Solenidade São Pedro e São Paulo (Estudo Bíblico)

Mateus 16,13-19

V. A IGREJA, PRIMÍCIAS DO REINO DOS CÉUS

Preparação para o Discurso Eclesiástico

(a profissão de fé e o primado de Pedro)

“Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”

Introdução

Assim começa Santo Agostinho seu sermão em um dia como hoje do ano 405 em que se celebrava a solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo: “O martírio dos santos apóstolos Pedro e Paulo tornou sagrado este dia para nós. Não falamos de uns mártires desconhecidos: ‘A toda terra se difundiu sua voz e até os confins do mundo sua palavra’ (Sl 18,5,Vulg). Estes mártires viveram o que pregaram, pois seguiram a justiça, confessando a verdade, morrendo pela verdade” (Sermón 295,1).

Qualquer leitura do Evangelho, ainda que seja superficial, permite concluir que Pedro foi o primeiro e o mais destacado do grupo dos Doze discípulos que Jesus elegeu e formou pessoalmente durante sua vida terrena.

Pedro aparece primeiro em todas as listas dos Doze (Mc 3,16; Mt 10,2; Lc 6,14; At 1,13); só a ele disse Jesus particularmente: “De agora em diante serás pescador de homens”  (Lc  5,10); só a ele disse  por três vezes: “Apascenta  minhas  ovelhas” (Jo 21,15.16.17); sobretudo, só a ele disse, como veremos mais adiante: “A ti darei as chaves do Reino dos Céus; e o que atares na terra ficará atado nos céus, e o que desatares na terra ficará desatado nos céus” (Mt 13,19).

Paulo, por outro lado, não pertence ao grupo dos Doze e não reúne as condições indicadas por Pedro para ser incorporado a esse grupo, quando se tratou da substituição de Judas: ser “um dos homens que andaram conosco todo o tempo que o Senhor Jesus conviveu conosco” (At 1,21). E, sem dúvida, ninguém pode negar que haja sido um grande apóstolo até o ponto de merecer ser celebrado em uma só solenidade junto com Pedro.

Ele mesmo reivindica sua condição de apóstolo como o faz na apresentação com que encabeça suas cartas: “Paulo, apóstolo, não por mediação de homem algum, mas por Jesus Cristo…” (Gl 1,1). Ou como o reafirma em sua carta aos coríntios: “Não sou eu apóstolo? Acaso não vi eu a Jesus, Senhor nosso? Não sois, vós, minha obra no Senhor? Se para outros não sou eu apóstolo, para vós sim o que sou; vós sois o selo de meu apostolado no Senhor!”  (1Cor  9,1-2).

Também nós nos reconhecemos como o “selo de seu apostolado”, pois ele é quem “estendeu a Igreja a todas as gentes” (Prefácio). A eleição de Paulo e sua elevação à altura de Pedro demonstra que se cumpre a promessa feita por Jesus no momento de subir ao céu: “Eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt  28,20). Com efeito, essa foi uma decisão de Jesus presente e operante em sua Igreja. Se Jesus destacou a Pedro, o mesmo Jesus destacou a Paulo: ao Pedro, pessoalmente em sua vida terrena; ao Paulo, por meio de sua Igreja.

No Evangelho de hoje lemos a declaração de Jesus sobre o primado de Pedro e de seus sucessores na Igreja que Ele fundou: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. A ti darei as chaves do Reino dos Céus; o que ates na terra será atado nos céus, e o que desates na terra será desatado nos céus” (vv.18-19). Jesus manifesta, claramente, sua intenção de edificar “sua Igreja”. Porém, sua Igreja não é um edifício material, mas uma realidade espiritual; é a comunhão de todos os chamados à salvação; por isso não se edifica sobre uma pedra material, mas sobre uma pessoa: “Tu és Pedro”.

A Igreja é edificada por Cristo sobre o que Pedro decida que deve fazer-se e o que ele declare como verdade. Este fundamento posto por Jesus é firme, é indefectível, segundo a promessa que agrega: “As portas do inferno não a vencerão” (v.18b). Neste tempo em que a Igreja sofre ataques que querem destruí-la, esta promessa de Jesus nos dá firme esperança.

