ESTUDO BÍBLICO NA 12ª SEMANA COMUM ANO B 2024
ESTUDO BÍBLICO NA 12ª SEMANA COMUM ANO b 2024
Comunidade Paz e Bem
SEGUNDA-FEIRA
Solenidade da natividade de S. João Batista
Lucas 1,57-66.80
“Digo-vos que dentre os nascidos de mulher
não há ninguém maior do que João” (7,28).
Ante o menino recém nascido, a expressão dos pais de família não deveria ser outra que a do Salmo 139,14: “Te dou graças por tantas maravilhas!”.
Se olharmos, atentamente, o texto de hoje, que narra as circunstancias do nascimento de João Batista, notaremos que na boca de todos os personagens há expressões de alegria e de louvor.
O nascimento de João nos convida a descobrir as atitudes com que deveríamos receber a vinda ao mundo das novas criaturas. É verdade que a vinda de João é, em primeiro lugar, um acontecimento próprio dele.
João, nos evangelhos acumula muitos títulos, o suficiente para merecer nossa atenção em um festejo de seu nascimento. O próprio Jesus teceu sobre ele elogios tais como: “ele era a lâmpada que ardia e iluminava” (Jo 5,35); “não surgiu entre os nascidos de mulher um maior que João” (Mt 11,11).
Porém, já desde seu nascimento o menino era rodeado de elogios. Estes elogios partiram:
- da felicitação à mãe (se subtende o pai) pois “o Senhor lhe havia feito grande misericórdia” (Lc 1,58);
- do cântico gozoso do pai; e dos comentários positivos da vizinhança.
Todos eles nos convidam a pôr-nos ante ao mistério do menino que nasce.
Por isso, vale a pena reler o evangelho de hoje, observando as relações familiares, particularmente do ponto de vista dos pais e, também, os outros adultos que rodeiam a família, para que vejamos as atitudes evangélicas com que se recebe um filho.
Sugerimos começar lendo o texto por conta própria anotando o que faz cada um dos personagens:
- a mãe;
- o pai;
- os familiares;
- os vizinhos;
- e o grande protagonista: Deus.
Logo veremos como tudo converge para as “boas vindas” que se dá ao filho. Nas linhas que seguem vamos nos deter neste último enfoque.
Um filho desejado e esperado com amor
Para os pais de João, a vinda do menino foi uma surpresa total. Mesmo que o tenham desejado, ardentemente durante toda sua vida, o filho chegou no momento menos esperado: quando já eram anciãos: “Eu sou velho e minha mulher de idade avançada” disse Zacarias em Lucas 1,18.
Com razão, a primeira reação do pai foi não dar crédito às palavras do anjo, naquele dia, no Templo (1,20). Ainda que fosse claro que o queria, o estupor vivido naquela cena da anunciação nos mostra que naquele dia Zacarias compreendeu que seu filho era desejado, em primeiro lugar, por Deus.
Porém, o maravilhoso é isto: ainda que inesperado, o menino que havia sido toda uma vida desejado, provêm de onde saem os desejos mais profundos: a oração.
O dom da vida de João foi acolhido num ambiente de oração:
- O pai recebe a noticia em oração: “teu pedido foi escutado” (1,13);
- Ao longo da gravidez, a mãe não fez outra coisa senão orar bendizendo a Deus pelo amor que lhe teve: “Isto é o que tem feito por mim o Senhor…” (1,25); e
A festa passa do coração da mãe à toda a família e vizinhos tão logo nasce o menino. Nesta festa familiar todos reconhecem no menino um sinal da presença de Deus(“enchem- se de temor”,1,5) e reconhecem que: “a mão do Senhor estava com ele” (1,66; 1,58).
Na realidade, a festa já havia começado há três meses. Durante sua gravidez, tanto a mãe como o menino, ainda no ventre, tiveram a graça de viver uma forte experiência de Deus.
Novos sinais confirmaram a decisão de receber o menino: o encontro com Maria atraiu a efusão do Espírito sobre mãe e filho, em sua entranhável comunhão. Então o menino dançou de alegria e a mãe cantou as bênçãos da obra de Deus na maternidade e na fé da “Mãe de meu Senhor” (1,41-45).
Nesse momento, Maria – a primeira a festejar – havia ido ver o sinal que lhe havia dado o anjo (ver 1,36). Maria comprovou no nascimento de João que “nenhuma coisa é impossível para Deus” (1,37). No caso da vida de Zacarias e Isabel, acontece como a Abraão e Sara, que também eram anciãos e com uma vida de casal triste, pela incapacidade de gerar.
