Assunção de Nossa Senhora (Lectio Divina)
ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA – Não se encontra na Sagrada Escritura, mas foi transmitida pelos cristãos, via oral e escrita, por séculos. Vários Santos Papas da Igreja e São João Damasceno referem que a “dormição” de Nossa Senhora (como foi chamada sua morte) foi suave e foi assistida por vários discípulos e, entre eles, estava São Dionísio, que narrou os fatos. Contam que os Apóstolos foram a Jerusalém na noite anterior à morte de Nossa Senhora. São Tomé chegou três dias depois e pediu para ver seu corpo. Retiraram a pedra do túmulo, mas este já não se encontrava. Os Anjos o retiraram e o transportaram ao céu. E esses relatos foram encontrados nos escritos dos Santos Padres e dosDoutores da Igreja dos primeiros séculos e narrados no Concílio de Calcedônia em 451. Em 1950, na Constituição Apostólica Munificientissimum Deus, o Papa Pio XII definiu o Dogma da Assunção de Nossa Senhora em corpo e alma ao céu.
Lucas 1,39-56
(A visitação; Cântico de Maria) – O encontro de duas mães é sinal claro de ligação e continuidade da história da salvação contida no Antigo Testamento com a nova que inicia. Por isso, Isabel vê em Maria à mãe «de seu Senhor» (cf.v.43); proclama-a “bem-aventurada” por sua fé, exultando, junto com seu filho, no Espírito Santo (vv.41-45). A presença misteriosa do Espírito nos mostra, que as duas mães são parte de um mesmo plano de salvação. No fundo, é a humildade de quem acolhe, em si, a verdade da história. Exatamente por isso, a humildade de Maria não a impede reconhecer-se, inclusive, como destinatária privilegiada do amor de Deus e profetizar que a história a recordará (e com isso se insere, uma vez mais, no exército de todos os orantes do Antigo Testamento). Desta perspectiva parte a recordação das obras realizadas pelo verdadeiro Senhor da história (vv.51-53). E esta se cumpre: na salvação levada a quem parece não ter salvação: os humildes, os famintos; e na dispersão daqueles que têm uma salvação fabricada à sua medida (os soberbos, os poderosos, os ricos). Estes dois aspectos da história parecem combater-se reciprocamente: «Demonstrou a força de seu braço” (v.51) é uma frase de conotação militar (cf. Sl 118,16). Sem dúvida, a profecia de Maria revela um único aspecto de salvação: a proximidade do Senhor. Tanto quanto demonstra ser fiel à suas próprias promessas (vv.54ss) e, assim, digno de confiança. A quem tem olhos humildes, capazes de ver a humildade da história da salvação, o Deus em quem se pode confiar permanece como confirmação da bênção que Ele mesmo dirigiu a Israel e a seu povo, a promessa que levam com eles, o menino que dá saltos no seio de Isabel e o que está crescendo no seio de Maria.
Ap 11,19a;12,1-6a.10ab (Visão da mulher e o dragão) – O texto apresenta uma visão. Nela se mesclam figuras e realidades, de modo que nem sempre é fácil interpretar com exatidão o significado. De outro lado, na linguagem profética e apocalíptica convém, com frequência, deter-se no nível da sugestão, a fim de entender melhor o texto. Este pode ser apresentado assim como um de nossos sonhos reveladores, um sonho no qual vêm à tona nossos medos e nossas certezas, nossas necessidades e nossos desejos… Este sonho nos fala de zelo, antes de tudo. Está se levando a cabo algo que está acima de nós, algo que nos inclui. A luta entre a mulher, o menino, o dragão e os exércitos angélicos não é algo fora de nós, mas se cumprem em nosso próprio zelo. Mas, trata-se de uma luta final, pois nela está em jogo nossa vida ou morte. Mostra-nos muito bem o sinal da mulher (12,1ss). Esta é quase uma rainha, soberana sobre a lua (quer dizer, sobre o «outro» lado de nossa consciência, a nossa natureza mais inconsciente) e sobre as estrelas (as doze estrelas se referem às doze tribos de Israel, ou seja, que esta figura também é soberana da história, que, mesmo sem sabermos, está por trás de nós). Este sinal constitui o lado vivo de nossa realidade; mais ainda, o lado mais fecundo, o lado que nos impulsiona a continuar a vida, o sinal que nos permite alimentar a esperança de um dia novo. Sem dúvida, este sinal não está isento de dor e de perigo (12,3ss). A mulher grita em dores do parto e, ao mesmo tempo, teme o dragão que quer devorar o menino. Se nos deixamos cativar por este sonho, sentiremos que significa que nosso sonho de uma vida nova esteja em perigo, daremos conta até que ponto, está tremendo por dentro nossos desejos, perguntaremos se conseguiremos ver de verdade a luz.