“A ti darei as chaves do Reino dos Céus” (v.19a). As chaves eram sinal do poder numa cidade; se entregava ao governante, ao que tomava as decisões e administrava a justiça. Entendemos que alguém possa ter as chaves de um reino terreno, ainda que seja grande, ainda que seja uma potência mundial, como as que temos visto na história. Porém, ter as chaves do Reino dos Céus, isto e o máximo.

Jesus entrega a Pedro um poder que pertence a Ele como Filho de Deus: “Foi-me dado todo poder no céu e na terra” (28,18). Ele o tem e pode entregar a quem queira. Entrega-o a Pedro e a cada um de seus legítimos sucessores. Então Jesus assume um compromisso impressionante: “O que atares na terra será atado nos céus, e o que desatares na terra será desatado nos céus” (v.19).

“Atar e desatar” é uma expressão hebreia com que se expressa o poder de tomar decisões disciplinares e declarar o justo e verdadeiro. Isto o faziam os rabinos, e também os magistrados; o impressionante  é que Jesus assegura a Pedro que, quando o faça Ele, isso ficará feito no céu, a saber, por Deus.

Pedro é um ser humano e pode errar como diz o dito popular: “Errar é humano”. Porém, Deus não pode errar. Por isso, com essas palavras Jesus dá a Pedro o dom da infalibilidade que o impede de errar quando toma decisões acerca do governo da Igreja de Cristo – a que se funda sobre Ele, e quando declara o que é justo em matéria de moral e o que é verdadeiro em matéria de fé.

Em sua vida terrena Jesus havia declarado: “Eu não falei nada por minha conta, mas do que o Pai que me enviou, mandou-me dizer e falar, e eu sei que seu mandato é vida eterna. Por isso, o que eu falo, falo como o Pai disse a mim” (Jo 12,49-50). Isto mesmo se cumpre agora em Pedro e seus sucessores. Por isso o fiel católico acolhendo o ensinamento do sucessor de Pedro pode estar seguro de estar fazendo a vontade de Deus; e recusando esse ensinamento se encontra recusando a vontade de Deus e a vida eterna.           

  + Felipe Bacarreza Rodríguez, Obispo Auxiliar de Concepción

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  1. O texto

O texto que a liturgia de hoje nos oferece – Mateus 16,13-19 – está divido em duas partes:

  • A profissão de fé de Pedro (vv.13-17);
  • O primado de Pedro (vv.18-19).
  • A profissão de fé de Pedro (vv.13-17)
  •  Jesus faz a primeira pergunta sobre a sua identidade (v.13-14)

A passagem para o lado pagão do lago tinha por objeto sair do território judeu. Cesareia de Filipe era capital do terri­tório governado por Filipe, irmão de Herodes Antípas. Para propor aos discípulos a questão de sua iden­tidade, Jesus tira-os do território onde reina a concepção do Messias davídico. A primeira pergunta tem como sujeito os homens em geral. Conforme a resposta, estes comparam Jesus a personagens conhecidos do Antigo Testamento: é uma reencarnação de João Batista (cf.14,2), ou Elias, cujo retorno estava anunciado por Ml 3,23 e Eclo 48,10. Para Je­remias, cf. 2 Mac 15,13ss.

Como constatamos, estes veem, em Jesus, uma conti­nuidade do passado, um enviado de Deus como os personagens do Antigo Testamento. Não conseguem captar sua condição única nem sua originalidade. Não descobrem a novidade do Messias nem compreendem, portanto, sua figura.