Como conta o livro do Gênesis, a concepção, gestação e nascimento do filho, lhes abriu os olhos ante a grandeza de Deus, quando as circunstancias pareciam adversas: “Acaso existe algo de tão maravilhoso para Yahweh?” (Gn 18,14).
O riso de Sara se repete em todas as mães e pais: não um riso irônico, de desconfiança pelas palavras “impossíveis” de Deus, mas porque, no filho, Deus entra na família para trazer uma imensa felicidade.
O filho é sinal da presença do Deus da vida. A paternidade-maternidade é uma profunda experiência de Deus. Uma mãe e um pai deveriam dizer de seus filhos: “Deus me tem dado uma grande alegria”.
Um filho que renova sua família
A noticia de uma gravidez sempre causa alguma surpresa. A vida do casal começa a mudar. Mas o que não se pode perder de vista, desde o começo, é que, seja esperado ou indesejado, todo filho é uma maravilha de Deus e é querido por Deus, se bem que dependa, também, da decisão livre de seus pais.
A vinda de João introduz mudanças na vida da anciã e do solitário casal. Para Isabel foi a plenitude de sua feminilidade: a fecundidade. Não seria mais tida como estéril, mas como uma mulher profundamente amada e considerada por Deus: “O Senhor lhe tinha feito grande misericórdia” (1,58).
A vida do sacerdote do Templo, Zacarias, chegou, também, à plenitude de sua vocação quando, invadido pelo Espírito Santo, começou a profetizar, contemplando, com grande alcance, o horizonte do evangelho que estava por vir (1,67). Mas, isto foi provocado pelo nascimento de seu filho João: ”E a boca imediatamente se lhe abriu, a língua desatou-se e falava, bendizendo a Deus” (1,64).
A verdadeira palavra vem do silêncio, como foi com Zacarias: a vinda inesperada do filho “desejado” o fez passar por todas as fases da comunicação profunda e autêntica: palavra-silêncio-palavra.
Enquanto o filho estava em gestação, também Zacarias acolhia e fazia crescer dentro de si, durante nove meses de mudez, a nova obra que Deus estava realizando nele, até que chegou, também, a ele, o parto de uma palavra amadurecida no coração, a saber: cumprimento (1,63); e profecia (1,67-79).
Zacarias aprende de novo a falar; suas palavras, daí em diante, serão as de Deus. Não é assim que deveria gestar-se uma fluida e transparente comunicação em cada comunidade, em cada família?
Todos estes detalhes de valorização do casal, de reconhecimento e plenitude da feminilidade, de realização pessoal do pai, de novos níveis de comunicação autêntica e profunda, são o resultado da acolhida amorosa do filho e expressão patente da obra da Palavra de Deus na família.
Um filho é grande luz para a família e fonte de esperança para a humanidade
O que ocorre a João é apenas prelúdio do que está para ocorrer com a vinda de Jesus. O mistério deste menino está iluminado e, de seu lado, também iluminará, pelo mistério do menino divino. Por isso, no texto se destacam dois movimentos:
- um dentro da casa (familiares e vizinhos); e
- outro fora, na região, “em toda a montanha da Judéia” (1,65).
O movimento dentro da casa se dá em torno ao nome do menino, sempre motivo de discernimento e acordo em todo casal; trata-se de uma decisão que afetará, para sempre, a vida do menino.
Segundo os costumes orientais, o nome identifica a missão ou origem do recém-nascido. Do ponto de vista do evangelho, o nome identifica a toda nova ovelha do rebanho e constitui um projeto ao qual corresponde a vocação do que o leva (ver Jo 10,3). Pergunta-se a Zacarias o nome e este escreve na tabuinha: “João é seu nome” (1,63).
Vale a pena destacar:
- Que a mãe e o pai estão em completo acordo a respeito. A mãe corrige os familiares: “Não; tem de chamar-se João” (1,60). Sinal de comunhão do casal;
- Que este nome significa “Deus fez misericórdia”, o qual é a síntese da historia de seus pais, mas também o maravilhoso programa de vida de João: a grande dignidade que lhe concedeu Jesus;
- Que o nome vem do mesmo Deus (1,13). No nome há uma missão: Deus tem um sonho para cada um dos seus, e para isso, concede os dons, talentos e graças para cumprir o melhor possível sua tarefa, por menor que seja, de colaborar com seu serviço, seu “grão de areia”, à humanidade.
Finalmente, em toda a região, onde o nascimento de João se torna evangelho, a pergunta sempre é a mesma: “Que será deste menino?”
