos o que somos e temos?
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- Compreendendo que se trata do segundo, que caminho tem que percorrer para conseguir?
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TERÇA-FEIRA
João 13,21-33.36-38
EM CONTRALUZ COM JESUS: TRAIÇÃO E NEGAÇÃO
“Um de vós me entregará… Não cantará o galo antes que tu me tenhas negado três vezes”
Da ceia em Betânia passamos à Última Ceia, na qual Jesus se despede de seus discípulos. Nela, Jesus lhes lavou os pés (evangelho da próxima quinta-feira). A refeição se interrompe bruscamente e passa-se a três cenas que culminam neste capítulo do evangelho de João:
1ª cena: O anúncio da traição de Judas (v.21-30);
2ª cena: Um ensinamento de Jesus sobre o sentido profundo de sua paixão (v.31-33) e como esta marcará a identidade dos discípulos (v.34-35; não lemos hoje);
3ª cena; O anúncio das negações de Pedro (v.36-38).
No centro de tudo está à pessoa de Jesus. Ele conduz os acontecimentos que vão se desenrolando e diz as palavras fundamentais. Por isso, é à luz das palavras centrais de Jesus (2ª cena) que se entende a contradição que aparece, tanto em Judas (1ª cena: traição) como em Pedro (3ª cena: negação).
- Judas se retira da comunidade (12,21-30)
A saída de Judas da sala está sublinhada por uma observação do evangelista: “Era de noite”(v.30). A indicação é negativa e alude ao ambiente espiritual negativo em que se move o discípulo dissidente: põe-se a serviço do poder das trevas. Desde o lava pés, Jesus já havia dito que nem todos estavam limpos (cf.vv.10-11), referindo-se a quem iria lhe entregar. Agora, enquanto continua a ceia, nem tudo é familiaridade na sala: ali está Judas, pronto para a traição. Jesus põe abertamente o delicado tema.
Jesus, que se sentiu profundamente comovido com a morte de Lázaro (v.33), também se sente comovido com a perspectiva quase imediata de sua própria morte: “perturbou-se em seu interior e declarou…” (v.21; ver também v.27). Jesus sabe tudo, tem controle sobre tudo o que ocorre e ainda assim não recua ante a situação dolorosa: o terror da morte que já se intui e o que Judas vai fazer.
Jesus não disse o nome do traidor, porém este vai se revelando pouco a pouco. Pedro toma a iniciativa: pede ao discípulo amado que pergunte a Jesus quem é o traidor (v.23-24). O discípulo amado faz a pergunta em privado (v.25), e Jesus lhe responde dando-lhe um sinal: “É aquele a quem der o bocado que vou molhar” (v.26b). E, efetivamente, assim o faz (v.26b), porém, curiosamente, o discípulo amado não conta a Pedro (é uma confidência que o evangelista conta ao leitor). O gesto feito por Jesus correspondia a uma cortesia habitual do anfitrião de um banquete festivo com as pessoas mais achegadas, sublinhando-se, assim, o vínculo que este tinha com seus comensais.
Mas Jesus oferece o bocado ao convidado indigno. Eis aqui um eco do Sl 41,10 (que havia sido citado um pouco antes: “Até meu amigo íntimo em quem eu confiava, o que meu pão comia, levanta contra mim seu calcanhar” (v.18)). Jesus está atualizando o Salmo. Então Satanás entra em ação (v.27ª). Sua derrota já fora anunciada (v.31: “agora o príncipe deste mundo será lançado fora”).
Sinal do começo da vitória sobre o mal, é Jesus, e não Satanás, quem determina o momento de sua entrada em ação. A Paixão de Jesus levará até suas últimas consequências esta confrontação. O resto da comunidade, exceto o discípulo amado, continua ignorando o que está acontecendo (vv.28-29), no momento em que Judas passa para o lado das forças de oposição, perdendo-se na noite (v.30).
- A Paixão de Jesus como revelação da Glória do Pai (12,31-33)
Jesus inicia um novo ensinamento ao sair Judas. Este já era estranho à comunidade, os ensinamentos já não tinham valor para ele. Jesus fala agora para quem está disposto a permanecer com Ele e com a comunidade. Jesus faz a revelação maior que pode dar sobre si mesmo e sobre a comunidade.