  •  Jesus faz a segunda pergunta sobre a sua identidade (vv.15-16)

Esta pergunta tem como sujeito os discípulos, que o acompanham em sua atividade e recebem seu ensinamento. Simão Pedro (nome e sobrenome pelo qual era conhecido, cf.4,18;10,2) toma a iniciativa e se faz, espontaneamente, o porta-voz do grupo. As palavras de Pedro são uma perfeita profissão de fé cris­tã. De fato, Mateus não se contenta com a expressão de Marcos (8,29): «Tu és o Cristo», que Jesus recusa por refletir a concepção popular do messianismo (ver Lc 9,20: «o Cristo de Deus»).

A expressão do evangelista São Mateus a completa, opondo o “Cristo Filho de Deus” (cf. 3,17;17,5) ao Messias filho de Davi da expectativa geral. É «Filho» não só por haver nascido de Deus, mas por atuar como Deus mesmo:

  • «O filho de Deus»: equivale à fórmula «Deus entre nós» (1,23).
  • «Vivo»: opõe o Deus verdadeiro aos ídolos mortos (cf.2 Re 19a.16; Is 37,4.17; Os 2,1; Dn 6,21)

              significa o que possui a vida e a comunica: vivo e vivificante, Deus ativo e salvador (Dt 5,

              26; Sl 84,3; Jr 5,2). Também o Filho é, portanto, doador de vida e vencedor da morte.

  •  Jesus responde com uma bem-aventurança à profissão de fé de Simão Pedro (v.17)

Jesus chama Pedro por seu nome: «Simão». Declara ditoso a Simão pelo dom recebido. É o Pai de Jesus (correspondência com «o Filho de Deus vivo») quem revela aos homens a sua verdadeira identidade. Relação com 11,25-27: é o Pai que revela o Filho aos simples e o Filho que revela o Pai.


Pedro pertence à categoria dos simples, não à dos sábios e entendidos, e recebeu essa revelação. Quer dizer, os dis­cípulos aceitaram o aviso de Jesus de não deixar-se influenciar pela doutrina dos fariseus e saduceus (16,12) e estão aptos a receber a revelação do Pai, quer dizer, de compreender o sen­tido profundo das obras de Jesus, em particular do expressado nos episódios dos pães (cf.16,9s). Compreenderam que seu messianismo não necessita de sinais para ser reconhecido.

A reve­lação do Pai não é, pois, privilégio de Pedro; está ofere­cida a todos, mas só os «simples» estão em condições de recebê-la. Refere-se ao sentido da obra messiânica de Jesus. «Meu Pai que está nos céus» está em paralelo com «Pai nosso que estais nos céus» (6,9). Os que recebem do Pai a revelação sobre Jesus são aqueles que veem em Jesus a imagem do Pai (o Filho). E os que recebem de Jesus a experiência de Deus como Pai (pelo Batismo no Espírito Santo) podem invocá-lo como tal.

  • O primado de Pedro (vv.18-19)
  •  “Também eu te digo que tu és Pedro” (v.18)

Jesus responde à profissão de fé do apóstolo Pedro («Tu és»; v.16; «Agora te digo: Tu és»;v.18). Do mesmo modo que, na de­claração de Pedro, «Cristo» não é um nome, mas indica uma função, assim é «Pedra», na declaração de Jesus. Há nela dois sentidos: «pedra» e «rocha». Ambos são nomes comuns e não próprios, mas não são palavras equiva­lentes.

  • “pedra” (=“petros”, em grego): é uma pedra que pode mover-se, ser lançada (2 Mc 1,16;4,41);
  • «rocha» (=“petra”, em grego): é uma pedra que é símbolo de uma firmeza irremovível.

Pedra que é símbolo de uma firmeza irremovível: é neste sentido que usa Mateus o termo em 7,24.25, onde constitui a base da «casa», figura do homem mesmo. De fato, as passagens de 7,24s e 16,16-18 estão em paralelo.

  • No primeiro trata-se da vida individual do seguidor de Jesus e se concebe como uma casa;
  • No segundo, trata-se da vida de sua comunidade e se concebe como uma cidade (Igreja) (cf.27,53), quer dizer, como uma sociedade humana.

