ESTUDO BÍBLICO NA 22ª SEMANA COMUM ANO C 2022
ESTUDO BÍBLICO NA 22ª SEMANA DO TEMPO COMUM
Comunidade Paz e Bem
SEGUNDA-FEIRA
Marcos 6,17-29 Martírio de São João Batista, Memória
TESTEMUNHO DA VERDADE
“Herodes via que João era um homem justo e santo”
Hoje recordamos o martírio de João Batista, um homem que não teve medo da verdade e morreu por ela.
Se observamos bem este texto, tomado desde o versículo 14, se nos apresenta bem no meio de um duplo movimento dos apóstolos:
- Antes: o envio (vv.7-13)
- Depois: o regresso (vv.30ss)
Jesus acaba de dar aos apóstolos as indicações acerca do que devem fazer para que a evangelização que os confia seja eficaz. No ambiente se percebe o entusiasmo com o qual eles saem a realizar sua missão; entusiasmo que será mais intenso no momento do regresso.
Penso que não é casual que esta passagem esteja entre estes dois movimentos; é como se quisessem nos dizer que a melhor evangelização leva em si o testemunho de uma vida límpida, capaz de entregar-se pela verdade.
Toda a atividade anterior de Jesus (curas, pregação, ressurreição de uma menina, etc.) haviam feito que sua fama se fortalecesse e seu conhecimento na região se estendesse. Contudo, este conhecimento nem sempre coincidia com sua verdadeira identidade. Para alguns era Elias ou algum outro profeta.
Para outros, incluindo o próprio Herodes, Jesus era o próprio João Batista, a quem ele havia mandado decapitar, pois ainda que reconhecesse que era um “homem santo e justo”(v.20), não pode evitar a maldade de Herodíades, a esposa de seu irmão, com quem convivia ilicitamente; situação que havia sido denunciada e reprovada por João.
No relato se destacam, além de João, outros três personagens nos quais é bom deter-nos:
(1) Herodes: um rei débil, sobre quem pôde mais a influência negativa de Herodíades, para encarcerar e dar morte a João, que seu “convencimento” pessoal de que João era “um homem santo e Justo”(v.20). E como se fosse pouco, o texto agrega que Herodes “o protegia e ainda que ao ouví-lo se inquietasse, o escutava de boa vontade” (v,20).
(2) Herodíades; a mulher para quem seu único recurso contra João, que continuamente reprovava sua conduta,
foi a vingança. Ela não ficou tranquila ate que não “viu chegar sua oportunidade”.(v.21)
(3) A filha de Herodíades: que manipulada por sua mãe foi a intermediária do fatal desenlace.
É neste contexto que ressalta com nitidez e grandeza a figura de João, mártir da verdade e do valor. Nem o cárcere nem a morte fizeram com que ele falasse menos forte ou mudasse de parecer. Foi valente e claro desde o princípio até o fim.
Retiremos do texto alguns traços de sua personalidade:
João foi um tipo destemido que disse as coisas claramente, sem matizar nem minimizar a realidade do pecado: “João dizia a Herodes: ‘Não te é permitido ter a mulher de teu irmão'”(v.18).
Herodes mesmo nos assinala dois traços significativos da personalidade de João: “Era um homem justo e santo” (v.20). Justiça e santidade que não se inclinaram nem se calaram por conveniência nem sequer ante a autoridade real nem a ameaça de morte.
Vê-se, também, que João era muito agradável ao falar, pois “Herodes escutava a João de boa vontade” (v.20). Dizia as coisas aberta e diretamente e possuía o dom de fazê-las chegar direto ao coração de seus ouvintes.
Que a figura de João que nos apresenta a liturgia hoje nos estimule a todos a viver como verdadeiros discípulos de Jesus fazendo que a verdade brilhe cada vez mais em nossa sociedade marcada pela mentira e o engano.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Por que Herodes temia e buscava proteger a João Batista?
- Que atitude tenho ante a mentira e o engano que posso ver nas pessoas com as quais me relaciono?
- Que posso fazer concretamente para que em minha família, grupo ou comunidade, a verdade seja defendida a todo custo, ainda que com a própria vida, como o fez João?
TERÇA-FEIRA
Lucas 4,31-37
EM CAFARNAUM: A REVELAÇÃO DO PODER DA MISERICÓRDIA DE JESUS
“Sua palavra tinha autoridade”
A Palavra do Senhor é “luz para nosso caminhar”, ensina o Salmo 119,105.
Abre-nos horizontes, permite-nos saborear a presença viva de Deus, ajuda-nos a tomar consciência do grande valor de nossa própria vida, forma em nós o rosto vivo de Jesus.