Notemos os contrastes:
- Judas saiu no meio da noite (símbolo do mal), agora Jesus fala de “Glória” (relacionada com luz);
- Judas sai como uma ameaça à vida de Jesus. Jesus, por sua parte, se refere, agora, à vitória da vida (“Agora foi glorificado o Filho do homem”, v.31);
- Judas rompe a comunhão com o Mestre, Jesus fala da comunhão que tratarão de manter com Ele os outros discípulos (“Vós me buscareis”, v.33) e mais, da relação profunda que mantém com seu Pai, a qual está a ponto de revelar-se completamente (“Deus foi glorificado n’Ele… glorificará em si mesmo e lhe glorificará prontamente”,v.31-32). E com que palavras cheias de ternura, agora, chama aos seus discípulos: “Filhos meus!” (v.33).
A Paixão de Jesus não é uma desgraça, por trás dos obscuros fatos há uma revelação da “Glória”, isto é, da profunda relação recíproca entre o Pai e o Filho na qual circula a plenitude da vida. “Glória” é manifestação, visão do luminoso esplendor desta relação que, por meio do Verbo que encarna a natureza humana até a morte, está destinada a impregnar, salvificamente, a humanidade inteira.
- A presunção de Pedro: querer salvar o Salvador (13,36-38)
Pedro de novo toma a iniciativa e, desta vez, interpela diretamente a Jesus sobre a frase: “Aonde eu vou vós não podeis ir” (v.33). A pergunta “Aonde vais?” (v.36ª) implica que, por trás da morte de Jesus há algo mais. Até aqui Pedro compreendeu corretamente.
É justamente o contrário do que pensam os adversários: vai ao estrangeiro a evangelizar gregos (7,35), vai se suicidar (8,22). Jesus não lhe responde a pergunta, mas insiste em seu ensinamento inicial agregando “me seguirás mais tarde” (v.36b). Jesus sublinha a impossibilidade de “segui-lo agora” (o termo “seguir” aqui é importante: indica a vivência da Paixão em condição de discípulo).
O evangelista João está sublinhando, assim, que, para que o discípulo esteja em condições de verdadeiramente “tomar a Cruz”, terá que ser salvo “primeiro” por ela. Em outras palavras, só pode amar a maneira de Jesus (v.34) quem se deixe amar completamente pelo Crucificado (v.8: “Se não te lavo, não tens parte comigo”).Então vem a presunção de Pedro: “Eu darei minha vida por ti”(v.37). Aqui o discípulo utiliza os mesmos termos do “Bom Pastor” (vem “dar a vida por”, em 10,11-18), porém, está confundindo os papéis.
Pedro não compreendeu o sentido da Paixão. Quer salvar o Salvador, esquece que o discípulo deve deixar Jesus ir primeiro, que tentar seguir a Jesus, por si mesmo, é, seguramente, expor-se ao fracasso em seu seguimento.
Ironicamente, e ao final das contas, Pedro terminará negando Jesus, para poder salvar sua vida (v.38). Sua presunção será derrotada quando, no limite de suas forças, reconheça que Ele necessita dessa Cruz. Então começará para ele um novo dia (canto do galo).
- Para cultivar a semente da Palavra na vida:
- Que me dizem as frases relacionadas com Judas: “um de vós”, “aquele a quem der o bocado”, “saiu… era de noite”?
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- Que me dizem as frases relacionadas com Pedro: “seguir-te-ei agora”, “darei minha vida por ti”, “me terás negado três vezes antes do cantar do galo”?
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- Onde está o sentido da Paixão segundo os termos de Jesus?
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Que me oferece e que me pede?
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QUARTA-FEIRA
Mateus 26,14-25
O preço de uma traição
“Acaso sou eu, Senhor?”
O evangelho de hoje enfatiza o tema da traição de Judas, segundo a versão do evangelista Mateus. Também aqui, em três cenas seguidas, aparece a progressiva entrada na Paixão:
1ª cena: O pacto de Judas com os sumos sacerdotes para entregar Jesus (v.14-16);
2ª cena: A preparação da ceia pascal (v.17-19);
3ª cena: O começo da ceia, em cujo contexto Jesus revela a identidade do traidor (v.20-25).
- A entrega de Jesus é contratada pelo preço de um escravo (26,14-16)
O pacto entre Judas e os sumos sacerdotes dá impulso ao macabro plano que levará Jesus a prisão e, finalmente, à sua morte.
Tudo começa com um forte contraste. Segundo Mateus, justo no momento em que a mulher unge, com amor, o corpo de Jesus para a sepultura (v.6-13), Judas Iscariotes parte para onde estão os sumos sacerdotes, com o fim de contratar a traição de Jesus.
Com a anotação “um dos doze”(v.14), se põe em evidência o escândalo. Mateus mostra o lado obscuro do seguimento de Jesus, o traidor potencial em que pode transformar-se todo crente que se encontre frente a um momento crítico.