O menino se converteu em lugar da experiência de Deus, porque o povo não via somente um menino, mas que “a mão do Senhor estava com ele” (1,66). De fato, desde seu nascimento “o Profeta do Altíssimo” vai “adiante do Senhor para preparar seus caminhos” (1,76).
Se com ele é suscitada tanta admiração, como será quando nascer o salvador? O nascimento do menino aplaina os difíceis caminhos do conhecimento do salvador.
O povo contempla no recém-nascido uma missão e uma mensagem: “Que será deste menino?”. Não haverá que fazer-se a mesma pergunta cada vez que nasce um menino e se toma a frágil e maravilhosa criatura nos braços?
Então teremos que saber olhar longe e comprometer-nos e fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para que seu crescimento, amadurecimento, situação no mundo e realização plena sejam possíveis (ver 1,80)
Zacarias, diante de seu filho recém nascido e junto a sua mãe emocionada e tão amplamente felicitada, contempla horizontes novos de esperança, no gozo do Espírito Santo. No menino se contempla um futuro repleto de promessas. Na vida de cada menino se deve descobrir um anúncio daquele menino que nos traz a vida plena.
Nenhuma outra palavra pode exaltar tanto um nascimento como esta: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimido seu povo, suscitando-nos uma força de salvação… E a ti, menino, te chamarão Profeta do Altíssimo, porque irás adiante do Senhor a preparar seus caminhos, anunciando a seu povo a salvação, o perdão de seus pecados… Pela entranhável misericórdia de nosso Deus, nos visitará o sol que nasce do alto, para iluminar os que vivem na treva e na sombra da morte, para guiar nossos passos, pelo caminho da paz” (1,68-69.76-79)
O menino “surpresa” de Isabel e Zacarias, o menino “surpresa” de Sara e Abraão, e por que não, todos os meninos que vêm – esperados ou de improviso – a este mundo, são fonte de alegria e esperança. A grandeza de sua pequenez é um anuncio da passagem e da vinda de Deus entre nós.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Quais foram as circunstancias que rodearam o nascimento de João Batista? Que diziam seus parentes e conhecidos? Como reagiram seus pais?
- No diálogo com meu esposo/a recordo qual nossa reação no dia do nascimento de cada um de nossos filhos. Como é nossa relação hoje com eles? A presença deles é motivo contínuo para louvar e agradecer a Deus?
- Como estamos ajudando e acompanhando nossos filhos para que cresçam,amadureçam e se estejam corretamente no mundo como Deus quer de cada um?
- Como podemos como família ajudar a que nossos vizinhos sejam cada dia mais conscientes de sua responsabilidade de ser bons pais e educadores e ao mesmo tempo os filhos respondam com empenho a sua preocupação por eles?
- ‘A verdadeira palavra sempre vem do silêncio’. Assim ocorreu a Zacarias. Que espaços de silêncio e oração favorecemos em nossa família para o encontro com o Senhor?
De uma homilía de San Juan Crisóstomo:
Deixemos falar João Batista: “Diz, João, Como, ainda encerrado na obscura morada do seio materno, podes ver e ouvir? Como contemplas as coisas divinas?…”
Ele responde: “Vejo, pois o Sol que está no seio virginal me ilumina e faz ver. Meus ouvidos ouvem, pois estou nascendo para ser a voz daquele que é o Verbo por excelência. Pois considero o Filho único de Deus envolto em carne. Exulto porque vejo o Criador do universo apropriar-se da natureza humana… Sou o precursor de seu Advento e venho, de certo modo, ao encontro de vós, para testemunhar”.
Pe. Fidel Oñoro, cjm
ANEXOS:
São João Paulo II (Homilia em Kiev, 24/6/01)
«O seu nome é João»
«O Senhor chamou-me desde o seio materno, pronunciou o meu nome desde as entranhas de minha mãe» (Is 49,1).
Celebramos hoje o nascimento de Joâo Batista…
Hoje podemos fazer nossa esta exclamação.
Deus conheceu-nos e amou-nos antes mesmo que os nossos olhos
pudessem contemplar as maravilhas da criação.
Ao nascer, cada homem recebe um nome humano.
Mas, ainda antes disso, ele possui um nome divino: o nome pelo qual Deus Pai o conhece e o ama desde sempre e para sempre.
É assim para todos, sem exclusão.
Nenhum homem é anônimo para Deus!
Todos possuem igual valor aos seus olhos: todos são diferentes, mas todos iguais, todos chamados a ser filhos no Filho.
«João é o seu nome» (Lc 1,63).
Zacarias confirma o nome do seu filho perante os parentes maravilhados, escrevendo-o numa tabuinha.
O próprio Deus, por intermédio do seu anjo,tinha indicado este nome, que em hebreu significa «Deus é favorável».