Além do mais, a sensibilidade à Palavra nos educa para a docilidade ao Espírito.
A escuta responsável da Palavra de Deus põe a ponto nossa capacidade e prontidão para acolher a consolação do Espírito com liberdade de coração.
O objetivo último de todo este exercício contínuo de escuta da Palavra do Mestre é o gozo, do qual muito bem assinalava São João Eudes: “Que faça de nosso ser um Evangelho vivo, escrito por dentro e por fora, no qual a vida de Jesus esteja perfeitamente impressa em nós” (OC III).
A missão de Jesus em Cafarnaum
Continuando com nossa leitura de Lucas, hoje passamos, com Jesus, de Nazaré a Cafarnaum. Em Nazaré vimos o discurso inaugural, agora, em Cafarnaum, vemos suas primeiras obras de poder. O ministério de Jesus em Cafarnaum começa como em Nazaré: ensinando na sinagoga.
Ali seu ensino causa assombro porque “sua Palavra tinha autoridade” (4,32). O poder da Palavra está ligado ao que foi dito em 4,18: “O Espírito do Senhor está sobre mim”; ao inspirar a pregação de Jesus, o Espírito Santo lhe dá efeito de salvação.
As cenas que seguem mostram exemplos concretos: O exorcismo de um homem na sinagoga (4,33-37); A cura da sogra de Pedro (4,38-39); E muitas outras curas que se realizam no mesmo dia ao entardecer (4,40-41). Detenhamo-nos em alguns pontos destacados da passagem (também o resto do capítulo):
(1) Jesus liberta vencendo o demônio
Este disse “viestes destruir-nos” (4,34). A cena parece representar um combate entre Jesus e o demônio. Jesus exerce seu poder, sobretudo no homem para libertá-lo.
Nas três cenas em que Jesus exerce seu poder podemos notar que se apresenta a derrota do adversário de Jesus. Em 4,34 e 4,41 os demônios gritam e se espantam porque sabem quem é Jesus.
Em 4,38, Lucas descreve a situação da sogra de Pedro com uma informação importante: “estava oprimida por uma grande febre”. Isto recorda a história de outra mulher em quem a enfermidade é qualificada como uma “opressão de Satanás” (13,16) e, a cura, como uma “libertação” (14,12).
(2) Jesus liberta, vencendo a enfermidade
Os enfermos e endemoninhados indicam o homem que sofre. A atitude de Jesus com eles permitem captar uma particularidade que será tema importante no Evangelho: a misericórdia.
Notemos os pequenos detalhes que são próprios de Lucas. Estes às vezes passam despercebidos, porém, refletem muito do que é o coração de Jesus:
- A delicadeza: não maltratar (4,35);
- O inclinar-se até a pessoa (4,39);
- O contato: “impunha-lhes as mãos” (4,40);
- O respeito pelo individuo “um por um” (4,40).
Cada uma destas atitudes se repete frequentemente no Evangelho e está como modelo nas grandes parábolas:
- a do bom samaritano (10,29-37);
- as da misericórdia (todo capitulo 15);
- a do “rico epulão” (16,19-30).
Os discípulos de Jesus serão educados de modo especial neste comportamento: “Eu estou no meio de vós como o que serve” (22,27).
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- De onde provem o poder da Palavra de Jesus?
- Como entender hoje a luta e a vitória contra o demônio?
- Quais as características da misericórdia de Jesus? Eu as estou vivendo? Em que deveria me trabalhar mais?
QUARTA-FEIRA
Lucas 4,38-44:
JESUS: UM GRANDE MISSIONÁRIO.
“Tenho que anunciar o Reino de Deus”
Neste mês de setembro, mês da Bíblia, nos acompanha prioritariamente o evangelista Lucas.
Como acontece todos os anos com as leituras dos dias de semana até a última semana do mês de novembro. Sua maneira particular de introduzir-nos no mistério de Jesus e de mostrar-nos como se forma um discípulo pelas rotas do seguimento, merece toda nossa atenção e apreço.
Não percamos de vista o texto de Lucas no relato modelo “dos peregrinos de Emaús” (Lc 24,13-35).
Ali encontramos muitos elementos que nos colocam numa melhor visão para entender a totalidade do Evangelho, enquanto revelação do mistério da pessoa de Jesus e seu agir, e sua projeção missionária enquanto “base sólida” da mensagem que pregamos (Lc 1,4).
Agora, desde a última página do Evangelho (Lc 24) retrocedamos até o começo do ministério de Jesus, para seguir o itinerário catequético completo, descobrindo, passo a passo, tudo o que o caminho de Jesus implica
Voltemos então a Galileia, porque “tudo começou na Galileia” (At 10,37).