No diálogo de Judas com os sumos sacerdotes, se denuncia que o dinheiro era uma das motivações da traição: “Que me dareis, se eu o entregar?” (v.15ª).
Mateus dá um exemplo concreto do poder corruptor da riqueza. Precisamente sobre este ponto, os discípulos haviam sido instruídos no Sermão da Montanha (6,19-21.24). Uma ilustração da importância do tema para o discipulado foi à cena do jovem rico e as palavras de Jesus que lhe seguiram (19,23). Portanto, os discípulos não devem andar preocupados com bens materiais, antes de tudo, devem buscar “primeiro seu Reino e sua justiça” (6,34).
A avidez de Judas pelo dinheiro o leva a abandonar o único tesouro pelo qual valia a pena dar a vida. Assim, guiado por suas próprias motivações, Judas toma uma decisão livre: rejeita o Evangelho e escolhe o dinheiro; isto o conduzirá a um destino terrível (v.24). Ele recebe, em contrapartida, “30 moedas de prata” (v.15b). Evoca-se, assim, Zc 11,12 que diz: “’Se vos parece bem, dai-me meu salário; se não, deixai-o’. Eles pesaram meu salário: trinta moedas de prata”. Segundo Êx 21,32, este é o preço de um escravo. No texto de Zacarias se indica que se trata de uma soma mesquinha, que se tornará a colocar no tesouro do Templo (ver Mt 27,9-10).
Por trás de tudo está a convicção fundamental de Mateus: a traição de Judas e sua morte parecem ser o triunfo do mal, enquanto que misteriosamente fazem parte do grande desígnio da salvação de Deus, já que a Palavra de Deus está se realizando.
Judas segue dando os passos necessários para consumar sua traição: “andava buscando uma oportunidade para entregar-lhe” (v.16b). A oportunidade que aqui se fala, tem relação com a frase que Jesus vai dizer mais adiante: “Meu tempo está próximo”. Quase ironicamente Jesus e Judas buscam o mesmo “tempo” (kairós): a entrega do Filho do homem nas mãos dos pecadores. Judas o faz para ganhar 30 moedas de prata, enquanto Jesus o faz para dar a vida pela salvação da humanidade.
- A preparação da ceia pascal (26,17-35)
Estamos já na vigília da Páscoa, “o primeiro dia dos Ázimos” (v.17ª). Na quinta-feira, durante o dia todas as famílias hebreias deixavam o pão com fermento, para celebrar como se devia a Páscoa, com pão sem fermento (como manda Êx 12,15). A verdadeira festa começava ao entardecer.
O evangelho centra-se nas palavras decididas de Jesus e na obediência imediata dos discípulos. Há um forte sentido de autoridade: “Em tua casa vou celebrar a Páscoa com meus discípulos”(v.18).
A ênfase recai em duas frases:
- “Meu tempo está próximo” (v.18). Na morte de Jesus irrompe o novo tempo da salvação (13,40). Por isso seu caráter determinante: antecipa o final da história, quando decidirá o destino humano;
- “Com meus discípulos”, já que em tudo o que está a ponto de acontecer estará comprometido o vínculo entre Jesus e seus discípulos.
A “páscoa”, a festa hebreia da libertação, dá o horizonte para interpretar o significado da morte e ressurreição de Jesus e também o novo horizonte de vida que dali se desprende para os discípulos.
- A revelação da identidade do traidor (26,20-25)
O sol acaba de se ocultar e começa o ritual da ceia pascal (v.20). Trata-se de uma festa de alegria, mas, para Jesus e os discípulos, a hora solene do banquete está inserido em um doloroso contexto de traição. O evangelista faz soar, a seguir, a nota aguda da Paixão: “Um de vós me entregará” (v.21).
No relato, a tensão vai aumentando, pouco a pouco, até que chega ao seu pico, a confrontação entre Jesus e Judas no versículo final (v.25): “Então Judas, seu traidor, perguntou: ‘Por ventura, sou eu, Rabi?’ Jesus respondeu: ‘Tu o dizes’”.
Quando os discípulos escutam a profecia de Jesus, se enchem de medo e começam a perguntar: “Acaso sou eu, Senhor?” (v.22). A indicação “um por um”,convida o leitor a fazer, a si mesmo, a mesma pergunta. Jesus lhes responde dando uma indicação precisa (v.23). Suas palavras põem em relevo a tragédia da traição: ele viola o vínculo de amizade e de confiança que Jesus celebra com seus discípulos. É o extremo pecado (“Ai daquele!”; v.24).