Deus é favorável ao homem: quer que ele viva, quer sua salvação.
Deus é favorável ao seu povo: quer fazer dele uma bênção para todas as nações da terra.
Deus é favorável à humanidade: guia o seu caminho para a terra onde reinam a paz e a justiça.
Tudo isto está inscrito nesse nome: João!
TERÇA-FEIRA
Mateus 7,6.12-14
CRITÉRIOS DE DISCERNIMENTO (I): QUANDO A ELEIÇÃO LEVA A FORTES RENUNCIAS.
“Que estreita a entrada e que apertado o caminho que leva à vida!”
Depois de apresentar-nos um principio de vida que regula a ação do discípulo (Mt 7,6), e de saltar os vv.7-11 e ler a síntese do v.12, a passagem da liturgia de hoje nos coloca frente à primeira parte da conclusão do Sermão da Montanha (Mt 7,13-14).
- Ensinamentos: (vv. 6.12)
- A prudência
O v.6 trata sobre a prudênciaque deve caracterizar um discípulo de Jesus. Visto que as comunidades eram perseguidas, era necessário ser cautelosos quanto ao que se dizia fora delas, porque tudo se convertia em motivo de ataque. Esse é o sentido do “não dar aos cães o que é santo, nem lanceis vossas perolas aos porcos,…” (7,6).
Para os judeus o “cão” e “porco” eram animais impuros e utilizavam estas cruéis expressões para referir-se às pessoas que não pertenciam ao povo de Deus. Para o mundo cristão, e em coerência com Mateus (5,8) parece designar uma pessoa não-convertida.
Pois bem, há acontecimentos, mistérios, eventos, que são próprios da comunidade e que não são entendidos por uma pessoa de fora. Contar aos não-convertidos sucessos internos da comunidade pode significar expô-la ao desprestigio ou à insensatez de quem aproveita qualquer coisa para criticar.
Não esqueçamos que esse tipo de pessoas é capaz de praticar injustiças com o próximo quando estão em jogo seus interesses pessoais.
- A reciprocidade
O v.12 apresenta a chamada “regra de ouro”: “Tudo quanto queirais que os homens vos façam, fazei também vós a eles; porque esta é a Lei e os Profetas”. Trata-se do principio da reciprocidade: que cada um busque o interesse do outro como se fosse seu próprio interesse.
Este princípio sintetiza todo o ensino do Sermão da Montanha sobre a Justiça do Reino: Jesus dá um espírito novo à antiga doutrina. O Antigo Testamento se faz realidade na Palavra e na práxis de Jesus e da comunidade de seus seguidores.
- Criterios de discernimento: (vv.13-14)
O Sermão da Montanha não somente dá ensinamentos. Ao final também dá critérios de discernimento para que verifiquemos se temos entrado, realmente, em seu espírito e sua ação. A grande seção de Mt 7,13-27 se refere a estes critérios:
- Quando a opção se faz “difícil” ou não (Mt 7,13-14);
- Quando dão “frutos” ou não (Mt 7,15-20);
- Quando as palavras são postas em “pratica” ou não (Mt 7,21-27).
- O primeiro critério de discernimento: a eleição da via difícil
A liturgia nos convida a deter-nos no primeiro critério de discernimento: quando a opção supõe dolorosas renuncias (7,13-14).
Toda conclusão recorda o objetivo que se pretende. Recordemos o objetivo do ensinamento do Sermão da Montanha: “entrar no Reino” (5,3.10.20) e que o correto é entrar pela “porta estreita” (7,13). Se queremos entrar na vida, não podemos deixar-nos levar pelos critérios de ação da massa, mas devemos seguir uma via fatigosa.
Em todo o Sermão da montanha Jesus descreve o caminho que conduz à vida, à vida eterna, que se alcança com a entrada no Reino de Deus. Mas, deixa claro que este caminho não é largo e cômodo, mas fatigante e estreito; é certo que o enfrentaremos com dificuldade. Jesus acrescenta que este caminho, a maior parte das pessoas, não o toma: “e poucos são os que o encontram” (7,14).
Mas, a eleição que se faz é decisiva. Estão em jogo: a vida ou a ruína eterna. Quem quer entrar na vida eterna terá que assumir as dolorosas renuncias que implica – sabendo que quando se elege algo também se deixa de lado algo – e, por outro lado, não deixar-se convencer pelo resto das pessoas.
Para um discípulo de Jesus o comportamento da massa não é critério de ação. Um discípulo sempre caminha na conta-mão.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Sei guardar “os segredos de casa”? Tendo a contar confidencias da vida de comunidade a pessoas externas? Qual seria as conseqüências?