Nesta passagem expõe Mateus seu tratado sobre a fé em Jesus. Esta é a que permite a construção de uma sociedade humana nova, a «Igreja de Jesus», o Israel messiânico (cf. ekklesia, a assembleia do Senhor do antigo Israel, Dt 23,2-4; Jz 20,2), que equivale ao reinado de Deus na terra. Sua base irremovível é a fé em Jesus como Cristo filho do Deus vivo. Todo o que der tal adesão a Jesus será «pedra» utilizável na cons­trução da cidade.

Mas o reino da morte é apresentado como uma cidade rival com portas que representam seu poder e combate a obra de Jesus (Is 38,10;Jó 38,17;Sl 9,14;107,18;Sb 16,13). Mas «Não prevalecerão contra ela». Esta declaração de Jesus indica a vitória sobre a morte, a indefectibilidade da cidade de Jesus, a permanência do Reino; porém, não só na etapa terrestre, mas inclusive através da morte.

Jesus é o doador de vida («o Filho de Deus vivo») e sua obra não pode estar sujeita à mor­te. Reflete-se aqui o conteúdo da última bem-aventurança, que anunciava a perseguição para os que são fiéis à opção proposta por Jesus (5,10s). Também outras passagens, por exemplo, a de 7,24s e ao de 10,28, sobre não temer aos que podem matar o corpo.

  •  As chaves do reino (v.19)

Com duas imagens paralelas se descrevem certas funções dos crentes. Na primeira, o reino de Deus se identifica com a Igreja ou comunidade messiânica. Continua a imagem da cidade com portas. Os crentes, representados por Pedro, têm as chaves, quer dizer, são os que abrem ou fecham, admitem ou recusam (cf. Is 22,22).

Opõe-se esta figura à que Jesus utilizará em sua denúncia dos fariseus (23,13), que fecham aos homens o reino de Deus. A missão dos discípulos é a oposta: abri-la aos homens. Sem dúvida, nem todos podem ser admitidos ou permanecer nele, e isto se explícita na frase seguinte.

«Atar e desatar» se refere a tomar decisões em relação com a entrada ou não no reino de Deus. A expressão é rabínica. Procede da função judicial, que pode mandar à prisão ou deixar livre. Os rabinos a aplicaram à explicação da Lei no sentido de declarar algo permitido ou não. Mas, nesta passagem, o paralelo com as chaves mostra que se trata de ação, não de en­sinamento.


Resumindo, Simão Pedro, o primeiro que professa a fé em Jesus com uma fórmula que descreve, perfeitamente, seu ser e sua missão, se faz protótipo de todos os crentes. Com estes, Jesus constrói a nova sociedade humana, que tem por funda­mento irremovível essa fé.

Apoiada nesse alicerce, a comunidade de Jesus poderá resistir todos os embates das forças inimigas, representadas pelos perseguidores. Os membros da comuni­dade podem admitir nela e, assim, dar aos homens que buscam salvação a oportunidade de encontrá-la; podem também excluir aqueles que a recusam. Suas decisões estão referenda­das por Deus.

  • Pedro e Paulo
  • Pedro e Paulo: dois caminhos e um mesmo destino

Uma antiga e respeitável tradição associa Pedro e Paulo. De Jerusalém, cada um deles chegou por seus próprios meios a Roma, para animar as comunidades, davam testemunho de Cristo neste lugar chave. Ali evangelizaram até que selaram seu ministério apostólico no martírio, até que firmaram seu testemunho de Jesus pregado com seu próprio sangue.

Como conta o historiador Eusébio de Cesareia: “Por último de suas iniquidades, o imperador Nero declarou a primeira perseguição contra os cristãos quando os santíssimos Apóstolos, Pedro e Paulo foram coroados no combate por Cristo com a coroa do martírio”. E também Sulpício Severo: “Por leis se proibiu a religião e por edito se declarou não ser lícito o cristianismo. Então foram condenados a morte Pedro e Paulo. A Paulo lhe cortaram a espada o pescoço, a Pedro o levantaram em uma cruz”.