Quando Judas faz a pergunta, o evangelista Mateus muda a palavra “Senhor” (que haviam dito os anteriores) pela palavra “Rabi” (v.25a; termo que em seu Evangelho tem matiz negativo). Põe-se em evidência o contraste entre as palavras de Judas e a fé absoluta e confiada dos outros discípulos em Jesus. Chamando-o “Rabi”, Judas se dirige a Jesus como o faziam os inimigos, sem reconhecer a verdadeira identidade de seu Mestre.
Assim emerge o rosto do traidor. Em sua pergunta hipócrita Judas aparece definitivamente como um discípulo perdido. Suas palavras revelam sua vontade de fazer eliminar Jesus e destruir, assim, o sentido profundo de sua própria vida. A resposta final de Jesus (ver v.25b) não fará, senão, confirmar o que provém de sua livre decisão.
- Para cultivar a semente da Palavra na vida:
- Que motivou a traição de Judas
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Como segue repetindo hoje seu gesto infame?
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- Tenho feito os preparativos para começar amanhã a celebração da Páscoa?
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Que me falta fazer?
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- Como se relaciona Judas com Jesus?
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Que me convida a revisar em minha relação com Jesus?
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QUINTA-FEIRA SANTA
João 13,1-15
LAVA-PÉS: O CAMINHO DA COMUNHÃO COM JESUS
“Os amou até o extremo”
Entremos no Tríduo Pascal. Com a celebração vespertina chamada “Missa da Ceia do Senhor”, evocamos e fazemos presente à última ceia de Jesus com seus discípulos antes de sua Paixão. Assim entramos no coração do ano litúrgico, que é o grande Tríduo Pascual.
Precisamente o Tríduo Pascal se coloca no centro do ano litúrgico por sua função de “memorial” dos eventos que caracterizam a Páscoa “cristã”. Como a comunidade de Israel, também a Igreja mantém viva a memória da misericórdia de Deus que “passa”, continuamente, por sua história e refunda sua existência como “povo de Deus” com base nesta perene vontade de reconciliação.
O centro deste “memorial” é o Mistério Pascal, a morte e ressurreição de Jesus. Na morte de Jesus, Deus assumiu a natureza humana até a morte, “até a morte de Cruz” (Fl 2,8). Através dela, Jesus “se converteu em causa de salvação eterna para todos aqueles que lhe obedecem” (Hb 5,9; ideia importante da Sexta-feira Santa).
De fato, a cruz de Jesus não pode separar-se da ressurreição, fundamento de nossa esperança. E este é nosso futuro: “Sepultados… em sua morte, para que também nós vivamos uma vida nova”(Rm 6,4; ideia central da Vigília Pascal).
Tudo isto se recolhe na grande Eucaristia que se celebra entre hoje e o Domingo de Páscoa. Hoje fazemos “memória” daquela primeira Eucaristia que Jesus celebrou e ao mesmo tempo a atualizamos como recordação do passado, como presença no hoje de nossas comunidades, ao mesmo tempo de esperança e profecia para o futuro.
O corpo e o sangue eucarísticos de Jesus nos asseguram sua presença ao longo da história. É Jesus mesmo quem estabelece de maneira concreta, na Eucaristia, a permanência visível e misteriosa de sua morte na Cruz por nós, de seu supremo amor pela humanidade, de sua vinda contínua dentro de nós para salvar-nos e santificar-nos. É assim como em cada celebração seu coração, traspassado pela lança, se abre para derramar o Espírito Santo sobre a Igreja e o mundo.
Para aprofundar, nos é proposto ler hoje o relato do “lava-pés” (Jo 13,1-15). Notemos que na última ceia João não fala da instituição da Eucaristia (que se encontra amplamente tratada no discurso do “Pão da Vida”, Jo 6).
João prefere colocar aqui um gesto que indica o significado último da Eucaristia, como ato de amor extremo de Jesus pelos seus, manifestação de um serviço pleno para os discípulos.
- Introdução: a hora do amor supremo (13,1)
A última parte do evangelho de João (13-21) se abre com uma introdução solene: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que havia chegado sua hora de passar deste mundo ao Pai, havendo amado aos seus que estavam no mundo, os amou até o extremo”(v.1).
O evangelista João nos ajuda a percorrer atentamente o último dia de Jesus com seus discípulos. Assim nos faz compreender que efetivamente chegou a “hora” tão esperada por Jesus, a “hora” ardentemente desejada, cuidadosamente preparada, frequentemente anunciada (12,27-28). É a “hora” em que manifesta seu amor infinito entregando-se a quem o traía, no dom supremo de sua liberdade.