O programa missionário de Jesus
Tenhamos presente que a apresentação do programa da missão de Jesus, objetivo das passagens que se encontram em Lc 4,16-44, segue o esquema didático:
- do ensino com “Palavras” (em Nazaré, 4,16-30); e
- do ensino com “obras” (em Cafarnaum, 4,31-43).
Toda esta apresentação termina com uma síntese da missão: “pregando” (incluindo as ações), no país inteiro (ver 4,44).
O texto que lemos hoje nos situa concretamente em Cafarnaum
Em Cafarnaum se mostra que é verdadeiro o cumprimento da profecia anunciada em Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para… dar a liberdade aos oprimidos” (4,18).
Em Cafarnaum, Jesus não somente se revela por meio de ações de poder (exorcismos e curas), mas que, diferente do acontecido em Nazaré, Jesus é acolhido pelo povo: “Ficaram assombrados de seu ensino, porque sua palavra tinha autoridade” (4,32; traduzimos literalmente).
A missão de Jesus e seus discípulos conhecerá momentos difíceis como o de Nazaré, mas o êxito será maior como descreve a missão de Cafarnaum. Chama a atenção que no começo e no final desta missão Jesus expulsa demônios.
Esta ação é o sinal que confirma que Jesus, enquanto “libertador” do mal, faz presente o “Reino de Deus” prometido pelos profetas (4,43). Como dirá mais adiante: “Se pelo dedo de Deus expulso os demônios, é que tem chegado a vós o Reino de Deus” (11,20).
Uma jornada missionária cheia de êxitos
Na jornada de Cafarnaum, Lucas nos ensina a contemplar o Mestre em ação, quase passo a passo, ao longo de uma jornada completa. Cada ação, cada movimento de Jesus é uma escola para o discípulo, porque, como se dirá adiante: “Todo o discípulo perfeito deverá ser como seu mestre” (6,40b).
Como tem feito também o Evangelho de Marcos, Lucas nos apresenta, a seu modo, a “agenda” de Jesus, quer dizer, um dia modelo do Mestre. Isto reflete muito bem o esquema da passagem:
- Pela manhã está junto com a comunidade de Israel na Sinagoga (4,31-37);
- Logo passa ao ambiente de intimidade próprio de uma casa de família (4,38-39);
- Ao final da tarde volta à vida pública, onde se encontra com um grande número de pessoas, “todos quantos tinham enfermos de diversas doenças traziam-nos…”, onde enfrenta e cura as diversas formas de sofrimento humano (4,40-41);
- Na manhã seguinte se afasta de todo o mundo complexo das relações com o povo, para estar sozinho (subtende-se que em oração) (4,42);
- Finalmente, relança a missão, uma missão que abarca todo o país (4,43-44).
O motivo central de toda esta atividade missionária de Jesus, que passa pelos lugares e momentos chaves mencionados, se resume nestas palavras: “Tenho que anunciar a Boa Nova do Reino de Deus, porque para isto fui enviado” (4,43b).
Em uma só frase: “Tenho que evangelizar!”.
Percorrendo os diversos momentos da jornada evangelizadora de Jesus, podemos ir captando como a entrada nos diversos âmbitos da vida do povo, vai gerando claras e profundas transformações:
- Na sinagoga: destrói o poder do demônio. “Que Palavra é esta! Manda com autoridade e poder aos espíritos imundos e saem” (4,36);
- Na casa de Simão: recupera a pessoa inteira, restituindo-lhe a saúde e colocando-a a serviço dos demais. “Levantando-se, ela se pôs a servir-lhes” (4,39);
- Na cidade inteira: gesto de imposição de mãos, um a um, todos os enfermos para curá-los. E “Também saem demônios gritando e dizendo: ‘Tu és o Filho de Deus’” 4,41;
Na manhã seguinte, vemos como combina os afãs da missão com a solidão da oração. “Ao amanhecer, saiu e foi a um lugar solitário” (4,42).
A passagem nos descreve o êxito da missão, não só nas ações, que já falam por si, mas, também, em dois momentos específicos em que a multidão reage:
- O povo conta o acontecido: “sua fama se estendeu por todos os lugares da região” (4,37);
- O povo quer que fique sempre com eles: “o povo o procurava e, chegando até Ele, tratavam…” (4,42).
Como emerge o rosto de Jesus evangelizador
- Jesus é um missionário obediente ao Pai
Realiza a obra da evangelização como um ato de obediência ao Plano de Deus.