1 Cor 15, 20-27a (O fato da ressurreição) – Paulo aponta, também, em outras ocasiões, que o anúncio da Ressurreição está no centro da mensagem cristã (cf.Rm 1,4;Gl 1,2-4;etc.): «Se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé» (1Cor 15,17). Também neste caso, após voltar a chamar os fieis a compartilhar um mesmo caminho de fé, torna a apresentar-lhes o Evangelho inicial: «Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras» (1Cor 15,3ss). Em consequência, tenta dar possíveis explicações da Ressurreição, ante possíveis objeções. No texto, a Ressurreição está unida a seu acontecimento primeiro: Jesus Cristo. De fato, o «primeiro homem, Adão, é figura de um ser para a morte, que introduz a morte-pecado na natureza humana; o homem «novo» Jesus, ao contrário, traz a vida e, através dele, tem lugar à Ressurreição.” A leitura cristológica da Ressurreição é óbvia; mais ainda, serve para valorizá-la como um acontecimento de graça e evitar leituras simplesmente naturalistas ou moralistas. A Ressurreição é o dom da vida de Deus em Cristo: não se trata de um prêmio para quem tem se comportado bem ou da evolução natural das coisas… A Ressurreição é a Vida nova que irrompe em nossa vida, é a Vida da graça, que transforma todo nosso ser e faz que nosso espírito e nosso corpo possam ver o rosto de Deus e sejamos elevados ao céu. Este é o real anúncio da derrota definitiva da morte, que já não é considerada como pecado e dor, mas se converte na porta santa, no último passo para o encontro com o Senhor de nossa vida.
Sl 44/45 (Epitalâmio real) – A Igreja aplica este Salmo à Virgem Maria. Quem ama sente a necessidade de louvar e cantar as maravilhas do mundo. Quem mais do que Maria pode cantar a beleza do Verbo feito carne? Quem mais do que ela pode sentir a alegria de contemplar o seu Filho? E quem mais do que Jesus pode cantar as belezas de sua Mãe Maria? Este hino de amor nos faz perceber como a vida é bonita quando nos doamos no amor, quando Deus se coloca na nossa frente com toda sua beleza e poder.
Senhor, que eu possa em cada momento sentir-me atraído por ti, por um amor infinito. Que este amor nunca venha a menos e que tudo o que faço seja só feito por amor e no amor. Que nada me afaste da tua beleza. Seduz-me, Senhor, e que me deixe seduzir. Que estejamos unidos por laços de amor eterno. Amém.
MEDITATIO: À medida que o senhorio de Deus entra em nossa história conseguimos ver com olhos novos a realidade que nos rodeia. Já não vêem só os abusos, as injustiças, as mentiras… Aos poucos se tornam semelhantes aos de Maria, que é capaz de reconhecer o poder de Deus que atua na história em favor da justiça e da paz, e que nós mesmos podemos fazer parte dessa história, exatamente como Maria, se nos confiamos a este anúncio. O senhorio de Deus encontra também sua realização em nosso caminho de fé. Com Maria nos damos conta que somos «servos» chamados a proclamar a obra e as maravilhas do Senhor, a engrandecer sua presença em nossa vida. Com Maria: não temos medo de reconhecer, ante o mundo, nossa eleição e de chamar-nos servos e filhos de Deus; não temos medo da obra que o Espírito Santo está realizando em nós. Este caminho se realiza através da oração, do serviço e do testemunho, junto com Maria, que foi capaz de realizar, em sua própria carne, sua oração do Magníficat e seu anúncio de libertação. O último anúncio deste senhorio de Deus sobre nossa vida tem lugar quando conseguimos compreender que este não permanece estranho a nossa corporeidade. E podemos intuir já no anúncio da encarnação ou tê-lo em nossa vida, através da corporeidade dos distintos sacramentos. A realidade da ressurreição, que para nossa natureza humana se torna eficaz já na assunção de Maria ao céu, é o último chamado a entregar nosso corpo, do mesmo modo, ao poder do Reino de Deus. Até nosso corpo, com suas necessidades mais insignificantes e seus desejos mais elevados, está incluído no Reino de Deus. Ocorpo de Maria, que levou nele o corpo do Verbo encarnado e fez frente, também, à dor da história, torna-se, em sua Assunção, a promessa e a realização disto: nossos desejos, nossas necessidades, não podem apartar-se da presencia divina que tocou nossa vida.