  • Pedro e Paulo: dois martírios gravados na memória da Igreja

Quando se entra nas catacumbas romanas, vemos os nomes dos dois apóstolos gravados um ao lado do outro nos desenhos das passarelas subterrâneas. Também duas das maiores basílicas em Roma levam seus nomes. Vemos os dois juntos, levando em suas mãos os instrumentos de seu martírio:

  • Pedro, a cruz invertida, porque, segundo a tradição, se declarou indigno morrer como seu Mestre;
  • Paulo, a espada com que foi decapitado, provavelmente num lugar conhecido como “Três Fontes”.

Estas imagens, vemos sempre nas colunas, vitrais, ícones, etc. Por isto não nos estranha que também no calendário litúrgico da Igreja os encontremos associados na mesma festa. Como disse Agostinho: “Se celebra o mesmo dia a paixão dos dois apóstolos, porém os dois não formam mais que um”.

  • Pedro e Paulo: dois tipos distintos

Porém, que há de comum entre o humilde pescador de Galileia e o grande intelectual saído da academia de Tarso e da prestigiosa escola de Gamaliel?

  • Pedro andou com Jesus de Nazaré pelos caminhos da Galileia, seguindo-o com generosidade, tomando a liderança entre seus companheiros, sofrendo as consequências da dureza de seu pobre coração. Ele acompanhou o Mestre até o fim, ou melhor, quase até o fim, quando sua debilidade o levou a negá-lo; porém, sua fidelidade foi, finalmente, a do amor primeiro de Jesus, porque o olhar misericordioso do Senhor o alcançou bem fundo e o chamou de novo.
  • Paulo não caminhou com o Jesus terreno, nem escutou suas parábolas, nem compartilhou com Ele a ceia. Apesar de que escutou falar dele, o que fez foi combater os cristãos que propagavam sua memória e afirmavam sua ressurreição. Também ele experimentou a misericórdia do Ressuscitado, que o chamou no caminho de Damasco e fez dele o intrépido apóstolo, que abriu tantos caminhos ao Evangelho e formou muitas das comunidades que ainda hoje seguem inspirando as nossas.
  • Pedro e Paulo: um caminho de comunhão

Pedro e Paulo, dois homens bem diferentes em suas origens, formação e temperamento que, apesar de suas resistências, foram chamados e moldados pelas palavras e o Espírito de Jesus. Mas, o próprio Senhor fez com que seus ministérios fossem complementares e os constituiu pilares da Igreja nascente.

É preciso destacar que o entendimento entre eles não foi fácil. Ambos tiveram que aprender os caminhos da “comunhão”, núcleo do Evangelho.  Por exemplo, em Gl 2,9, Paulo conta, com alegria, como na visita a Jerusalém Pedro, Tiago e João nos estenderam a mão em sinal de comunhão, porém, logo, teve que repreendê-lo: ao ver que não procedia com retidão, segundo a verdade do Evangelho, o acusou de arrastar a outros a “atuar a mesma comedia. (2,11-14)

A complementariedade entre os dois apóstolos é necessária. Em matéria de “comunhão”, a Igreja não nasceu “sabendo”, ela teve que aprender. É bonito ver isso: apesar de contar com a “memória” das palavras e ditos de Jesus, entre os primeiros cristãos ninguém sabia de uma vez por todas o que havia que fazer em todas as circunstâncias da vida. Por isso, quando tinham um problema, dialogavam entre eles e, se era o caso, eles não tinham temor de debater alguns temas polêmicos que iam surgindo.

O importante era que: o faziam com uma fidelidade total ao Senhor, sem apartar o olhar de Jesus; e se deixavam orientar pelos apóstolos. Assim, a Igreja primitiva, foi um verdadeiro vulcão de amor, aberta docilmente à guia do Espírito Santo, pronta para o serviço da Palavra. Esta era a raiz da comunhão eclesial que foi animada pelos apóstolos.