Jesus se submete a um “dever” divino (“Tenho que…”, 4,43), toda sua obra se realiza segundo um plano preciso de salvação do Pai. Isto é importante porque, em sua busca da humanização de todos os que sofrem ou estão em desvantagem social, Jesus nunca perde de vista que se trata da obra de Deus e que o Pai é a fonte última de toda sua ação.
Com razão os demônios já gritavam certo: “Tu és o Filho de Deus” (4,41b). Só que não é a eles que corresponde dar o testemunho, por isso os cala e mostra-lhes que têm que ceder totalmente frente a Ele.
- Jesus é um missionário com uma grande liberdade de coração
Assim como mostrou que tinha um coração livre na hora em que lhe fizeram ameaças e pressões na sinagoga de Nazaré (4,30), mostra também que tem um coração livre ante àquele povo que compreende sua missão e o acolhe; e o faz não se apegando a eles quando “tratavam de reter-lhe” (4,42), dizendo “também a outras cidades tenho que anunciar o evangelho” (4,43ª).
- Jesus é um missionário incansável, zeloso de sua missão
Como missionário itinerante que é, anda continuamente em busca da ovelha perdida onde quer que esta se encontre e por isso sempre está em movimento.
De maneira programática, nesta passagem se lhe vê percorrendo o país inteiro (4,44; para Lucas “Judéia” não indica só a região que conhecemos com este nome, mas todo o país). Jesus sabe que deve chegar a todos os recantos da geografia humana, por isso, não se instala!
- Jesus é um missionário da misericórdia
Porém, a passagem não se ocupa somente em mostrar-nos os espaços e as ações externas de Jesus. Também, no texto de hoje, podemos ver traços distintivos do coração misericordioso de Jesus.
Este é um aspecto que o evangelista Lucas ama destacar:
- Ante o homem submetido pelo demônio, faz o exorcismo com contundência, porém também com sumo cuidado, de maneira que o demônio “saiu dele sem fazer-lhe nenhum dano” (4,35).
- Ante a mulher enferma (a sogra de Simão), Jesus “se inclinou sobre ela” (4,39). Que gesto tão formoso de aproximação ante quem está prostrado!
- Ante a afluência de público (a massa), Jesus não perde de vista o indivíduo, mas que se aproxima à realidade de cada um: “Cada um deles… os curava” (4,40).
- Ante todo o quadro de sofrimento que lhe põem Jesus não sente repugnância, não sente aversão, não toma distância, mas ao contrário, toma contato físico, em uma imensa proximidade à realidade humana: “Ele impunha as mãos sobre cada um deles” (4,40).
Este é o modo como Jesus “passou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com Ele”(At 10,38).
Repassemos agora esta passagem, olhando-nos no espelho de Jesus. O discípulo é chamado a “ser como seu mestre” (6,40b) a viver fundo a missão e trabalhar por sua eficácia. Mas, para conseguir terá que entrar no caminho formativo que inicia amanhã.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Estamos começando o mês dedicado à Bíblia. Que compromisso concreto, faremos para pôr-nos mais em contato com a Palavra de Deus e deixar que esta penetre nossas vidas?
- Como nos descreve Lucas uma Jornada de Jesus? Em que se parece às minhas jornadas?
- Como seguidor que sou de Cristo, sinto a necessidade de anunciar Jesus com palavras e atos? Como tenho feito até agora? Como farei? A entrada de Jesus nos diversos âmbitos da vida do povo gerou profundas transformações. Que transformações gerou a presença de Jesus em minha família, grupo ou comunidade?
QUINTA-FEIRA
Lucas 5,1-11
COMEÇOU A BEIRA DO LAGO
“Duc in Altum!”
“Começou na Galileia”, pregava Pedro em At 10,37. O Evangelho não só tem um ponto de partida no Batismo de Jesus (Lc 3,21-22) ou no discurso na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-22), mas, de modo especial, no chamado dos primeiros discípulos no lago de Genesaré (ou Galileia).
Pode-se dizer, então, que a coisa começou a beira do lago.
Estes e os que virão adiante, são os que se converterão nas “Testemunhas” (24,48; At 1,22; 10,41-42: “testemunhos escolhidos de antemão”) que continuarão sua missão pregando o Evangelho da libertação e do Reino: “a conversão para o perdão de todos os pecados a todas as nações” (24, 47).
Temos então um relato modelo de vocação do testemunho.
O relato tem três partes:
- A pregação de Jesus a beira do lago, desde a barca de Pedro (5,1-3);
- a pesca milagrosa pelo poder da palavra de Jesus (5,4-7); e
- o chamado de Simão Pedro e seus três companheiros, e o começo do seguimento (5,8-11).