Dois aspectos se põem em relevo: (a) Esta é a hora em que Jesus regressa à casa do Pai: “havia chegado a hora de passar deste mundo ao Pai”. Ele conhece o caminho e a meta; e, (b) Esta é a hora na qual Jesus dá a máxima prova de seu amor: “os amou até o extremo”.
João assinala que o amor de Jesus vem de Deus e é, portanto, um amor gratuito e total. A cruz de Jesus será a manifestação deste amor divino, afeto supremo que ama até as últimas consequências, até o extremo de suas forças. O marco é o da Páscoa hebreia: “Antes da festa da Páscoa”. Nela o povo de Israel celebra com gratidão os benefícios de Deus, que o libertou da escravidão e o fez seu povo.
Jesus leva a seu cumprimento esta libertação, arrancando o homem da escravidão do pecado e da morte e dando-lhe a comunhão plena com Deus. O gesto simbólico do lava-pés mostra o significado da entrega de sua vida e o valor exemplar que esta tem para todo discípulo.
- O lava-pés (13,2-5)
O episódio do lava-pés é um “sinal” que revela um mistério muito maior que uma primeira leitura imediata pode sugerir. O gesto contém uma catequese batismal e ao mesmo tempo um ensinamento sobre a humildade, uma ilustração eficaz do mandamento do amor fraterno à maneira de Jesus: o amor que aceita morrer para ser fecundo.
- “Durante a ceia” (13,2ª).
Na ceia, onde o viver em comunhão encontra sua melhor expressão, pesa a sombra da traição que rompe a amizade. Porém, enquanto o traidor se move orientado pelo diabo (v.2b), Jesus o faz deixando-se determinar por Deus (v.3). O que Jesus fez e vai fazer vem de sua comunhão com Deus. Radicaliza a liberdade que fará que, a morte que lhe aguarda seja realmente um dom de amor pelos seus e pelos filhos de Deus dispersos.
- “O Pai havia posto tudo em suas mãos” (13,3ª)
O amor do pastor (10,28-29) protegerá os discípulos de um mundo que quisera poder arrancá-los da comunhão de vida com seu Mestre. E ainda que eles o traiam, Jesus reforçará os vínculos com eles e lhes oferecerá um perdão pleno. Portanto, lavar os pés constitui uma promessa daquele perdão que o Crucificado oferecerá aos discípulos na tarde do dia da ressurreição (Jo 20,19ss).
- “E se pôs a lavar os pés dos discípulos” (13,5)
Veja no v.4 os movimentos de Jesus. Para provar seu amor: se levanta da mesa, tira as vestes (o manto), amarra uma toalha à cintura, põe água num recipiente, lava os pés dos discípulos e seca com a toalha que leva na cintura. O lava-pés está marcado pelo “tirar” (v.4) e “voltar a pôr” as vestes (v.12). Este movimento nos reenvia ao gesto do Bom Pastor, que se despoja de sua própria vida para dá-la a suas ovelhas. De fato, nota-se que os verbos que se usam no texto são os mesmos do capítulo do Bom Pastor, quando se disse que “oferece sua própria vida” e “a retoma”(Jo 10,18).
O tirar do manto e o amarrar a toalha são, pois, uma evocação do mistério da Paixão e Ressurreição, que o lava-pés faz presente de maneira simbólica. Jesus se comporta como um servidor (à maneira de um escravo) da mesa, já que sua morte é, precisamente, isso: um ato de serviço pela humanidade.
Assim entende-se que o relato do lava-pés substitui o da instituição da Eucaristia exatamente porque explica o que acontece no Calvário. No lava-pés contemplamos a manifestação do Amor Trinitário, em Jesus que se humilha que se põe ao alcance e a disposição de todo homem, revelando-nos, assim, que Deus é humilde e manifesta sua onipotência e sua suprema liberdade na aparente debilidade.
- O diálogo com Pedro (13,6-11)
A reação de Pedro não tarda. No evangelho de João, Pedro representa o discípulo que tem dificuldade para entender a lógica de amor de seu Mestre e para deixar-se conduzir com docilidade pela vontade de seu Senhor. Pedro não pode aceitar a humildade de seu Mestre: trata-se de um ato de serviço que, segundo ele, não está à altura da dignidade de seu Mestre (v.6).