- Ponho meus interesses acima dos demais?Oriento-me segundo a vontade do Pai como único critério válido de ação?
- Estou disposto a aplicar, de maneira coerente, este critério a meu projeto de vida?
QUARTA-FEIRA
Mateus 7,15-20
Critérios de discernimento (II): O AUTÊNTICO DAR FRUTOS
Não só deixar-nos atrair “Toda árvore boa dá bons frutos”
pela “massa” (evangelho de ontem) pode desviar-nos do reto caminho, mas, também, a obra dos falsos profetas (evangelho de hoje).
Já Paulo havia descrito o comportamento dos falsos profetas no ambiente cristão: “Esses tais não servem a nosso Senhor Jesus Cristo, e sim a seu próprio ventre, e, por meio de suaves palavras e lisonjas, seduzem os corações dos humildes” (Rm 16,18).
E no discurso de Mileto havia dito aos presbíteros: “Sei que depois de minha partida, se introduzirão entre vós lobos cruéis que não perdoarão o rebanho; e também entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para arrastar os discípulos atrás de si. Portanto vigiai” (At 20,29-30).
Desde as origens até hoje, não tem sido fácil, aos discípulos, se orientar em meio a todos os ensinos, opiniões, explicações da Escritura, interpretações do presente e do futuro que escutamos. Muitas palavras podem ser inteligentes e bem ditas, mas nem sempre verdadeiras.
Os falsos profetas pregam com a palavra, mas nunca com a coerência de vida; dai vem um critério de discernimento. Jesus não nos convida a discutir ou fiscalizar as palavras, mas, nos remete às obras.
Diz duas vezes: “Por seus frutos os conhecereis” (7,16.20). Isto não é novidade. João Batista já havia pregado: “Dai fruto digno de conversão” (3,8). E, inclusive, havia advertido: “Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo” (3,10).
Jesus repete hoje esta última frase, mas em tempo presente: “Toda árvore que não dá bom fruto, é cortada e lançada ao fogo” (7,19).
O bom fruto (recordemos em 5,16: as “boas obras”) é o atuar segundo a justiça do Reino, que corresponde à vontade de Deus (ver textos anteriores). Este não pode ser substituído por nenhuma palavra e é o ponto de referência. Quando disto nos descuidamos, vem a ruína (7,19).
A comparação do falso profeta com um lobo disfarçado de ovelha (7,15), mostra até que ponto uma pessoa pode pregar sem estar convertido a ela.
A aparência é boa, mas por dentro segue o homem velho: o cobiçoso e ladrão que submete tudo o que aparece no caminho, a seus interesses pessoais; na verdade, continua sento uma pessoa “selvagem” que não conheceu a educação do Reino.
Por isso as obras seguirão sendo o ponto de referência no discernimento do falso profeta: não importa tudo o que diga, o que conta é o que, afinal, faça. E já sabemos qual é o atuar que se espera.
Todo o Sermão da Montanha ensina qual é o modo de ser justo. Com base neste critério se deve fazer uma avaliação dos frutos de cada árvore, e só a conformidade com o ensinamento de Jesus (os valores do Reino) indica se são corretos ou não.
A consideração das obras deve dissipar a névoa das palavras.
Aprofundemos com os nossos pais na fé:
Santa Teresa d’Ávila (1515-1582), carmelita descalça, doutora da Igreja Castelo interior, 5ª moradas
«Pelos frutos os reconhecereis»
Como é fácil reconhecer aqueles que têm deveras o amor do próximo e os que não o têm com esta perfeição!
Se entendêsseis o que nos importa esta virtude, não faríeis outro estudo.
Quando vejo algumas pessoas muito diligentes em entender a oração que têm e muito encapotadas quando estão nela (que parece não ousam bulir, nem menear o pensamento, para que não se lhes vá um pouquinho do gosto e devoção que tiveram), faz-me ver quão pouco entendem do caminho por onde se alcança a união.
E pensam que ali está todo o negócio. Mas não…; obras quer o Senhor.
E se vês uma pessoa enferma a quem podes dar algum alívio, não se te dê nada de perder essa devoção compadecendo-te dela; e se tem alguma dor, te doa a ti também; e, se for necessário, jejua,para que ela coma. Não tanto por ela, mas porque sabes que teu Senhor quer isso.
Esta é a verdadeira união com Sua vontade.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- A comunidade de fé, à qual pertenço, tem vivido conflitos doutrinais, divisões ou
desvios em matéria de fé e costumes, por parte de falsos líderes?
- Qual o critério para discernir o falso profeta?