O movimento de ida e volta ao interior e à beira do lago é significativo porque gira em torno a duas palavras de poder de Jesus que se colocam ao mesmo nível: “Lançai vossas redes para a pesca” (5,4) e “Não tenhais medo! Doravante serás pescador de homens” (5,10).
A dinâmica do relato impulsiona para a terceira cena: o chamado a beira do lago – com um gesto de perdão – e o começo do seguimento de Jesus deixando para trás as barcas.
Notemos como neste relato vão se descrevendo 5 elementos chaves do discipulado segundo São Lucas:
- Uma pessoa se faz discípula de Jesus depois de ter escutado as palavras, observado as obras poderosas de Jesus.
Diferente do relato paralelo em Marcos, onde a vocação se dá quase de modo súbito, constituindo-se na aventura de seguir alguém a quem ainda não se conhece, o Evangelho de Lucas supõe que o discípulo já tem um conhecimento prévio do Mestre antes de começar a segui-lo.
Também por este aspecto é importante à passagem que lemos ontem: Jesus já havia estado na casa de Simão e este tinha sido testemunha de seu poder sobre o mal quando curou a sua sogra (4,38-39).
Portanto, Simão Pedro já o conhecia. Inclusive, na primeira parte do relato de hoje, vemos como Jesus já tinha contado com Simão ao tomar emprestada sua barca para convertê-la no púlpito de onde prega “à multidão que se juntava em torno dele para ouvir a Palavra de Deus” (5,1b). Ali, também ele teve a oportunidade de escutar o Mestre. Portanto Simão já sabia de Jesus.
Mas, logo vemos como dá um passo adiante: Simão é beneficiado diretamente por Jesus em uma pesca milagrosa após uma longa noite de fatiga infrutuosa: “Mestre, temos estado lutando toda a noite e não pescamos nada; porém, em tua Palavra, lançarei as redes” (5,5).
Neste novo encontro com Jesus, Simão Pedro já não só “sabe”, mas “faz uma experiência” do poder da Palavra do Mestre. Neste contexto, Pedro chama, pela primeira vez, Jesus de “Mestre” (5,5; 8,24.45; 9,33.49; 17,13).
2. Jesus chama pecadores e marginalizados
Depois da pesca milagrosa, Simão Pedro cai aos pés de Jesus por reconhecer que é um pecador: “Afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador” (5,8). Jesus, por sua parte, lhe disse: “Não tenhais medo!” (5,10b). Este “não temas” equivale no contexto a uma declaração de perdão.
Frente à grandeza de Jesus, o discípulo reconhece sua indignidade. Esta consciência do pecado é o ponto de partida correto de um caminho em que se insistirá que “o que se humilha será exaltado” (14,11;18,14; ver o Magníficat).
O reconhecimento do pecado não é impedimento, mas, bem mais que um ponto de partida, é quase um pré-requisito para quem começa a seguir a Jesus. E isto por quê? Porque a vocação situa a história inteira da pessoa dentro do plano salvífico de Deus (5,30).
Acolhe-se o poder salvífico do perdão de Jesus em primeira pessoa, para anunciar, depois, como testemunho, como boa nova, ao mundo inteiro: Jesus veio salvar todas as pessoas subjugadas pelo mal. Jesus Cristo é Senhor do perdão e Simão Pedro, juntamente com os seus companheiros se fazem discípulos do Senhor da misericórdia.
3. O chamado ao discipulado inclui uma responsabilidade missionária
Jesus disse: “Desde agora serás pescador de homens” (5,10). Esta frase tem uma particularidade em sua forma grega que soa assim: “a partir de agora colherás”, quer dizer, se acentua o fato de recolher peixes vivos, o qual equivale a um gesto de salvação.
Portanto, a formação que Jesus oferece ao discípulo quer capacitá-lo para que seja capaz de salvar outras pessoas. Nas passagens seguintes a este relato vocacional este tema se desenvolve em diversas cenas de salvação, até chegar a dizer que o que corresponde ao querer de Deus “salvar uma vida”, é a forma mais elevada de “fazer o bem” (ver 6,9).
Este será o serviço concreto do discípulo. Os discípulos seguem o Senhor no serviço (22,24-27).
4. O discipulado tem a forma de uma viagem junto com Jesus
Neste texto, Lucas acaba fazendo esta anotação: “Levaram a terra as barcas e, deixando-as todos, lhe seguiram” (5,11).
O último verbo é “seguir” (Jesus)
O coração do discipulado é o “seguimento” de Jesus, que não é outra coisa que uma adesão completa mediante a qual se compartilha totalmente a vida do Mestre:
- sua geografia física e espiritual, seus espaços e seus tempos;
- seus êxitos e seus fracassos,
- seus ensinamentos,
- suas obras de poder,
- suas palavras e seus silêncios,
- sobretudo, sua visão de Deus e do mundo, raiz da missão.