  • Pedro e Paulo: hoje é motivo de festa

A memória de Pedro e Paulo não é secundária. Cada um deles, com seu próprio carisma, de Jerusalém a Roma, seguiram o caminho da Palavra, para que a Boa Notícia de Jesus morto e ressuscitado pudesse ser escutada por todos e para que, com seu ensino, a vida em Jesus ressuscitado tomasse forma nos novos ambientes nos quais penetrava o Evangelho.

Seu ministério amassou o pão da Igreja com o fermento do Evangelho. Vinte séculos após sua morte, seguimos nessa mesma rota, deixando-nos impactar pelo ímpeto de seu testemunho e tentando aprender sempre de novo uma vida de “comunhão” em todos os níveis da Igreja.

  • A “Rocha” da Igreja

O Evangelho se centra na pessoa de Pedro, o qual Jesus educou progressivamente na fé (Mt 14,31). A revelação da filiação divina de Jesus, que faz de Paulo um apóstolo (ver Gl 1,16), constitui Simão Pedro na rocha sobre a qual Jesus construirá sua Igreja, uma rocha que nem as forças do mal conseguirão abater. Sua confissão de fé expressa o sentir da Igreja inteira, sua fé é clara e inequívoca.

Esta cena se apresenta em contraluz com dois relatos prévios nos quais os fariseus e saduceus são repreendidos por Jesus por pedir um sinal para crer (Mt 16,1-4; e ele não lhes dá um sinal distinto a sua pessoa); e são postos como exemplo da atitude e doutrina que não deve seguir (16,5-12).

  •  Simão diz a Jesus: “Tu és…”

Depois que dizem as diversas opiniões que o povo tem dele (16,13-14), Jesus pergunta aos discípulos que opinião tem dele. Então Pedro responde: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (16,16).

Nesta confissão de fé, o apóstolo reconhece a dupla relação que caracteriza Jesus de modo inequívoco:

  • Com relação ao povo, Jesus é o Cristo (Messias): o único, o último e definitivo rei e pastor do povo de Israel, enviado por Deus para dar a este povo e a toda a humanidade a plenitude de vida (como se viu na multiplicação dos pães e os outros milagres).
  • Com relação a Deus, Jesus é seu Filho: vive com Ele uma relação única, singular, caracterizada pelo conhecimento recíproco, a igualdade e comunhão de amor entre o Pai e entre eles (Mt 11,27).

O Deus que revela Jesus é qualificado como “Deus vivente”. Com isto se quer dizer que se trata do único Deus, o verdadeiro e real, que é vida em si mesmo, que criou tudo, que seu imenso poder vence a morte. Porém isto que Pedro diz de Deus tem que ver diretamente com Jesus. Jesus é o único Messias que, profundamente ligado ao poder vital próprio, ao Deus vivente, está em capacidade de conceder, à humanidade, o bem-estar verdadeiro, o crescimento integral e harmônico e a plenitude da existência.  Este dom da vida Jesus o comunicará por sua doação no caminho da cruz.

(2) Jesus diz a Simão: “Tu és…”

Uma vez que Pedro confessa a fé, Jesus dirige um belíssimo discurso a ele. Notemos:

  • Jesus dirige-se a ele com nome próprio e com seu patronímico (nome do pai) para indicar: Sua plena realidade humana: “Simão”; sua origem e sua história: “Filho de Jonas”;
  • Jesus revela-lhe o dom extraordinário que fez possível esta confissão: o Pai celestial lhe deu este conhecimento (ver 11,27; 17,5) que não se pode alcançar unicamente por meios humanos. Simão não só foi chamado por Jesus, mas também foi privilegiado pelo Pai, por isso tem todos os motivos para ser “Bem-aventurado”, quer dizer, “Feliz!”;
  • Jesus lhe põe um novo nome. Ao “Tu és” dito por Simão a Jesus, responde com outro “Tu és” e declara sua nova identidade: “Tu és Pedro” (=Rocha). Este termo não aparecia antes em nenhuma parte como nome de pessoa, é uma nova criação de Jesus. Para Simão começa uma nova vida.
  • Jesus dá-lhe nova tarefa. Com a nova existência Jesus lhe dá nova atividade (como acontece em Gn 17,5.15; Nm 13,16; 2Re 24,17).