- Como sei se estou vivendo a Justiça do Reino e entrando assim no Reino dos Céus?
- Que “frutos” de vida nova estão esperando de mim e que ainda não são vistos?
QUINTA-FEIRA
Mateus 7,21-29
UM CHAMADO À SOLIDEZ:
“Não caiu porque estava cimentada sobre rocha”
Para ter maior claridade sobre o evangelho de hoje é bom remitir-nos ao parágrafo anterior, o qual se omitiu, por ser a festa do nascimento de João Batista. Nele Jesus define quem são os “falsos profetas”.
Hoje, ao contrário, Jesus esclarece quem são os “verdadeiros discípulos”. Jesus começa dizendo que nem todos os que o chamem com o nome de Senhor, para pedir algo, entrarão no Reino dos céus.
Somente entrarão quem a esta súplica acrescentam, de bom coração, o cumprimento da Vontade de seu Pai. E mais, Jesus nos diz que no último dia muitos dirão: “Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome e em teu nome expulsamos demônios e em teu nome fizemos muitos milagres?”(22). Em outras palavras. Contudo, isto já temos o passaporte assegurado para o Reino dos Céus. Fácil!
Jesus esclarece muito bem que isto não é suficiente para ser reconhecido como verdadeiro discípulo e que se não está na raiz buscar a Vontade do Pai Jesus mesmo naquele dia lhes dirá: “Jamais vos conheci, apartai-vos de mim agentes de iniquidade” (23).
São palavras muito duras. Não só lhes dirá que não os conhece, mas que tudo o que eles hão feito, se havia sido milagres, não tem sido outra coisa que ‘iniquidade’.
Trata-se, pois, como Jesus mesmo disse na continuação, de “ouvir suas palavras e pô-las em prática” (24). Jesus ilustra esta sentença com uma bela parábola: a casa que se constrói sobre a rocha ou sobre a areia. O verdadeiro discípulo é o que constrói sobre a rocha uma casa com suficiente cimento e este cimento é a mesma rocha. O escutar a Palavra e pô-la em prática garante a solidez da vida do verdadeiro discípulo.
Tudo o que possa vir sobre essa casa: chuva, torrentes, etc. não a afetarão. Tudo o que possa acontecer ao discípulo prudente: dificuldades, sofrimentos, calamidades, não o poderão derrubar porque a rocha na qual descansa sua vida é a Palavra.
Não é assim quem constrói sobre areia. Sobre cimentos não confiáveis. Não será capaz de sobreviver às adversidades que lhe apresenta a vida. E Jesus termina dizendo: “E foi grande sua ruína” (27).
Aprofundemos com os nossos pais na fé:
Santa Teresa de Ávila(1515-1582), carmelita, doutora da Igreja.
“Não basta dizer ‘Senhor, Senhor…’; é preciso fazer a vontade de meu Pai”
Parece muito fácil dizer que alguém entrega a sua vontade nas mãos de outro…Mas quando chega a altura, compreende-se que nada é tão difícil como conformar-se a isso de uma forma correta.
O Senhor sabe do que é capaz cada uma das Suas criaturas; e, quando encontra uma alma forte, não desiste até ter cumprido nela a Sua vontade.
Quero expor-vos ou recordar-vos qual é a Sua vontade.
Não temais que Ele vos queira dar riquezas, prazeres, honras, ou todos os outros bens da terra.
Ama-vos demasiado para fazer tal coisa e aprecia muito os vossos presentes:
é por isso que quer recompensar-vos dignamente e dar-vos o Seu reino, ainda nesta vida.
Vendo o que o Pai deu a Seu Filho, que amava acima de todas as coisas, percebeis qual é a Sua vontade.
Assim são os dons que Ele nos faz neste mundo.
A medida deles é o Seu amor por nós.
Dá mais aos que ama mais e menos aos que ama menos.
Regula-se também pela coragem que descobre em cada um de nós e pelo amor que temos por Ele.
Vê que somos capazes de sofrer muito por Ele quando O amamos muito, mas de sofrer pouco quando O amamos pouco; e estou convencida de que a força para suportar uma grande ou uma pequena cruz tem a mesma medida que o amor.
Por isso, se este amor está em vós, tereis cuidado, quando falardes a tão grande Senhor, para que as vossas palavras não sejam meros cumprimentos…
Se não abandonarmos completamente a nossa vontade nas mãos do Senhor, para que Ele próprio tome conta dos nossos interesses, Ele nunca nos deixará beber na Sua fonte de água vida.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Que me faz pensar que estou construindo minha vida sobre a rocha ou sobre a areia?
- Que faço concretamente para que a Palavra de Deus seja dia a dia o cimento de minha vida?