O discípulo o acompanhará em tudo perseverando até o fim. No seguimento de Jesus a história pessoal do discípulo entra numa nova dinâmica de vida e com o Mestre vai elaborando um novo projeto de vida. Os discípulos seguem ao Senhor dos caminhos.
5. Aquele a quem Jesus chama deve adotar uma atitude de desapego de seus próprios bens
Para que a adesão de coração ao Mestre seja possível também se requer deixar para trás, tudo o que impede a disponibilidade para caminhar junto com Ele.
Por isso o “seguir” tem como pressuposto o “deixar tudo” (ver 5,11a). Símbolo disto é o gesto de levar “a terra, as barcas” (5,11a), que em nossa passagem descreve o momento no qual os discípulos as tiram completamente da água e as deixam inutilizadas em terra. Com isto se anuncia um novo começo.
Assim como seu Mestre, o discípulo deve ser uma pessoa livre que não se deixa atar por nada nem por ninguém. A renúncia aos bens é a premissa da construção de uma nova hierarquia de valores e de uma nova visão da vida que parte da visão de Jesus.
Por outro lado, sem esta abertura total ao Mestre, deixando para trás as próprias seguranças, não é possível a formação, porque “o vinho novo deve lançar-se em vasos novos” (5,38).
O gesto de desapego, valente e com prontidão, dos primeiros discípulos deixa ver que a renúncia de tudo que prende ao passado, por causa de Jesus, tem valor positivo: indica atitude de abertura total e abandono, de confiança absoluta em Jesus.
É um gesto de amor. Mas também é como firmar uma folha em branco, para que conduza suas vidas pelos caminhos que, como bom Mestre que é, considere pertinentes. Ao “Mestre” (5,5) deve deixá-lo ser “Senhor” (5,8). Discípulo, então, é quem se deixa conduzir docilmente e com o coração livre, pelo Senhor de suas vidas. Com Jesus se reaprende a vida.
Esta página de hoje, e que está na base dos relatos que leremos na continuação, vai além da simples anedota vocacional. Ela deixa claro que todos nós, discípulos de Jesus, devemos voltar, uma vez e outra, a este importante primeiro momento.
Só assim se renovarão nossas vidas e se fará mais intensa a força da missão que nos é confiada, numa robusta espiritualidade da escuta do Mestre que nos chama, constantemente, com sua Palavra viva.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Quais os cinco elementos chaves do discipulado que nos descreve o Evangelho de Lucas?
- Por que a consciência do próprio pecado e o pedir perdão são condições para seguir a Jesus?
Sou consciente de meu ser pecador/a? De que forma peço a Deus o perdão de meus pecados?
- Quais as coisas que possuo pequenas ou grandes, das quais não me desprenderia facilmente?
Que me pede Jesus no Evangelho de hoje a respeito?
SEXTA-FEIRA
Lucas 5,33-39
EM TORNO A JESUS: UMA COMUNIDADE COM CARACTERÍSTICAS NOVAS
“O vinho novo deve guardar-se em odres novos”
Uma vez que Simão Pedro e seus companheiros começam a seguir a Jesus, saem, bruscamente, de seu pequeno mundo do lago e da pesca cotidiana, tratando de responder por suas próprias vidas, para o mundo amplo e cruel da dor humana. No novo e amplo panorama do seguimento os discípulos são testemunhas de como Jesus faz homens novos.
1. A festa da misericórdia
Jesus e os discípulos passam do lago à cidade, onde encontram um leproso, o primeiro marginalizado. Este é reintegrado plenamente a sua comunidade (5,12-14). Logo esta ação se multiplica (5,15) e, apesar da intensidade do trabalho, Jesus nunca perde seus espaços de oração (5,16).
Mas a obra de Jesus vai mais fundo. Jesus reintegra o homem à comunhão com Deus e aos irmãos mediante o gesto do perdão, por isso a cura seguinte está unida ao perdão dos pecados (5,17-26). E isto alcança seu ponto alto quando ao chamar, à sua comunidade, o publicano Levi, Jesus declara abertamente: “Não vim chamar a conversão justos, mas pecadores” (5,32).
Observando este conjunto de passagens lucanas, entre 5,12 e 15,32, vemos como o Evangelho se converte em uma festa da misericórdia: a misericórdia com o leproso, com o paralítico perdoado, com Levi e seus companheiros pecadores. É a festa dos que o médico Jesus salvou, recuperando-os para a vida: “este irmão teu estava morto, e voltou à vida; estava perdido, e foi encontrado” (15,32).