Na cultura antiga os pés representam o extremo da impureza, por isso lavar os pés era uma ação que só podiam realizar os escravos. Pedro se escandaliza com o que Jesus está fazendo, e tal escândalo põe em evidência a distância entre seu modo de ver as coisas e o modo como Jesus vê.
Jesus, então, explica, a Pedro, que ele, agora, não pode compreender o que está fazendo por ele, mas, faz-lhe uma promessa: “O compreenderás mais tarde!” (v.7). À luz da Páscoa não se escandalizará mais do que o Senhor fez por ele e pelos outros discípulos. Mas, aquele gesto constituirá um comentário brilhante ao mistério de amor “purificador” da Paixão: amor que os fazem capazes de amar na perfeita união com Deus (v.8-11). Desta forma se poderá tomar parte em seu próprio destino.
- O valor exemplar do gesto de Jesus (13,12-15)
Os vv.12 a 15 fazem a aplicação do lava-pés à vida dos discípulos, para sugerir o estilo da comunidade dos verdadeiros discípulos: como devemos comportar-nos uns com os outros (v.12). Precisamente aquele que é o “Senhor e o Mestre” (v.13) se fez servo por nós e, portanto, a comunidade dos discípulos está chamada a continuar esta práxis de humilhação nos serviços – as vezes depreciáveis aos olhos do mundo – para dar vida em abundância aos humilhados da terra.
Este estilo de vida estará marcado pela reciprocidade, irá sempre em dupla direção, já que se trata de estar disponíveis para fazer-se servos dos irmãos por amor, porém, também para saber acolher com simplicidade, gratidão e alegria os serviços que outros fazem por nós.
João sublinha que tal serviço será um “lavar os pés uns dos outros” (13,14); em outras palavras, consistirá em aceitar os limites, os defeitos, as ofensas do irmão e, ao mesmo tempo, que se reconhecem os próprios limites e as ofensas aos irmãos. Enfim, retenhamos a dupla lição: Só do reconhecimento do grande amor com o qual temos sido amados poderemos amadurecer novas atitudes de perdão e de serviço com todos os que nos rodeiam. Portanto, deixemo-nos marcar pelo amor de Cristo para que nasça de nosso coração uma caridade e um louvor sincero.
Jesus pede que o imitemos para que, através dos serviços humildes de amor aos irmãos, possamos transformar o mundo e oferecê-lo ao Pai em união com sua oferenda na Cruz. Essa é a raiz do ser sacerdotal de Jesus.
- Para cultivar a semente da Palavra no coração:
- Que relação há entre o gesto do lava-pés, a Eucaristia e a morte de Jesus na Cruz?
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- Por que Pedro não queria deixar lavar os pés?
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Que ensina Jesus?
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Que relação tem com o batismo?
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- Nesta etapa de minha vida, Jesus está pedindo-me serviços concretos?
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Estou disponível com liberdade de coração ou estou resistindo?
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- Que gestos concretos de amor humilde e serviçal poderia fazer hoje ou nestes dias para aliviar a dor de meus irmãos que sofrem e para dar reposta a suas necessidades?
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SEXTA-FEIRA SANTA
João 18,1 – 19,42
A VITÓRIA DA CRUZ:
INSONDÁVEL MISTÉRIO DE AMOR E DE DOR
“Tudo está cumprido”
Contemplamos hoje a Cruz de Jesus com silêncio emocionado e reverente, tratando de captar o insondável mistério de amor e de dor que se manifesta nela. Através do terrível sofrimento e a morte do inocente Jesus, nós vislumbramos e acolhemos, agradecidos, um dom imerecido: a libertação do mal, o perdão de nossos pecados.
Hoje, tomamos consciência: se sobre a Cruz permanecem os sinais da maldade humana – uma maldade que segue se desencadeando em um mundo, onde segue tendo novos crucificados, vítimas do egoísmo, da miséria, do terrorismo – o que brilha com maior esplendor nela, não é o pecado do homem, nem a cólera de Deus, mas o amor de Deus que não conhece medida.
Para ajudar-nos a compreender isto, o evangelista João nos acompanha nesta Grande sexta-feira Santa com o imenso relato da Paixão que lemos nos capítulos 18-19. Vejamos como o relato da Paixão segundo são João nos oferece alguns pontos de vista particulares do mistério:
- A Paixão e morte de Jesus é um dom de amor que salva
Segundo São João, a Cruz é a revelação do amor de Deus no mundo: “Tanto amou Deus o mundo que deu seu Filho único, para que todo o que crer n’Ele não pereça, mas que tenha vida eterna” (v.16). Só Jesus pode levar esta Cruz (ver o evangelho da terça-feira passada). Porém, a sua vitória que salva o mundo (ver 3,17) se manifestará em incríveis expressões de amor que iluminam a escuridão dos corações, resgatam das escravidões internas e levam a agir segundo a força deste mesmo amor (ver 3,19-21).