- Recordo um momento difícil na vida de minha comunidade, de minha família
ou de meu grupo no qual nos esquecemos de haver-nos apoiado na Palavra de Deus.
Que poderíamos ter feito?
SEXTA-FEIRA
Mateus 8,1-4
MISERICÓRDIA QUE SALVA (I): JESUS SALVA DA MARGINALIZAÇÃO
“Estendeu a mão, tocou-lhe e disse: Quero, fica limpo’”
Com a frase “Quando desceu do monte, foi seguindo-lhe uma grande multidão” (8,1) termina o grande Sermão da Montanha que temos lido. Devemos voltar outras vezes a esse conjunto de ensinos porque neles está plasmado o perfil do discípulo de Jesus.
Observando o início do texto de hoje, podemos notar o bom efeito que teve o discurso em seus ouvintes: o seguimento de muita gente. Isto dá passagem, em seguida, a uma nova seção caracterizada pelos milagres que exibem, continuamente, a potencia de Jesus para salvar.
Na seção de Mt 8,1-9,34 deparamo-nos com 10 milagres (ações de poder de Jesus). Alguns vêem na sequência uma espécie de “crescimento”, outros observam que se apresentam, progressivamente, os elementos da formação de uma comunidade (começa com pessoas que provem da marginalidade, por exemplo).
O certo é que todas as narrações que vêm, em seguida, destacam a ação misericordiosa de Jesus com os necessitados e como vai se formando, desde diversas procedências e situações, um povo abençoado pelas graças do Reino dos Céus.
Desta forma, Jesus revela Deus-Pai em seu infinito amor pelos homens e no seu poder que dá salvação, assim dá validade à sua mensagem sobre o Reino dos Céus.
Os milagres são:
(1) Um leproso (8,2-4)
(2) O criado de um centurião romano (8,5-13)
(3) A sogra de Pedro (8,14-15)
(4) A tempestade acalmada (8,23-27)
(5) O exorcismo dos endemoninhados Gadarenos (8,28-34)
(6) Um paralítico (9,1-8)
(7) A hemorroiza (9,20-22)
(8) A ressurreição da filha de Jairo (9,18-19.23-26)
(9) Os dois cegos no caminho (9,27-31)
(10) O endemoninhado mudo (9,32)
No meio desta serie de milagres vão aparecendo alguns “momentos de repouso” onde relêem o narrado em função de uma maior compreensão da pessoa de Jesus e também do discipulado.
A primeira ação misericordiosa de Jesus se dirige a um leproso (8,2-4). Ele é o primeiro da serie de três excluídos (ver os dois relatos seguintes: o estrangeiro e a mulher): o que menos direitos têm. O leproso é exemplo típico da pessoa marginalizada pela lei da Pureza (que declara o puro e o impuro).
Segundo esta lei, um leproso não tinha acesso a Deus no Templo. Também não havia na cidade e não lhe eram concedidos nenhum de seus direitos. Era submetido à vergonha pública, já que para onde quer que fosse tinha que gritar para que todos corressem para longe dele.
As mesmas leis de higiene da sociedade aplicavam à relação com Deus. Por isso, em nome de Deus, se podia excluir pessoas que já, por si, tinham suficiente sofrimento com o peso de sua doença e pobreza.
O leproso toma a iniciativa; vê em Jesus uma possibilidade de salvação. Rompe a norma e se aproxima de Jesus para pedir-lhe a cura. O faz com belos termos de um pobre do Reino:“Se queres” (8,2).
Também Jesus rompe a norma quando o toca: “Estendeu a mão, lhe tocou…” (8,3a). E acontece algo inédito: o puro toca o impuro e o purifica! Tudo ao contrário do que as pessoas pensavam.
Jesus torna possível a entrada no âmbito da bondosa paternidade de Deus, ao mesmo tempo, que anula os costumes que marginalizavam. Seu gesto é misericordioso porque se inclina até a situação da pessoa e a atrai até o Coração de Deus.
Sem dúvida, Jesus não está indo contra o Templo nem as instituições. Por isso envia o leproso a cumprir com a norma de Moisés para os casos de cura de leprosos (ver Lv 14,1-32). O importante é que “lhes sirva de testemunho” (8,4c).
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Que quer dizer-nos o evangelista ao colocar a serie de milagres depois do Sermão da Montanha?
- Que pretendem ensinar-nos estes milagres?
- Na realidade de que curou Jesus ao leproso?
- Como o fez? Por que, ao final, o enviou ao Templo?
SÁBADO
Mateus 8,5-17
MISERICÓRDIA QUE SALVA (II): UMA FÉ QUE SURPREENDE ATÉ O PROPRIO JESUS.