2. A comunidade festiva vista por dentro
Jesus vai além: ao ir ao encontro “dos que estão maus” (5,31), o gesto de salvação é o ponto de partida de uma realidade duradoura: vai formando comunidade com eles. Esta comunidade é diferente, é que sempre está em festa e não encaixa nos parâmetros ascéticos de comunidades já conhecidas, como as de João Batista e os fariseus: “Os discípulos de João jejuam frequentemente e recitam orações, igual os dos fariseus, os teus comem e bebem” (5,33)
A reação dos fariseus e escribas, que acabamos de citar, é muito significativa. Eles notam que em volta a Jesus surge uma comunidade com características novas. Jesus vai responder mostrando que o que está acontecendo é algo profundo: é o bom vinho da alegria do Evangelho que transforma tudo desde dentro. O tema em questão é o jejum que se supõe que os discípulos de Jesus também devem fazer nos dias prescritos como expressão da conversão. Do início ao fim, como acaba de dizer em 5,32, Jesus veio chamar a conversão os pecadores.
Prestemos atenção à maneira como Jesus responde a seus críticos. O faz com três imagens:
- O comportamento dos convidados em um banquete de bodas (5,34-35). Jesus se proclama como o esposo messiânico que inaugura um tempo novo entre Deus e os homens; os discípulos são os convidados ao banquete das bodas. Com a presença de Jesus entre os pobres sofredores e marginalizados inicia o tempo festivo do gozo da salvação, da “alegria do céu” (15,10.32), sinal e realização da esperança transbordada de todos. Sem dúvida, os dias do jejum virão, serão os dias do sofrimento do Mestre. Vêm a seguir duas imagens que tinham por finalidade contrapor o antigo e o novo. O primeiro que se disse é que o antigo e o novo, em princípio, não podem ir juntos; unir um e o outro é arruinar ambos. Desta maneira, Jesus ensina que o apego às coisas e costumes velhos, pode ser algo prazenteiro, porém destrói o novo, o novo que irrompe no tempo a partir de Jesus. Porém, também há outra possibilidade de leitura que convidamos a explorar.
- O absurdo de tentar remendar uma veste velha destroçando uma veste nova (5,36). A comparação poderia apontar também à idéia de não vir a perder os dois: o velho e o novo. Segundo isto, a novidade do Reino não implica rejeição das antigas tradições, mas, tampouco é válido aprisionar-se ao passado, é preciso dar novos passos, sem opor fastidiosas resistências, para o novo. O novo não se sacrifica pelo antigo (para dar gosto a quem está apegado ao antigo), é o antigo o que deve adaptar-se ao novo.
- O absurdo de tentar depositar vinho novo em recipientes já utilizados (5,37-39). A imagem anterior poderia deixar uma ambiguidade a esclarecer com uma nova comparação. Estaria dizendo que tampouco tinha que sacrificar o novo desbaratando o antigo, que deve haver harmonia com a antiga tradição. Jesus termina dizendo: “Ninguém, depois de beber o vinho velho, quer do novo, porque diz: o velho é o bom” (5,39). Esta frase, que é própria de Lucas, coloca o acento no que é “o melhor”. O novo não é necessariamente o melhor, como, tampouco, o velho. O que importa, em última instância, não é o recipiente que o contém, mas o vinho mesmo: o vinho velho antigo é melhor que o novo, isso ninguém duvida, mas este necessita de um recipiente novo, isto tampouco ninguém duvida. Assim é a Boa Nova do Reino.
Sob esta luz, Pedro e seus companheiros compreendem a profundidade de sua vocação para uma vida nova no seguimento de Jesus. A Palavra de Jesus vertida em seus corações gera atitudes novas frente às diversas realidades da vida: “novos” comportamentos, “novos” hábitos distintivos. De nada serve o Evangelho se a novidade não é total e profunda. É a nova ética do Reino de Deus.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Que Jesus nos quer dizer com a comparação que faz do vinho e os odres; do remendo novo em veste velha? Considero-me uma pessoa alegre que procura agir como agiu Jesus?
- Se perguntasse às pessoas que convivem comigo se me vêem alegre, que me diriam?
- Custa-me aceitar o que me pede atitudes, desprendimentos, caminhos novos? Que devo fazer?
SÁBADO
Lucas 6,1-5
Um novo sábado: tempo de graça
“O filho do homem é Senhor do sábado”
A partir de Lc 5,30 iniciam as tensões entre Jesus e seus adversários: “Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores?” e “Os discípulos de João jejuam… mas os teus comem e bebem”.