A dinâmica do relato mostra em todos seus detalhes como a Paixão de Jesus é um dom de amor e não a consequência de sua debilidade. É a morte do Bom Pastor que “dá sua vida pelas ovelhas… para que tenham vida e a tenham em abundância”(10,11.10).
- A Paixão e morte de Jesus é entrega voluntária da vida e não simples debilidade
Sem esconder o aspecto doloroso, para João, o grande valor da Paixão de Jesus reside no fato de que é fruto de um dom, de uma liberdade total, de tê-lo vivido com plena consciência e conhecimento: “Dou minha vida para recobrá-la de novo… eu a dou voluntariamente”(10,17-10). Assim o Jesus que vai a caminho da morte dá, a esta morte, uma dignidade sem igual.
Notemos particularmente o relato da prisão de Jesus. Ante a majestade de Jesus, que Ele manifesta em seus gestos e naquele soberano “EU SOU”, os que vêm capturá-lo caem por terra (18,4-6). Eles não poderiam prender Jesus se Ele mesmo não se entregasse livremente. Esta liberdade aparece na ordem que Jesus dá aos que vêm capturá-lo, para que não façam dano a seus discípulos (18,8-9).
Uma vez mais Jesus aparece como o pastor das ovelhas que dá a vida pelas ovelhas. Vemos a mesma liberdade de Jesus frente ao Sinédrio reunido na casa de Anás (18,19-23) e diante do representante do mais formidável poder humano da época, o império de Roma (19,1-11).
- A Paixão e morte de Jesus é a proclamação de sua realeza
O relato da Paixão está estruturado de tal maneira, que percebemos as etapas de uma progressiva entronização no trono: Começa com o reconhecimento do título a propósito da pergunta de Pilatos: “Sim como dizes sou Rei” (19,38). Logo Jesus é ironicamente coroado com espinhos (19,2). Em seguida, Pilatos o apresenta ao povo revestido com os enfeites reais: “Aqui tens o homem” (19,5).
Também, de modo irônico, João narra como Pilatos lhe cede o trono: “Mandou que trouxessem Jesus para fora e o sentou no tribunal”(19,13; tradução Bíblia da América). Então se anuncia sua constituição como Rei de todas as nações (19,19). A inscrição colocada sobre a Cruz aparece nas três línguas mais importantes do momento: latim (língua da política), o grego (língua da cultura) e o hebraico (língua da religião judia). Ante os protestos dos adversários, Pilatos declara: “o que foi escrito, escrito está”(19,22).
Enfim Jesus é entronizado na Cruz e admirado em sua realeza: a contemplação de seu lado atravessado pela lança (19,31-37). Como epílogo, o Rei é colocado em seu tálamo real com uma unção que está à par de sua imensa dignidade (19,39-42). A categoria da realeza expressa sempre bem à ideia de uma mediação universal. Assumindo o humano até suas extremas consequências, na morte e na sepultura, Jesus pode ser o mediador de todos os homens e exercer o Senhorio de Deus sobre mundo.
- A Paixão e morte de Jesus é uma “revelação”
A morte de Jesus é a “hora da Glória” na qual Deus se manifesta totalmente ao mundo. Todo o caminho histórico da revelação chega a seu pleno cumprimento: “Tudo está cumprido”(19,30; ver 19,24.28).
O caminho iniciado na encarnação, “E a Palavra se fez carne e, pôs sua Morada (fixou sua tenda) entre nós” (1,14), alcança sua plenitude quando na Cruz se manifesta que Deus não só está entre nós, mas também em função de nós. Então é a realização da razão de ser da Encarnação. Entre outras coisas, o “armar a tenda” refere-se a uma condição passageira, de peregrinação, a ter que partir de novo.
Deste modo, em Jesus crucificado, se revela o rosto de Deus e o rosto do homem, ao mesmo tempo em que recebemos tudo que necessitamos para viver em plenitude, ascendendo à vida eterna que é própria de Deus. Para melhor compreensão aparecem alguns detalhes próprios deste evangelho. Vale observar:
- Não aparecem as trevas que tão dramaticamente descrevem os outros evangelistas. Mas acontece o contrário: a última hora mencionada no relato é precisamente a de maior irradiação de luz ao meio dia (ver 19,14);
- O relato começa no horto, lugar onde Jesus formava seus discípulos quando estava em Jerusalém (19,1-2), e termina no jardim, onde saem à luz os discípulos ocultos (19,38-39). O tema da “vida”, com conexão com o “amor”, está acentuado;
- Entre a morte e a sepultura de Jesus, se abre uma nova cena que dá espaço à contemplação, por parte do discípulo amado, dos três sinais reveladores do sentido da morte de Jesus (19,31-37).
Ademais, a corrente de citações bíblicas finais nos envia nesta direção. A última, a misteriosa passagem de Zacarias 12,10 (“Olharão ao que traspassaram”), citada em João 19,37, é chave para compreender o significado último da Paixão. Zacarias falava profeticamente de uma misteriosa dor de Deus, que se sentia ferido pela morte de um Rei-Pastor.
Esta morte é como um desligamento no coração de Deus, e deste desligar brota a possibilidade de uma reconciliação entre Deus e seu povo. Concretamente João quer dizer que a morte de Jesus é revelação do amor de Deus no mundo. E esta morte-amor fundamenta a possibilidade de uma vida nova.
- A Paixão e morte de Jesus é exaltação: a Cruz se converte em Glória
Com sua habitual compenetração de planos, são João sabe ver contemplativamente a unidade do mistério: o Jesus terreno é ao mesmo tempo o Cristo glorioso. O crucificado traspassado pela lança é ao mesmo tempo o Cristo Exaltado e Glorioso. Jesus não morre entre lamentos, mas com um grito triunfal (“Tudo está cumprido!”, 19,30).
João apresenta a morte à luz da ressurreição e assim o dia da morte, que não perde o rigor de seu luto, se torna luminoso, pois sobre a divina Cruz se projeta a glória da Páscoa. Isto devemos observar de maneira particular no último instante da Paixão. O evangelista apresenta o último suspiro de Jesus como uma doação do Espírito que invade o mundo (19,30; de fato, segundo o texto grego, mais que um “expirar” de Jesus, se fala de uma “entrega do Espírito”).
Em seguida, o corpo ferido de Jesus morto e ressuscitado se torna Templo da Nova Aliança, d’Ele brota o rio da vida que é o Espírito. Assim anunciou o próprio Jesus em 7,37-39:“De seu seio correrão rios de água viva”. Jesus dá sua própria vida para que vivamos dela (ver todas as passagens de “água” neste evangelho: a água é o Espírito, a mesma força vital de Jesus oferecida como dom messiânico).
A Paixão, segundo São João, nos ensina, então, que, se a morte de Jesus não é só o morrer de um homem, mas a revelação do amor de Deus no mundo, esta é oferenda de vida para o homem, é um sopro do Espírito.
O que Jesus fará na noite do Domingo de Páscoa, no encontro com os discípulos, quando reacende neles a alegria, comunicando-lhes o Espírito, não será outra coisa que o fruto desta morte. Sob o sopro deste Espírito a Vitória da Paixão se insere em nós. Bem dizia H. Newman: “Velar com o Crucificado é fazer memória com ternura e lágrimas de seu sofrimento por nós, é perder-se em contemplação, atraídos pela grandeza do acontecimento, é renovar em nosso ser a paixão e a agonia de Jesus”. Comecemos agora nossa própria leitura orante deste grandioso relato!
- Para cultivar a semente da Palavra no coração:
Ante o Crucificado emergem a consciência da gravidade de nossos pecados e a grandeza do amor de Deus. A escuta da Palavra nos permite entrar de maneira mais profunda neste mistério. Que o Espírito de Deus ilumine nossa mente e abra nosso coração, de modo que brote forte a voz de nossa gratidão com Deus, unida ao desejo de uma profunda conversão.
- Hoje nossa oração se faz universal para confirmar nossa confiança no Reino que vem e para participar nos sofrimentos de todos os que hoje, no mundo continuam em si mesmos, a Paixão de Cristo. Que pessoas e realidades concretas vou colocar hoje aos pés da Cruz?
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- A adoração da santa Cruz é uma declaração da aceitação do Senhorio de Deus sobre minha vida, Senhorio que submete o pecado e todo mal. Que pecados meus ficam crucificados na Cruz de Cristo?
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- A comunhão Eucarística é comunhão com a Cruz, para que – identificado com o amor do Crucificado – brote de mim o amor, o perdão e o serviço que impregna de uma imensa qualidade todas minhas relações e dá sentido a meu viver. Que impulsos de amor, de perdão e serviços para pessoas concretas que, em minha opinião não o merecem, sinto hoje em comunhão com o Crucificado?
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