ESTUDO SEMANAL DE 04 A 09 DE FEVEREIRO DE 2019

4ª Semana do Tempo Comum – Ano C

Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM

SEGUNDA-FEIRA:

Marcos 5,1-20

SABER VENCER O MAL

 “Espírito imundo: sal deste homem!”

 

Os Evangelhos destes três dias – ontem, hoje e amanhã – nos apresentam quatro grandes prodígios de Jesus que poderíamos dizer, em ordem de importância:

(1) Jesus que vence as forças da natureza (4,35-41);

(2) Jesus que vence as forças do mal (5,1-20);

(3) Jesus que vence a enfermidade (5,21-34); e,

(4) Jesus que vence a morte (5,35-43).

 

Jesus que vence as forças da natureza (4,35-41), foi o Evangelho de sábado passado, onde vimos Jesus  que acalma a violenta tempestade que já ameaçava virar o barco enquanto Ele dormia.

 

Hoje nos deteremos em Jesus que cura um endemoninhado (5,1-20), vencendo o mal que, com frequência, se aninha no coração do homem. Neste caso trata-se do assim chamado “endemoninhado de Gerasa”.

 

O primeiro que faz o evangelista ao iniciar o relato é uma apresentação bastante detalhada do endemoninhado: quem é o homem, onde vive que haviam feito por ele e qual era seu comportamento. São os cinco primeiros versículos (vv.1-5). Trata-se de um homem com um espírito imundo que tem sua morada nos sepulcros. Como se nos quisesse assegurar que ao estar sob o espírito do mal já está morto e sua lógica morada é o cemitério.

 

Ao que parece já haviam feito muitos esforços para poder dominá-lo e fazê-lo voltar à razão, mas a força do mal é mesmo difícil de dominar. Ademais, ele já havia rompido com seus familiares e semelhantes; inclusive, como adiante diz, nem sequer podia consigo mesmo, pois “dava gritos e se feria com pedras” (v.5).

 

Ante esta situação de incomunicabilidade com os outros e consigo mesmo, é muito lógico que a relação com Deus tampouco funcionaria. O endemoninhado, ao ver Jesus não foge como seria de esperar, mas “corre, se prostra ante ele e diz com forte voz” (v.6). Ao mal só o submete o bem. Fugir não serviria de nada. Prostra-se, porém para reconhecer que ele não tem nada a ver com Jesus; outra relação que se rompeu.

 

A expressão dele revela a identidade de Jesus. Aquela que muitas vezes os próprios discípulos não compreenderam: “Que tenho eu contigo, Jesus Filho de Deus Altíssimo?” (v.7). Satanás o reconhece. E não só isso; a frase que se segue é muito especial e significativa: “Conjuro-te por Deus que não me atormentes” (v.7).

 

Jesus sabe que ante qualquer tipo de mal, o melhor é identificá-lo bem para logo poder vencê-lo. É por isto que lhe pergunta o nome. O demônio lhe responde que seu nome é legião, pois são muitos, e lhe suplica que não os lancem fora da região; preferem ir parar em uma piara de porcos que estava próxima. O mal a todo custo resiste a ser eliminado e prefere seguir subsistindo em uns porcos.

 

Para nós é difícil imaginar dois mil porcos despencando e caindo ao mar. É menos difícil imaginarmos ao endemoninhado como o descreve o texto “sentado, vestido e em são juízo” (15). Isto foi o que encontraram os que chegaram ao lugar, alertados pelos que cuidavam de porcos.

 

De todos os modos, uma situação desta causa muito temor. Assombra o pensamento de que as pessoas, ainda que, constatando o milagre, peçam a Jesus que se afaste da região. Muitas vezes não estamos preparados para reconhecer, nos outros, a ação de Deus e preferimos seguir como antes.

 

Jesus decide partir dali e sobe numa barca. Então, o que havia sido curado pede a Jesus que lhe permita ir com Ele, quer dizer, lhe pede que o deixe segui-lo; porém, Jesus tem para ele outros planos e o texto nos diz: “Não o concedeu” (v.19).

 

Deu-lhe a missão de ser, entre os seus, testemunha de tudo que lhe havia acontecido; tudo que o Senhor havia feito a ele. É uma missão bela, ainda que não seja fácil, devido às circunstâncias anteriores em que se encontrava. De todos os modos, o texto nos diz que assim aconteceu e que ao soar de suas palavras todos ficavam maravilhados.

 

Para cultivar a semente da Palavra na vida:

 

  • Que nos quer dizer Jesus com a cura do endemoninhado?
  • Em que momentos especiais de minha vida, eu tenho constatado que a relação comigo mesmo, com os demais e com Deus tem uma estreita relação?
  • Quando vemos que uma pessoa tem mudado, melhorado suas atitudes, qual é nossa reação e comportamento para com ela?

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA:

 

(Estudo Bíblico)

 

QUARTA-FEIRA

Marcos 6,1-6

A MISSÃO APARENTEMENTE FALIDA DE JESUS

“Só em sua terra, entre seus parentes e em sua própria casa fica sem honras um profeta”        

 

Normalmente, na própria terra, é onde se espera que faça mais, um personagem importante. No caso de Jesus acontece o contrário: enquanto os de mais longe crêem n’Ele, os mais próximos não. Nossa caminhada pelo Evangelho de Marcos nos põe hoje ante uma cena de fracasso missionário. É preciso não perder de vista o fato de que, como já dissemos anteriormente, os discípulos estavam ali com Jesus, portanto, no nosso texto de hoje, há uma lição orientada também ao discipulado.