Na passagem de hoje vemos como o clima de tensão piora: “Por que fazeis o que não é lícito no sábado?” (6,2). A novidade de Jesus e a vida nova dos discípulos seguem causando fortes reações.
Os fariseus consideram a coleta de espigas que os discípulos fazem no sábado (6,1) como trabalhar no campo, como uma colheita; e lhes recordam que isto está na lista das atividades proibidas. Portanto, recordam-lhes que estão infringindo a lei do repouso festivo: “não é lícito” (não é segundo a Lei).
Chama a atenção que aqui, como também em 5,30, os fariseus não se dirigem diretamente a Jesus, mas aos discípulos; contudo, se entende que os discípulos se comportam assim porque foram estimulados pelo Mestre. É assim como notamos que o discipulado gera uma relação tão estreita com o Mestre que esta se envolve em comunhão de vida: comunhão de atitudes e comportamentos.
O discípulo começa a parecer-se a seu Mestre. A recriminação que alguns dos fariseus lhes fazem, vai na direção de declará-los “pecadores”, porquanto se comportam de maneira oposta ao mandado por Deus. Agora, a resposta de Jesus (6,3-5) mostra que não é assim.
A princípio se remete ao comportamento de Davi, o qual é autoritário; logo dá um salto ao anúncio de sua própria autoridade. Vejamos três elementos importantes da resposta de Jesus:
- O critério de discernimento está na Sagrada Escritura: “Não haveis lido…?” (6,3).
O que esta busca é a sintonia do agir do homem com o querer de Deus. Jesus baseia seu comportamento na Escritura, e precisamente quando o acusam de não cumpri-la;
- A Lei não está acima das necessidades humanas: “…Quando (Davi) sentiu fome” (6,4).
A referência infere que a Lei está a serviço das necessidades humanas. Assim entendeu Davi quando fez uma exceção à regra, como narra o episódio de 1ª Sm 21,2-7. Nesta passagem se vê que Davi “comeu e deu aos que lhe acompanhavam” (6,4), quer dizer, Ele estava a serviço dos demais;
- Jesus é o “Senhor”: “O Filho do homem é Senhor do sábado” (6,5).
Em última instância o ponto de referência que importa não é Davi, mas Jesus: ele tem autoridade própria, é “Senhor do sábado”. Portanto, a identidade e o comportamento de Jesus são à base do estilo de vida de seus discípulos. Por isso devem reconhecê-lo como “Senhor” (ver que diz Pedro em 5,8).
Jesus, então, enquanto “Senhor”, tem poder para estabelecer o que está ou não permitido no dia de sábado: o dia que faz a memória da ação criadora de Deus no mundo e, de maneira especial, seu gesto libertador no êxodo, o qual levou seu povo ao repouso da terra. Em poucas palavras: como Deus se ocupa do homem.
De outro lado, em sua resposta, Jesus combate uma interpretação formalista do preceito do sábado da mentalidade farisaica. É assim como entra aqui o tema da liberdade frente à Lei. Os discípulos aprendem que o tema da liberdade está profundamente relacionado com o plano de Deus que Jesus veio cumprir.
Três pontos de referência são importantes: primeiro, a prioridade da vida; Segundo, a prioridade do projeto criador de Deus revelado na Escritura; e, Terceiro, a prioridade do senhorio de Jesus, modelo e inspiração de toda atitude e de todo comportamento do discípulo.
Relacionando com o texto programático de Lc 4,16-22, nesta passagem fica claro que o tempo da graça de Deus, é a boa nova de um agir de Deus atual e profundo que muda a situação de desgraça dos desfavorecidos: “libertação aos cativos… vista aos cegos… liberdade aos oprimidos”.
A liberdade dos discípulos para dispensar-se da Lei sabática mostra o contrário do que os fariseus pensam: os seguidores de Jesus entenderam que estão vivendo novos tempos que o Deus da vida e do amor tinha inaugurado em seu enviado.
Esta é a boa nova da salvação: Deus está preocupado por tuas necessidades! Caminhar junto com Jesus é viver profundamente o sentido do sábado todos os dias.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Dos três elementos importantes da resposta de Jesus aos fariseus qual me chama mais a atenção?
- A novidade de Jesus e a vida nova dos discípulos causam fortes reações.Que aspectos de minha
vida vividos segundo Jesus causam reações nos demais? Se não encontro nenhuma, será que me
falta levar mais a sério o ensinamento de Jesus?
- A vida de compromisso cristão do meu grupo, família ou comunidade, lhes diz algo aos demais?
Que fazer para que nossa vida em Jesus gere mudanças no contexto onde nos encontramos?
Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM