Existimos para servir (EFC)

Marcos 10,32-45

A VERDADEIRA GRANDEZA ESTÁ NO SERVIÇO:

“O Filho do homem não veio para ser servido”

Seguimos, passo a passo, o caminho de formação de Jesus com seus discípulos, o qual coincide com a subida a Jerusalém. Chegamos à lição central que se desprende do discipulado da Cruz: o serviço aos demais, ainda que com sacrifício.

Jesus propõe àqueles que querem ser grandes, que assumam a função de servidores daqueles que querem superar e que desçam até o mais baixo grau na escala social, até se fazerem escravos. O Mestre é o modelo deste ensinamento: Ele dá sua vida para redimir a humanidade.

Aqui nos é proposto uma passagem muito válida para estes tempos em que, para algumas pessoas, o que conta é o êxito a todo custo, o sobressair-se acima dos demais e o afã na busca de postos.

O evangelista Marcos, extraordinário pedagogo da fé, continua mostrando-nos as implicações da vida nova no seguimento de Jesus, ou seja, de estar entrando no Reino de Deus. Hoje o faz colocando sobre a mesa o tema humano, humano até demais: o “poder”. Quais os critérios de ação de um discípulo a respeito?

Não percamos de vista que Jesus já indicou a direção do seguimento ao dizer: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34), e que implica um discernimento de espíritos para escolher, dentre as múltiplas atrações que a vida exerce sobre nós, o que está em sintonia com a opção da Cruz (8,35-38).

Depois de Pedro (ver o evangelho do domingo passado), tomam a palavra os dois irmãos, filhos de Zebedeu, Tiago e João, também chamados “filhos do trovão” (talvez pelo temperamento forte; 3,17) pertencentes ao grupo chamado no primeiro dia do evangelho (1,16-20). É de se esperar que estes discípulos, que “deixaram tudo e seguiram” a Jesus, estejam já em um alto nível de discipulado e, portanto, capazes de diferenciar-se dos demais no âmbito da liderança e do exercício da autoridade na comunidade. Mas parece que não.

Como se estivessem tratando de algo profissional, de uma carreira administrativa, os dois discípulos temperamentais pedem a Jesus os postos mais altos no Reino de Deus: Concede-nos, na tua glória, sentarmo-nos, um a tua direita e outro a tua esquerda” (v.37). O pedido suscita uma reação forte, tanto da parte de Jesus (v.38) como do resto da comunidade (v.41). Também, aqui, notamos, dentro do texto, um laço que une a petição inicial com a resposta final, enquanto que, no desenvolvimento do texto, vão se desmontando os velhos hábitos, ao mesmo tempo, que se formam as atitudes que caracterizam aqueles que estão “entrando no Reino” pela via do seguimento “tomando a Cruz”.

O núcleo do texto está relacionado com o domingo passado: a conversão pascal. Por isso a esta passagem precede o 3º anúncio da Paixão e Ressurreição (v.31-34) e tem sua expressão culminante na última frase de Jesus: O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (v.45). Para um discípulo, o único caminho possível para exercer a autoridade é esvaziando-se a si mesmo no caminho da Cruz, dando vida com sua própria vida.

Então, à sombra da cruz, as relações de influência sobre os outros são vistas com outra lente: primeiro, a cruz põe em severa crise os interesses de fundo de cada um e, segundo, por ser um dar-se, orienta todos os melhores esforços humanos em função de um único objetivo, que é a vida que cresce e realiza seu projeto como Deus quer e num âmbito de liberdade (=o “resgate”, v.45). É confrontando-nos com o crucificado que podemos discernir se a influência que exercemos sobre os demais é subserviência que “mata” ou entrega amorosa que “vivifica”.

Relendo atento e devagar o texto, vejamos os pontos relevantes da Boa Nova de Jesus sobre o poder-serviço:

  • Jesus não rejeita, de início, as aspirações dos dois discípulos. Ele não deseja discípulos covardes, sem iniciativa e sem projeção, por isso admite que se chegue a ser “grande” e “o primeiro” (vv.40.43-44;). O problema não está no “que”, mas no “como” e “para que” (em função de que);
  • Jesus questiona a atitude egocêntrica: quando o interesse pelo êxito terreno, o prestígio e a honra pessoal é a aspiração fundamental. O individualismo vaidoso e egocêntrico, que leva uma pessoa a querer sobrepor-se aos demais, é a fonte da maior parte dos conflitos da convivência, como bem o ilustra a indignação de uns contra outros, que brota imediatamente entre os doze (v.41);
  • Jesus responde, não com uma teoria, mas sobre o fundamento de sua própria vida: Ele é o critério último do agir do discípulo. As aspirações espontâneas (ou naturais) dos discípulos (v.35-37) e os modelos de comportamento da sociedade (v.42) se confrontam com a instrução de Jesus que indica como é que devemos segui-lo (vv.38-40 e 43-45);
  • Jesus ensina, não pela coação de uma lei, mas pelo exemplo de sua própria vida. Sua autoridade não é exercida por imposição, mas pela atração do exemplo (ver “assim como” que introduz v.45);
  • Jesus reorienta o olhar dos discípulos para a radicalidade da paixão, momento cume de seu ministério e de sua revelação. Desta forma eles aprendem que a comunhão com Jesus, ou é total ou simplesmente não existe. Se ela é total, então inclui o caminho da cruz, da qual se derivam os princípios que determinam seu comportamento. Veja os vv.38.39 sobre o “cálice” e o “Batismo”;
  • Jesus revela que se, do ponto de vista externo, experimentou a cruz, como agressão do poder religioso e político que tentaram anulá-lo, do ponto de vista interno, a viveu ativamente como um serviço à vida (v.45 em relação com os vv.33-34);
  • Jesus indica a partir da palavra-chave “servir” (v.45), que o caminho do prestígio e da grandeza está no constituir-se “servidor” e “escravo” (vv.43-44). O posto mais alto é o mais baixo, só se é primeiro se, se ocupa o posto dos últimos. O discípulo é o que faz das necessidades dos demais o centro de suas preocupações. O centro não é ele mesmo, mas os outros;
  • Jesus revela o perfil do discípulo com tons que tem os termos. O “serviço” é o da mesa, que indica tudo que contribui a formação da comunidade (v.43). O “ser escravo” é um modo de enfatizar que o serviço é gratuito, não espera salário, se faz por ter um sentido profundo de pertença (v.44);
  • Jesus visualiza ainda a comunidade e assinala os destinatários do serviço. Não só os de dentro (o “vós” e o “vosso”, v.43), mas também os de fora. No serviço cristão não há fronteiras (o “de todos” do v.44, que faz eco ao “muitos” do v.45). Mas é verdade ainda que o amor ao próximo não pode ser substituído pelo serviço aos que estão longe (tentação do ser “luz na rua” e “treva em casa”);
  • Enfim, Jesus e os que lhe seguem estreitamente, vão, profeticamente, na contramão dos interesses econômicos e políticos de toda sociedade, cuja ética do poder exclui, marginaliza, mata ou nega a pessoa. No ouvido fica ressoando a frase: Entre vocês não deve ser assim (v.43).

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