 

Surge espontaneamente a pergunta: Que fazemos quando nos rejeitam, sobretudo, ali onde mais nos conhecem desde crianças? Como manejamos os fracassos pastorais? Mas, uma pergunta, com certeza, para nós nos dias de hoje é: quem é Jesus para mim? Especialmente, para mim que o aceitei e tento segui-lo e servi-lo desde um certo tempo, para mim que praticamente tenho crescido com Ele?

 

  1. Uma nova iniciativa de Jesus: a missão na sinagoga de Nazaré (6,1-2ª)

 

Marcos começa ambientando-nos, descrevendo-nos o lugar, o dia, os personagens e a circunstância: Lugar: Nazaré, a sinagoga; Dia: Sábado; Personagens: Jesus, os discípulos e os participantes no culto na sinagoga; Circunstância: um culto sinagogal.

 

Além destes dados, há algo notável: que Jesus toma a iniciativa de ir evangelizar a quem o conhece desde menino.  Antes era a multidão que vinha a ele a buscá-lo, escutá-lo e pedir-lhe ajuda. Jesus tem vontade de falar a sua gente. Sublinhamos algumas iniciativas desta ação missionária:

  • Saiu dali…” (6,1ª): Termina a grande atividade de Jesus realizada entre as duas orlas do lago, a pregação em parábolas e os quatro milagres (4,1-5,43). Agora Jesus volta “a sua pátria”;
  • “Veio a sua pátria…” (6,1b): Não se menciona, expressamente, Nazaré. Este regresso se liga com a cena anterior e à cena em que seus parentes vieram buscá-lo para levá-lo para casa e Ele não os atendera, os havia deixado na porta (3,21.31-35);
  • E seus discípulos lhe seguem” (6,1c): Jesus não é levado, Ele vai espontaneamente para a sua pátria, e vai com seus discípulos: “seus discípulos lhe seguem” (6,1c);
  • “Se pôs a ensinar na sinagoga” (6,2ª): Jesus não volta para a atividade em Nazaré (carpintaria), mas vem como um Mestre rodeado de seguidores e que ensina na sinagoga. Por realizar o que havia feito, é que o consideraram louco e tiveram que preocupar-se com Ele;

 

Tenhamos presente que esta é a última visita de Jesus a uma sinagoga em dia sábado, segundo o evangelista Marcos. A partir daqui mudará a estratégia missionária.

 

  1. A reação dos conterrâneos de Jesus (6,2b-3)

 

Podemos ver nesta secção, por parte das pessoas:

 

  • A admiração inicial: A reação do povo ante a pregação de Jesus é “maravilhar-se”. Isto coincide com o ocorrido na primeira pregação na sinagoga de Cafarnaum (1,21-28). Sem dúvida, se dá, aqui, notável diferença: enquanto em Cafarnaum o povo reconheceu a novidade e a autoridade de seu ensinamento (1,22), demonstrada na vitória sobre os demônios (1,27b), aqui seus próprios conterrâneos são incapazes de ver nele alguém mais que o carpinteiro que sempre viam; escandalizam-se de Jesus.

 

  • A atitude de indiferença: Jesus é recebido sem nenhum apreço. A maneira de referir-se a ele deixa isso muito claro: sem mencionar seu nome, mas com um simples “este”.

 

  • Os questionamentos: Em Nazaré não há fé, só questionamentos. Concretamente, são cinco. As primeiras três são perguntas verdadeiras sobre a origem e a natureza do ensino e obra de Jesus (6, 2c): de onde provêm; de que tipo é seu ensino e milagres. As duas bases do ministério de Jesus são, precisamente, o ensinamento e os milagres. O problema é a origem de seus conhecimentos e de seu poder (tal como acontece em 11,28): É um enviado de Deus? Ou é só obra humana, ou, inclusive, do diabo? As demais são perguntas retóricas, que expressam alguns dados relevantes, para eles, da pessoa de Jesus (6,3): se é o carpinteiro; o filho de Maria; seus irmãos são conhecidos. Isto é tudo o que conhecem de Jesus. Só sabem um aspecto de Jesus. Isto explica por que são incapazes de responder a primeira série de perguntas.  Em suma, Jesus pode haver impressionado com seu ensinamento, porém não conseguem captar nele a realização de uma missão divina.

 

  • O escândalo: O bloqueio ante a pessoa de Jesus resume Marcos nesta frase: E se escandalizavam por causa dele(6,3b). O certo é que se negam a crer em seus ensinamentos e obras, não o reconhecem como o enviado de Deus. Esta reação é curiosa, não se dá o passo de fé, mas o que não se espera é que se desate um comportamento agressivo contra Jesus (como ocorre em Lc 4,22-31). É certo que não o ameaçam de morte (como em 3,6), mas, tampouco levam a sério sua missão.

 

  1. A consequência da rejeição em Nazaré: nova estratégia missionária de Jesus (4-6)

 

O sujeito das ações da última parte desta passagem é Jesus: fala-lhes; não pode fazer milagres; se admira; e continua sua missão nos arredores de Nazaré.

 

  • Jesus se mantém em sua reivindicação de ser enviado de Deus (v.4): Contrapõe-se a seus conterrâneos afirmando que é, realmente, o enviado de Deus: se autodenomina “Profeta”. O dito que cita é um modo de confirmar o que sustenta. O dito citado faz referência ao ato de que os mais próximos humanamente (notar a tríade: “pátria–parentes–casa”) são os que menos se interessam no valor de uma pessoa. É o que ocorre nesta parte do Evangelho, exatamente, depois das belas cenas de ensino e milagres dos dois capítulos anteriores, os habitantes de Nazaré, parentes e conhecidos de Jesus deveriam estar orgulhosos da grandeza de uma pessoa de sua terra. Porém não acontece assim, não há aplausos nem reconhecimentos, pelo contrário, o fato de que creem conhecê-lo tanto é o que provoca a rejeição. Jesus se coloca na lista dos profetas rejeitados pelos de seu mesmo povo, assim como se passou a Jeremias com seus compatriotas de Anatot: “De fato, assim disse Yahweh no tocante aos de Anatot, que buscam minha morte dizendo: não profetizes em nome de Yahweh, senão morrerás por nossas mãos” (11,21). Também ele, Jeremias, se encontrou com a dureza de sua própria família: “Porque, inclusive teus irmãos e a casa de teu pai, esses também te traíram e a tuas costas gritaram. Não te fies deles quando te digam formosas palavras” (12,6).

 

  • Jesus é rejeitado, mas não deixa de servir (v.5-6a): Jesus se depara com a rejeição. Derivam-se duas consequências imediatas: não pode realizar sua missão; Jesus se surpreende da atitude: a expectativa é a da resposta positiva, por isso “surpreendeu-se de sua falta de fé”. Mas Marcos faz notar que o bloqueio em forma de incredulidade não é total: se limita ao “ali”. A Jesus fica um espaço bem maior para sua missão. O fracasso é localizado, não é geral. Isto confirma o fato de que efetivamente “curou a alguns poucos enfermos. Jesus não obriga a crer a quem não quer, porém sua mão permanece estendida para quem deseja acolher seu poder (como em 1,45;8,4;9,22;15,31). Desta forma segue sendo esperança dos enfermos e necessitados. Ainda nos lugares onde Jesus é duramente rejeitado, não deixa de oferecer nunca o que tem para dar.

 

  • Jesus abre um novo espaço missionário (6,6b): Como se notou, as portas se fecham para Jesus, porém não todas. A rejeição de Nazaré é ocasião para realizar sua missão entre os povos próximos. Neste momento se pressupõe que, como leitores, nós recordamos tudo o que acontece em uma missão de Jesus. Esta missão do Mestre vai se converter, no próximo episódio, como uma força centrífuga, no ponto de partida da missão dos apóstolos, os mesmos que nesta ocasião foram testemunhas diretas de rejeição do Mestre.
  1. Cultivemos a semente da palavra no coração

                                                                              

  • De que forma havia recebido Jesus, anteriormente, quando ensinava na sinagoga? Qual havia sido a atitude dos parentes de Jesus em 3,21?
  • Como se explica que Jesus tenha sido recebido com indiferença em Nazaré? Qual é o ponto de vista de Marcos? Que estão querendo dizer as cinco perguntas que traçam sobre Jesus?
  • De que maneira enfrenta Jesus esta adversidade? Que passos dá? (enumere). Os discípulos de Jesus aparecem desde o começo da cena. Quais são as lições para o discipulado que se desprendem deste episódio difícil do ministério de Jesus?

 

 

 

QUINTA-FEIRA

Marcos 6,7-13

UMA MISSÃO EFICAZ AO ESTILO DE JESUS

“Deu-lhes poder sobre os espíritos imundos”

 

Lemos hoje o relato do envio missionário dos doze. A obra salvífica, expressão da realização do Reino, realizada por Jesus nos capítulos precedentes do Evangelho de Marcos, é continuada por aqueles que foram escolhidos pelo Mestre. Já se havia anunciado programaticamente: “Instituiu doze, para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar com poder de expulsar os demônios” (3,14).

 

Marcos expõe esta página do Evangelho depois de apresentar-nos sumariamente Jesus realizando a missão:       “E percorria os povoados circunvizinhos ensinando” (6,6b). Em seguida, seguindo um esquema triparte nos põe ante a missão dos doze: (1) Jesus os chama e os envia revestindo-os de poder (6,7); (2) Dá uma série de instruções para a realização eficaz da missão (6,8-11); e (3) Assistimos também de modo sumario a realização da missão dos discípulos (6,12-13).

 

Temos então uma página que justapõe fortemente a missão de Jesus e a de seus apóstolos. A missão parte de Jesus e segue as orientações que ele mesmo dá; os missionários atuam com a mesma autoridade recebida do Mestre. A missão da Igreja sempre se mira e se confronta neste espelho. Entrando nesta escola de missão, releiamos algumas da série de indicações que há que ter em conta quando se vai em missão:

 

  • Começou a enviá-los de dois em dois” (6,7) Jesus quer que seus apóstolos trabalhem em equipe. São enviados em par, como os embaixadores oficiais dos tempos antigos. O andar dois em dois, que em princípio significa “testemunho”, aponta a necessária complementaridade de carismas, ao apoio mútuo que os missionários se oferecem e inclusive à correção fraterna para que a missão não perca credibilidade. Os missionários terão que pôr-se de acordo, isto é, fazer projeto. Visto que a missão aponta para a formação da comunidade, eles, desde o princípio, darão exemplo de convivência fraterna segundo os valores do Reino.

 

  • Ordenou-lhes que nada tomassem pelo caminho…” (6,8ª) Muita gente não se lança à missão por medo, geralmente por não se sentir preparada ou não crer contar com os recursos necessários. Ao dizer aos seus apóstolos que não se preocupem pelo que têm que levar, Jesus lhes infunde confiança e os lança à aventura. Os missionários aprenderão a apoiar-se todo no Deus providente que os assiste: o Pai, origem última da missão. Também confiarão em seu povo, aguardando sua hospitalidade. Assim se inserem a fundo na vida das pessoas que evangelizam: convivendo com ela são portadores de esperança sem afastar-se da vida cotidiana.

 

  • Senão: ‘Calçados com sandálias e não vistais duas túnicas’” (6,9) Importa muito o modo como os missionários se apresentam diante das pessoas. Inclusive seu hábito externo é significativo: eles vão pobremente, mas com dignidade, por isso as sandálias. A outra túnica que Jesus menciona não é tanto a de trocar, mas a que se põe por cima para incrementar a aparência. A simplicidade é critério fundamental pois o que deve atrair a atenção das pessoas é a mensagem e não o mensageiro.
  • Quando entrem em uma casa, ficai nela até marchar dali” (6,10): O lugar de referência da missão é a “casa”: o ambiente familiar. Quando uma casa se abre ao Evangelho, o missionário não a deve abandonar, mas acompanhar até que dê passos de crescimento e maduração. Quando se começa uma comunidade, esta se torna “base de operações” para criar outras. Na primitiva Igreja sabemos que aos poucos se ia criando uma “rede” de casas. Por isso a perseverança do missionário em sua comunidade é importante, se bem que não tira a liberdade para partir.

 

  • Se não vos recebe e não vos escutam, saí dali sacudindo o pó da planta de vossos pés em testemunho contra eles” (6,11): Nunca faltam os conflitos, não é verdade? O missionário deve saber manejar os problemas que surgem. Jesus aqui se refere ao ambiente de hostilidade e de rejeição que se cria em uma missão. Mas também neste caso a conduta do missionário deve adequar-se à resposta que recebe sua presença e trabalho.

 

Do missionário se espera que confie na capacidade das pessoas para entrar em um processo novo, porém quando isto não acontece tampouco deve desanimar-se; é o que na cena anterior ocorreu a Jesus em sua própria terra, ali Jesus “se maravilhou de sua falta de fé” (6,6ª) e seguiu adiante com a missão “percorrendo os povos vizinhos” (6,6b).

 

O sacudir o pó dos pés não é uma afronta, com raiva, contra o povo renegado, mas uma declaração de que não participará no destino fatal que se estão ganhando com sua obstinação. É um gesto profético que adverte claramente que o que estão fazendo é grave.

 

É assim, escutando e pondo em prática a maneira como Jesus quer que se faça a missão, como se veicula a autoridade do Mestre sobre o mal que dobra ao homem, abrindo espaço para o acontecer do Reino e constatando sua eficácia através das mãos simples dos missionários: “expulsavam muitos demônios, e ungiam com azeite a muitos enfermos e os curavam” (6,15).

 

Para cultivar a semente da Palavra no profundo do coração:

 

  • Explique duas das recomendações que Jesus dá a seus apóstolos que mais lhe chamaram a atenção?
  • Tenho tido alguma vez conflitos na missão? Como os tenho resolvido?
  • Como podemos como família ou em comunidade, viver estas recomendações que Jesus nos faz hoje?

 

 

 

SEXTA-FEIRA

Marcos 6,14-29

O CONTEXTO CONFLITIVO DA MISSÃO

 “Quero que agora mesmo me dês, em uma bandeja, a cabeça de João batista”

 

Marcos interrompe a narração da missão dos doze para introduzir a da execução do Batista. A razão pela qual Marcos escolhe este momento para introduzir a morte João Batista é porque todo discípulo deve saber que a missão do Reino ocorre em meio a conflitos, perseguições e não se exclui o martírio.

 

  1. A evangelização toca as estruturas políticas corruptas (6,14-16)

 

Marcos inicia dizendo: “O rei Herodes ouviu falar dele, pois seu nome se tornara célebre” (6,14). O rei galileu estava atento ao que estava suscitando com o movimento de Jesus. O fato que na corte de Herodes Jesus não é um desconhecido. Sua pregação se torna incômoda ao rei, que sabe de Jesus, mas não consegue entender sua identidade. O que acontece a Jesus reviva o ocorrido com João Batista, que também havia feito tremer seu trono. Para o rei Herodes, Jesus não parece ser indiferente. O mesmo para sua corte: Jesus é uma ameaça.

 

Em 3,6 se havia dito que a primeira ameaça de morte de Jesus partiu de um grupo de herodianos unidos aos fariseus. É assim como a pregação profética de Jesus e seus discípulos chegam até as estruturas do poder político e causa estremecimento.

 

O medo do “profeta”: Herodes escuta uma versão popular acerca da identidade de Jesus: Alguns diziam: ‘João Batista ressuscitou dentre os mortos e por isso atuam nele forças milagrosas’(6,14). A Herodes a notícia de uma espécie de “fantasma” de alguém que o comoveu profundamente.

 

Herodes tinha respeito e admiração por João: (6,20). Antes João comporta-se como verdadeiro “profeta” (6,15). A conclusão repentina à que chega Herodes trás à luz a história de um erro: “Aquele João, a quem eu decapitei, esse ressuscitou” (6,16).

  1. A morte de João (6,17-29)

 

As respostas das pessoas e de Herodes sobre a identidade de Jesus são corrigidas pelos discípulos em missão. Mas é ocasião para que nos inteiremos da morte de João: “É que Herodes…” (6,17).

 

O motivo do rei: A morte de João ocorre aparentemente por uma denúncia de imoralidade: (6,18), dizia João a Herodes. Porém como enfoca o relato de Marcos, a morte de João parece dever-se mais a um erro do rei, que é incapaz de retratar-se depois de um juramente realizado durante um momento de alta emoção, caindo assim sob a intriga de duas mulheres. Quase que, do ponto de vista do rei, o mata por matá-lo: não há argumento. Herodes aparece reunido com os nobres de sua corte, os oficiais de seu exército e os líderes políticos da Galileia (6,21). É uma ocasião importante: o aniversário do rei. Na festa entra a bailarina que determina a sorte do profeta: “Dançou e agradou muito a Herodes e aos convivas” (6,22). O rei perde os estribos.