Com três imagens Jesus descreve a nova tarefa do apóstolo:

  • A Rocha: uma rocha sobre a qual Jesus edificará sua Igreja. A Igreja é apresentada como a comunidade dos que expressam a mesma confissão de fé de Pedro. Pedro deve dar consistência e firmeza a esta comunidade de fé. Por sua parte Jesus promete à comunidade – a casa edificada sobre ela – uma duração perene e uma grande solidez (ver profecia 2 Sm 7,1-17).
  • As chaves: não significa que Pedro seja nomeado porteiro do céu, mas o administrador que representa o dono da casa ante os demais e que atua por delegação sua. A imagem está tomada de Isaías 22,15-25, onde se descreve a nomeação de Eliakim como primeiro ministro do rei Ezequias de Judá. A imagem reforça que Jesus segue sendo o “Senhor da Igreja”.
  • O Atar e o Desatar: é uma imagem que indica a autoridade de seu ensinamento (ver o contrário em Mt 16,12). Pedro deve dizer o que se permite e que não se permite na comunidade; ele tem a tarefa de acolher ou excluir dela. O ponto de referência de seu ensinamento é a mesma doutrina de Jesus; por exemplo, no Sermão da Montanha Jesus já tem estabelecido qual é o comportamento necessário para entrar no céu (ver 5,20;7,21). Por isto, ainda que sua referência constante seja a Palavra de Jesus, o ensinamento de Pedro tem valor vinculante.

Com suas palavras a Pedro, Jesus se declara uma vez mais como o Senhor da Igreja. Jesus é seu pastor e nunca a abandona que lhe dá um guia com autoridade. Na Igreja tudo provém de Jesus e aponta a Ele.

É certo que quem edifica a Igreja é Jesus, Ele é o fundamento, a pedra angular. Pedro deve fazer visível este fundamento e esta pedra sendo sinal de unidade e de comunhão entre todos os discípulos que confessam a mesma fé. Com razão dizia Santo Ambrósio: “Ubi Petrus, Ibi Ecclesia”, quer dizer, “onde está Pedro, ali está a Igreja”.

(3) Saber dizer: “Minha Igreja”

Como ressoam em nossos ouvidos as palavras do Mestre: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”? Jesus diz “minha Igreja”, em singular, não “minhas Igrejas”.

Ele pensou e desejou uma só Igreja, não uma multiplicidade de Igrejas independentes, ou pior, em conflito entre elas. “Minha”, além de ser singular, é também um adjetivo possessivo. Jesus reconhece, pois, a Igreja como “sua”, como se um homem dissesse “minha esposa” ou “meu corpo”.  Identifica-se com ela, não se envergonha dela. Sobre os lábios de Jesus, a expressão “minha Igreja” soa de maneira idêntica.

Nas palavras de Jesus, notamos um forte chamado a todos os discípulos de Jesus a reconciliar-se com a Igreja. Renegar a Igreja é como renegar a própria mãe. “Não pode ter a Deus por Pai”, dizia São Cipriano, “quem não tem à Igreja por Mãe”.

Um bom fruto desta festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo seria que aprendêssemos a dizer também nós, os membros da Igreja católica à qual pertencemos: “Minha Igreja!”.

  • Cultivemos a semente da Palavra na vida:
  1. Com que termos eu expresso minha fé em Jesus?

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  • As palavras de Pedro expressam o que pessoalmente vivo de Jesus?

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  • Que fazer para que a pessoa de Jesus esteja sempre no centro de minha vida?

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  • Que papel tem Pedro na Igreja?

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Que atitudes deve tomar a comunidade com ele?

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Que diz a mim o texto?

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Que me ajuda a descobrir em minha vida de “crente” no Cristo e Filho de Deus vivente?

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  • Que lição me dá a complementariedade de ministérios de Pedro e Paulo, para seguir promovendo a “comunhão na Igreja”?

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