ORATIO: Dou-te graças, ó Pai, porque elegeste Maria, mulher humilde e pobre, para dar cumprimento às promessas que fizeste a Abraão, que «teve fé e esperou contra toda esperança»(Rm 4,18). Nela nos mostraste que operas simplesmente por amor. Ajuda-me a ver que, também, estou chamado a este amor, sem medos. Dou-te graças, Verbo eterno, porque em Maria, com tua encarnação, tocaste nosso corpo mortal e, em Ti, o fizeste capaz de acolher a santidade de Deus. Tudo o que tens feito na história, com tuas palavras e ações, se converte, para nós, em chamado e promessa de um mundo novo. Ajuda-nos a crer em Ti e que Tua história é a verdadeira história do mundo. Dou-te graças, Espírito do Pai e do Filho, porque Tua ação misteriosa mudou o sentido da história. Teu poder tocou o seio de Maria e a preparou para a vinda do Verbo de Deus. Teu poder transformou as palavras de uma pobre mulher em um anúncio capaz de revolucionar a história, em profecia de verdadeira libertação. Teu poder santificou um corpo destinado ao pó, tornando-o glorioso e capaz do infinito. Que teu poder nos ajude, também, a confiar nossos sonhos e nossos desejos a este anúncio de Ressurreição, para que consigamos realizar, também, em nossa vida, o ato de fé total como foi o de Maria.
CONTEMPLATIO: Nossa celebração consiste mais na contemplação do mistério que em sua explicação. E ainda que eu quisesse antepor ao silêncio, à fala, esta última se vê forçada pelo afeto, dando lugar às palavras, e cede a estas, ainda que não tenham coragem e não ignorem sua debilidade, que é grande demais com respeito à possibilidade de satisfazer, de um modo adequado, o arcano do prolongado silêncio […]. Por isso, ânimo! Obedecei a mim, que sou bom conselheiro, e correi ao encontro da Mãe de Deus. E, enquanto estais reluzentes pela ação e pela palavra, e resplandeceis por todos os lados, graças à beleza da virtude, queira o próprio Cristo recolhê-los e recebê-los, ao mesmo tempo, no místico banquete. E os mostra, claramente com o fato de que hoje traslada a sua Mãe sempre virgem, de cujo seio, e ainda sendo Deus, tomou arcanamente nossa forma, dos lugares terrenos como rainha de nossa natureza, deixando o poder do mistério sem anúncio, ainda que não de todo incomunicável. De fato, ela veio no nascimento e, sem dúvida, teve uma condição extraordinária. Aquela que procurou a vida sobe para uma viagem de nova vida e traslada-se ao lugar incorruptível, princípio de vida (Andrés de Creta, Omelie mariane, Roma 1987).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«O Senhor olhou a humildade de sua serva» (Lc 1,48)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Só acrescentarei que, assim como a cada ano, honramos um mistério de Jesus de modo especial, convém também escolher, no dia da Assunção da Santíssima Virgem, um mistério de sua vida para dar-lhe honra particular durante o ano. Os principais estados e mistérios da vida da santa Virgem Maria são: sua Concepção; sua residência nas ditosas entranhas de sua mãe Santa Ana; seu Nascimento; o dia em que recebeu o Santo Nome de Maria; sua Apresentação no templo; seu estado de infância até a idade de doze anos; seu matrimônio com São José; a Encarnação de Jesus nela; sua condição de Mãe de Deus; a residência de Jesus nela; sua visita a Isabel e sua permanência de três meses em sua casa; sua viagem de Nazaré a Belém; seu divino parto; sua Purificação; sua fuga ao Egito e permanência ali; seu regresso do Egito e sua vida em Nazaré com seu Filho até os trinta anos; as viagens com seu Filho durante sua vida pública; seu martírio ao pé da cruz; sua alegria na Ressurreição e Ascensão de seu Filho; todo o tempo de sua vida desde a Ascensão de Jesus até sua própria Assunção; suas santas comunhões durante esse tempo, sua ditosa morte; sua gloriosa Ressurreição; sua triunfal Assunção; sua colocação à direita de seu Filho como soberana do céu e da terra; a vida gloriosa e feliz que leva no céu desde o dia de sua Assunção (São João Eudes).