O erro do rei: O rei faz algo que não deve fazer: “Te darei o que me pedires, até a metade de meu reino” (6,23). O rei não pode fazer esse oferecimento e muito menos com juramento público e oficial. Então vem o conhecido: a jovem consulta a sua mãe e cai à cabeça de João Batista, de quem ela não podia suportar suas denúncias. Em meio de tudo vemos uma paródia dos métodos vergonhosos para tomar decisões em uma corte: há interesses pessoais, cobiça, vingança, intriga. Dessa forma se cometem muitos erros. O pior: se pisoteia uma vida humana para salvar o prestígio do rei.

 

Muito mais que uma anedota

 

O fato de que a execução de João, o batista, se realize mediante decapitação é significativo. Herodes negocia a “cabeça”, que no mundo antigo é símbolo da honra de uma pessoa, do profeta para proteger a integridade de seu juramento realizado em um momento emotivo, talvez ébrio. Claro, há também outras versões.

 

Na literatura do século I dC, o historiador Flávio Josefo nos deixou seu ponto de vista a respeito: “Herodes decidiu que seria muito melhor cortar o mal pela raiz e livrar-se dele antes que sua obra arrastasse à população a um levante, que esperar uma insurreição que provocasse uma situação difícil e se constatasse seu erro” (“Antiguidades Judias”, 18,2). Quer dizer que, segundo este historiador, a execução se devia ao medo que Herodes tinha do movimento provocado pelo Profeta Batista.

 

De qualquer forma, a leitura de hoje nos mostra como o Evangelho também entra no mundo complexo da política, não para dar pontos de vista, mas para questionar a honestidade do coração humano. Se um político não é reto, se não tem controle de si mesmo, se não toma posturas firmes no campo dos valores, o país inteiro está em perigo e é indigno de seu cargo. É assim como nosso texto denuncia como atrás da arrogância de um rei o que se esconde é uma grande estupidez.

 

Para cultivar a semente da Palavra no profundo do coração:

 

  • Até onde chega a pregação do Reino no Evangelho de hoje?
  • Que importância tem na evangelização de hoje?
  • Que diz (ou me diz) o relato de hoje a quem exerce algum cargo de autoridade? Que se exige?

Como minha comunidade está chamada a ser presença profética no contexto no qual vivemos?

 

 

 

SÁBADO

Marcos 6,30-34

O PASTOR EDUCADOR: NUTRIDOS PELA PALAVRA DO MESTRE

“Sentiu compaixão deles, pois estavam como ovelhas sem pastor”

 

Hoje estamos ante um texto maravilhoso que desenha um precioso quadro que retrata Jesus como Pastor de sua comunidade de discípulos-apóstolos e de todo o povo de Israel.

Hoje no centro de nossa atenção está à pessoa de Jesus, dele contemplamos sua pressa, sua capacidade de convocação, sua liderança, sua resposta acertada a cada um dos desafios que vão aparecendo em seu caminho. Tudo e todos convergem a Ele, fora d’Ele não há caminho, nem projeto.

 

Em torno ao Mestre-Pastor se congregam dois círculos concêntricos, dois espaços comunitários que tendem a ser um (veremos próximo domingo), aos quais lhes oferece a atenção particular que requer:

  • A comunidade estreita dos “apóstolos” (os doze) que “está” permanentemente com Jesus e regressa de sua primeira experiência missionária;
  • Um amplo grupo de pessoas, “vindas de todas as cidades”, as quais são resgatadas de sua “dispersão” e se convertem em comunidade na escuta unânime da Palavra.

 

Os primeiros estão em uma etapa mais avançada de vida comunitária, é a “comunidade modelo” no Evangelho, e sua tarefa será continuando as ações e o estilo do Mestre ajudar os segundos a viverem plenamente seu discipulado formando uma só comunidade no projeto comum de Jesus. O texto é breve, porém em cada frase se vai dando uma pincelada que descreve com uma grande força e profundidade o rosto de Jesus Pastor que forma em torno a Ele uma comunidade que é vivificada por seus dons.

Neste domingo se põe de relevo o dom de sua “Palavra” (a que dirige a seus discípulos-apóstolos e à multidão na grande liturgia da Palavra a beira do mar da Galileia), o próximo domingo se porá em primeiro plano o dom do “Pão” (no relato da multiplicação). Porém não o percamos de vista: a comunidade começa com a escuta da Palavra.

Guiar e formar é a primeira resposta de Jesus às necessidades de sua comunidade. Vemos realizadas assim as palavras do Salmo 23,2b-3: “Pelos prados de ervas frescas me apascenta. Para as águas de repouso me conduz. Restaura minhas forças. Guia-me por sendas de justiça, por graça de seu nome”.

Com as pistas que demos inicialmente e observando os grupos de personagens que aparecem no texto, podemos distinguir duas partes no texto: (a) vv.30-31: A comunidade apostólica em torno a Jesus Pastor; e (b) vv.32-34: As multidões vindas das cidades em torno a Jesus Pastor.

 

A comunidade apostólica em torno a Jesus Pastor (vv.30-31)

 

Os apóstolos regressam da missão e devido o fluxo de gente, Jesus lhes propõe que se detenham a repousar em um lugar separado. Notemos que o centro da cena é Jesus:

  • em torno a Ele se reúnem os missionários;
  • a Ele lhe reportam tudo o que hão falado e feito;
  • Ele toma a iniciativa de leva-los a parte a descansar.

Os apóstolos não deixam de ser discípulos, o Mestre segue conduzindo-os para indicar-lhes não só a forma de fazer a missão, mas o que fazer também depois dela.

O regresso dos apóstolos (v.30)

 

Como já notamos, Jesus é o centro da comunidade apostólica. Os discípulos, que regressam fatigados da missão, se congregam em torno ao Mestre e lhe contam os detalhes da missão vivida. Com relação ao “congregar-se”, no texto grego se nota uma verdadeira reunião, um “estar juntos”, uma experiência comunitária a qual se lhe dá valor. A comunidade corre o risco de dispersar-se nas diversas tarefas apostólicas e perder seu centro, o que hoje poderíamos chamar o “calor do lar”.

Para que se veja a importância disto, se vai mais adiante, em Mc 6,45, ao fim da multiplicação dos pães, à simples, mas precisa anotação “obrigou seus discípulos a subir na barca”, Jesus pressiona aos discípulos para que evitem uma das tentações apostólicas mais frequentes: é mais fácil ficar com o povo recebendo os aplausos, que estar na comunidade fraterna, onde eventualmente se vivem confrontos.

 

E o ambiente da reunião que menciona Marcos devia ser gozoso. Em Lc 10,17, fala explicitamente de uma reunião festiva. Porém Marcos prefere acentuar o fato de que o conteúdo da reunião com Jesus foi à narração das vivências na missão “tudo o que haviam feito e o que haviam ensinado”.

“Tudo” é tudo. Supõe que nada se oculta a Jesus, tudo se converte em tema de oração, o coração se abre sem dissimulação. Além do mais, este “informe” –realizado no diálogo fraterno- é uma expressão da “responsabilidade” do missionário com aquele que o enviou. Os dois verbos que descrevem a missão apostólica, “fazer” e “ensinar”, recordam que a missão não consiste só em “palavras”, mas, também, em ações transformadoras que realizam o que anuncia a pregação.

 

Recorda-se, também, que o ensino dos apóstolos tem a sua raiz na vida de Jesus e que a sua ação corresponde, pontualmente, ao encargo recebido de “pregar a conversão” (6,12) e fazer ações libertadoras do mal e restauração das pessoas (“exorcismos e curas”, 6,13). Nesta primeira parte, Jesus simplesmente escuta, acolhe o que os discípulos lhe apresentam. Porém vem em seguida sua reação.

O convite a descansar (v.31)

 

Neste Evangelho, Jesus não se pronuncia (fazendo algum tipo de valorização) sobre a notícia dos discípulos, já que se tem dado por certo que entre o Mestre e os discípulos há uma estreita comunhão.  Neste Evangelho Jesus dá um passo adiante, inédito com relação aos outros evangelistas, para indicar-lhes o que devem “fazer” imediatamente depois da missão. A palavra de ordem agora é “descansar”.

 

“Para descansar um pouco”. Trata-se do repouso da fatiga da missão.  Recordemos que o Jesus de que descreve o Evangelho de Marcos é um missionário que conhece poucos repousos, razão pelo qual alguns o tem qualificado de “hiperativo”; e ao mesmo ritmo vão os discípulos. Este retrato de Jesus e comunidade reflete a intensidade com que a Igreja, desde suas origens, assumiu a missão. Porém, atenção! Jesus também disse uma palavra sobre o descanso.

 

Sua palavra sobre o descanso faz eco a uma frase do Salmo 23 onde domina a atmosfera do repouso: por prados de fresca erva me apascenta (v.2). Para quem peregrina na geografia palestinense, na paisagem caracterizada pelo calor e a aridez dos campos queimados pelo sol inclemente, esta frase é forte.  Neste caminho se tem um pouco de água que mata a sede, de alimento que restaura a força, de fresca brisa que reconforta. Tudo isto está contido no “descansar” e é a esta deliciosa experiência que Jesus convida seus discípulos.

 

Jesus, então, se está comportando como bom pastor de seus discípulos. O pastor “competente” é o que conhece os lugares secretos e as rotas seguras para levar seu rebanho ali onde há frescura, erva abundante e água pura. Ali o rebanho se recosta satisfeito e sereno, sob o olhar amoroso do pastor. Não é este o conteúdo do convite de Jesus a seus discípulos?

 

Se isto é assim, então, as palavras de Jesus vão muito mais além da proposta de uma escala técnica em meio da missão. Más, se trata de um profundo ensinamento sobre o ritmo de vida do missionário. Poderíamos dizer que este consiste em um entrar constantemente na presença de Deus desde a presença da sociedade e sair da presença de Deus à presença dos semelhantes.

 

Vamos a explicar. Não é por casualidade que Marcos tem colocado a motivação principal do descanso: “Pois os que iam e vinham eram muitos, e não lhes ficava tempo nem para comer” (v.31b).

 

Daí podemos tirar duas lições sobre a vida do missionário, uma em positivo e outra em negativo:

Em positivo:

O fato de os discípulos não terem tempo “nem para comer”, em meio das muitas tarefas, deveria ser um motivo de orgulho (no bom sentido), já que assim lhe acontecia também ao Mestre (3,20: “Voltar a casa. Se aglomera outra vez à multidão de modo que não podiam comer”). Dai que o sentir-se fatigado pelas tarefas apostólicas indique um bom nível de sintonia com Jesus.

Em negativo:

E como já se anotou antes, não é bom deixar-se absorver pelo “corre corre” apostólico. No equilíbrio de vida deve vencer duas tendências erradas:

  • Perder nossos espaços. Como assumir as cargas da vida se não temos contato com o Senhor da Vida e se não temos espaços pessoais para fazer uma apropriação do projeto que Ele tem para nós?
  • Retirar-nos demasiado. Que fazer para que a oração não seja o entrar em um espaço cômodo que nos afasta dos conflitos com os demais? Que fazer para que a comunhão com Deus não seja um evitar a comunhão com os demais, mas um preparar-nos para ela? A verdadeira oração sempre deve desembocar na ação comprometida com os irmãos!

As duas tendências se pode superar se também “seguimos” Jesus em seu modo de enfrentá-las e vencê-las. Jesus tinha Deus sempre no centro de seu ministério, o encontrava na oração e também em suas atividades.

 

Desde seu primeiro dia de “seguimento” os discípulos receberam do Mestre uma lição sobre o equilíbrio de vida do missionário: após um dia intenso de trabalho “de madrugada, quando ainda estava muito escuro, se levantou, saiu e foi a um lugar solitário e ali se pôs em oração” (1,35;1,45), e depois disso disse “Vamos a outra parte… a fim de pregar também ali ” (1,38).

 

Jesus não pede aos discípulos nada que não haja feito primeiro. Por isso, Jesus ao final desse dia, após a multiplicação dos pães, realiza o que havia proposto quando os convidou a estar “a sós”: “Depois de despedir-se deles, foi ao monte a orar” (6,46).

Jesus é o modelo. Ele sabe estar na presença de Deus e na presença da sociedade, sem perder o centro nem a força. Por este caminho de missão e oração, de expansão e concentração, de trabalho e descanso, o seguem seus discípulos.

 

As multidões vindas das cidades em torno a Jesus Pastor (vv.32-34)

 

Jesus e seus discípulos marcham com o propósito de realizar o plano proposto no v.31. E em seguida notamos uma dupla correria: a da comunidade apostólica, na barca e a das multidões, a pé, pela beira do mar.

O povo, que capta o propósito de Jesus (“muitos caíram em conta”), se antecipa ao Mestre para que prolongue, todavia um pouco mais –antes do descanso e a oração- sua missão em meio deles. A tomada de distância termina ao contrário: uma monumental jornada missionária.

A viagem de Jesus e os apóstolos (vv.32-33)

 

Encontramo-nos ao norte do lago da Galileia. Nesta parte (onde está Magdala, Genesaré, Cafarnaum e Betsaida), o lago tem uns seis km – se o atravessamos em barca em linha reta – e uns quinze km – se o atravessamos por terra seguindo as bordas.

 

Esta desproporção se explica pelo fato de que a costa norte do lago está cheia de enseadas profundas, cujas entradas e saídas triplicam sua longitude. O curioso é que, quando não há brisa favorável as proporções se invertem e o caminho terrestre torna mais curto, e isto poderia explicar por que as multidões chegam primeiro que Jesus ao lugar onde iam descansar (que, pelo visto, não era secreto; até nisso Jesus era conhecido).

 

Enquanto o evangelista Marcos se limita a dizer de maneira vaga que se foram “a parte, a um lugar solitário”, tanto Lucas (“a Betsaida”, Lc 9.10) e João (“ao outro lado do mar”, Jo 6,1) são mais precisos. A amplitude de Marcos permite que se destaque que o essencial é estar a sós com o Mestre, o mapa do discípulo é o caminhar de Jesus, o ponto de referência é Ele mesmo.

 

O fato de ir juntos na mesma barca, no espaço apertado e em meio do calor humano que esta provoca, isto é, o estar juntos (como nos espaços comunitários na barca em 5, 21.24.27.30.31) é  o que conta. O recolhimento é “juntos”. O retiro não é um afastamento da comunidade, mas apenas uma tomada de distância da atividade missionária.

Frente à comunidade, já compacta, dos doze, se coloca agora o quadro de uma multidão que começa a fluir de “todas as cidades”. Chama a atenção, a ênfase no urbano, que é o espaço onde o tecido social soa ser mais forte. Porém estas “cidades” não parecem ser “comunidade”, já que Jesus os vê “como ovelhas que não tem pastor” (v.34).

 

Porém aqui não só há uma lição sobre a solidão e a dispersão que se vive no mundo urbano, mas que se aponta ao fato de que a missão de Jesus é universal (como se mostra também em 3,7-8 e 6,53-56): todos os homens e sua realidade toda são o centro de atenção da obra de Jesus, nada nem ninguém está fora de seu agir salvífico.

Toda esta multidão de gente que “corre” ao encontro de Jesus porque amava o que Ele lhes podia dar, logra seu propósito: chega primeiro que a barca; e assim, o lugar “solitário” se converte no lugar das pessoas “sós” (“como ovelhas que não tem pastor”) que necessitam ser congregadas.

O encontro de Jesus com as multidões (v.34)

 

Jesus desce da barca e se encontra com a multidão. Notemos que Jesus não se incomoda pelo fato de ver invadida sua intimidade, mas que se comove e os convida, os faz parte da comunidade.

Ponhamos nossa atenção nas ações de Jesus: “vê” as multidões; “sentiu compaixão deles”; e “se pôs a ensinar”.  Há um movimento interno na pessoa de Jesus, que é exemplar para o discípulo e missionário: captar a realidade; apropriar-se; e responder a ela.

 

O que Jesus vê e se apropria se sintetiza na frase “estavam como ovelhas que não tem pastor”. Que acontece a uma ovelha sem pastor?

Vai lhe acontecer uma destas três coisas:

  • Não pode encontrar o caminho. É claro que sozinhos, nos perdemos na vida. Como escreveu uma vez Dante: “Despertei no meio do bosque, e estava escuro, e não se via nenhum caminho”;
  • Não pode encontrar pastos nem água. É claro que enquanto estamos nesta vida, temos que buscar constantemente o sustento para recuperar as forças. O problema é que buscamos onde não é e por isso andamos insatisfeitos, com o espírito em jejuns, com o coração inquieto;
  • Não tem defesa frente aos perigos que a espreitam. Uma ovelha sem seu pastor está perdida frente aos perigos: os ladrões, as feras. É claro que tampouco nos bastamos a nós mesmos frente aos perigos da vida, necessitamos dos outros e deste Outro em particular que é Deus.

Esta frase, “como ovelhas sem pastor”, vem de uma essência espiritual mais profunda do que parece a primeira vista. Evoca outra já conhecida na Bíblia.

Vejamos completa para que captemos o contexto: “Falou Moisés a Yahweh e lhe disse: “Que Yahweh, Deus dos espíritos de toda carne, ponha um homem ao frente desta comunidade, alguém que saia e entre diante deles e que os faça sair e entrar, para que não fique a comunidade de Yahweh como rebanho sem pastor (Nm 27,15-17; e ecos desta frase encontramos em 1 Re 22,17; 2 Cr 18,16; Jd 11,19; Ez 34,5-6).

Moisés pedia a Yahweh um sucessor, um como ele, capaz de conduzir o povo até a terra, alguém capaz de congregar o povo entre si e com Deus, um homem com coração de povo e com coração de Deus, um homem de aliança. Por isso, Marcos nos está deixando entender que Jesus é essa pessoa que o povo estava esperando, aquele que encarnaria a pressa pastoral de Deus com seu povo de Israel (como o descreve belamente: Gn 48,15; Is 40,11; Jr 31,10 e o Sl 23).

 

Moisés e Davi foram os pastores “fieis” do povo de Israel, porém Jesus supera a todos eles porque é o pastor dos tempos definitivos (Jr 23,4), que forma realmente o povo de Deus, que gera a fundo a comunhão entre os homens e com Deus (Mc 14,27-28 e 16,7), fim último de toda a história da salvação e destino da história.

 

O pastoreio de Jesus tem sua raiz na “misericórdia”: “Sentiu compaixão deles”. Jesus está convidando totalmente desde o fundo de seu ser na missão (ver traços da misericórdia de Jesus no Evangelho de Mc em 8,2 e 9,22). Ele encarna o pastor no Sl 23: “Bondade e amor me acompanharão todos os dias de minha vida” (v.6).

 

O termo que acabamos de traduzir por “amor” corresponde ao hebraico “Hésed”, que significa “fidelidade amorosa”, o qual pertence ao vocabulário da misericórdia na bíblia hebreia.

 

Encarnado na pessoa de Jesus, que interpreta esta “fidelidade amorosa” do Deus companheiro e amigo de seu povo, nos permite compreender a grandeza do amor de Deus: Ele caminha solidariamente ao lado dos seus, compartilha suas alegrias e seus contratempos, seu amor não para nunca e acompanha a todo homem no arco inteiro de sua existência.  Esta é a “compaixão” do pastor, que em realidade é sua “fidelidade”.

 

E foi assim como Jesus “se pôs a ensinar-lhes muitas coisas”. Em contraste com os mestres de Israel, que fracassaram em sua tarefa (ao final o povo seguia dispersa e desorientada), Jesus é o verdadeiro Mestre de Israel que conduz eficazmente ao povo no projeto de Deus. O Salmo 23 segue sendo interpretado por Jesus, ainda neste aspecto, pelo Pastor é um Mestre (Salmo 23,3: “me guias”).

 

Porém, por que Jesus responde precisamente com a “formação”? Jesus lhe põe remédio à dramática situação de um povo que percebe “como ovelhas sem pastor” com seu ensinamento, porque ele trata da conversão, de um novo estilo de vida (1,14-15). Não se trata de palavras vazias. Jesus quer ajudar ao povo com uma instrução sólida, que lhes de critérios de vida fortes e um projeto comum.

 

A falta de critérios, de valores e de projetos comuns destrói a unidade e a comunhão de um povo e o reduz a uma massa de homens e mulheres privados de orientação, em luta de interesses entre si e, portanto, vítimas fáceis dos falsos pastores e de suas promessas enganadoras.

 

Por isso, o primeiro dom, serviço, que Jesus oferece ao povo sem pastor é o ensinamento. Concluamos recordando que o interesse principal do pastor é a vida de suas ovelhas e, para isso, tarefa iniludível é a nutrição. Jesus é o novo Moisés que nutre o povo com o pão do ensino (8,14-21) e em seguida o fará, veremos nos próximos domingos, com o pão da Eucaristia, sua própria vida (Palavra feita carne).

 

  1. Cultivemos a semente da Palavra na vida

 

  • Quais as ações de Jesus neste Evangelho? Que faz Jesus de particular com seus discípulos e com as multidões? Para onde aponta todo seu agir?
  • Quais os traços de Jesus Pastor mais destacados?

Como integrar equilibradamente missão e oração, trabalho e descanso, serviço aos de fora e vida comunitária com os dentro?

  • Que nos ensinam as ações de Jesus frente à multidão? Como aplicá-las no trabalho pastoral? Qual o conteúdo teológico, espiritual e pastoral da “misericórdia” de Jesus neste texto do Evangelho?

 

 

 

 

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