“Não encontrei em ninguém uma fé tão grande”
O segundo milagre de Jesus também se realiza com um marginalizado. O centurião romano, enquanto gentio, ou seja, pagão, era considerado, religiosamente, impuro, pelo fato de não pertencer ao povo de Israel. Dele Jesus dirá: “Não encontrei em ninguém uma fé tão grande” (8,10).
Os costumes da época ensinavam que os judeus não podiam conversar com os gentios, nem tocá-los, nem, muito menos, entrar em suas casas (recordemos a historia de Pedro e Cornélio: At 10,28).
Por isso, é surpreendente que Jesus, desde o primeiro instante, manifeste um vivo interesse por entrar na casa do romano: “Eu irei curá-lo” (8,7).
A intenção de Jesus aparece como a resposta pronta à noticia dos “terríveis sofrimentos” de um criado (ademais da mais baixa categoria social). Jesus lhe dá valor!
Porém, não acontece como Jesus planejou em um primeiro momento. O diálogo que mantém, Jesus e o centurião romano, ocupa a maior parte do relato. Só ao final se dirá muito brevemente: “E naquela hora curou o criado” (8,13b).
Na realidade o que se coloca em primeiro plano é a fé do centurião. Chama a atenção a maneira como o romano expressa, sempre mais clara e decididamente, sua própria fé, e como Jesus a valoriza.
Vejamos o processo:
- O centurião se aproxima de Jesus, não lhe formula nenhum pedido, mas, de forma breve e precisa, limita-se a descrever a dolorosa situação de seu criado: “Senhor, meu criado …” (8,6).
Desde o principio deixa Jesus tomar a decisão que considere conveniente (como fez com o leproso, imagem do “pobre” do Reino). Chama a atenção que o centurião se apresente ante Jesus quase como um pai preocupado com seu filho;
- Qualquer um, no lugar do centurião, haveria ficado contente ante a noticia: “Eu irei a curar-lhe” (8,7), que implica um “vou entrar em tua casa”.
Ao contrário, o centurião vê as coisas de outro ponto de vista: expressa uma profunda e clara compreensão de sua posição e de seu poder.
Ao renunciar à visita que lhe oferece Jesus, está reconhecendo, não só com palavras, mas efetiva e realmente, que Jesus tem uma dignidade superior e um poder indiscutível: “Senhor, não sou digno de que entres em minha morada” (8,8a; ver as palavras de João Batista em 3,11);
- Em seguida o centurião faz uma comparação em que reflete sua maneira militar de conceber a autoridade (8,9), o qual lhe serve de linguagem para expressar que reconhece em Jesus um poder superior capaz de atuar com plena eficácia: “basta que digas uma palavra e meu criado ficará curado” (8,8b).
Por sua parte, Jesus, que não teve nenhum escrúpulo para tocar no leproso (8,3), nem, tampouco, para decidir entrar na casa do pagão (8,7), se detém para apreciar com admiração a claridade objetiva e a sóbria solidez da fé do centurião.
O centurião não disse quem era Jesus, porém deu a entender de forma prática e real: Jesus tem poder para ajudar e curar, o pode salvar! Jesus toma posição ante a fé do centurião e a valoriza: Essa é a atitude que se necessita para entrar no Reino dos Céus!
O Reino aparece representado, aqui, na mesa (do final dos tempos) dos patriarcas (8,11). A novidade do Reino aparece na imagem gráfica de alguns que são admitidos e outros que são expulsos da mesa (ver o critério de admissão no Sermão da Montanha: 7,21-23).
O povo de Abraão se reconhece por sua “fé”. João Batista e Jesus já disseram: uma fé que dá frutos (3,10; 7,16.20). Pois bem, o centurião demonstrou a fé necessária para a salvação, o qual o faz digno do povo de Deus. Assim, o Reino de Deus não tem barreiras, a única exigência é a fé em Jesus e a aceitação de sua proposta de vida e fraternidade que já começou a expor-se no Sermão da Montanha.
Ao final, Jesus lhe responde dando-lhe uma ordem àquele que confiou absolutamente no poder de sua palavra para alcançar a salvação: “Que aconteça como tens crido” (8,13).
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Como aparece Jesus neste relato? De que maneira dá sinal de sua misericórdia?
- Qual é a característica da fé do centurião romano?
- A oração do centurião é talvez uma das orações mais repetidas na celebração da Eucaristia?
- Depois de ler este relato, Como o compreendo?
Que me faz sentir ante a presença de Jesus que vem a meu encontro na Sagrada Comunhão
Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM