LECTIO DIVINA NA 23ª SEMANA COMUM ANO A 2020

LECTIO DIVINA NA 23ª SEMANA COMUM ANO A – 2020 COMUNIDADE PAZ E BEM

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SEGUNDA-FEIRA, 07 DE SETEMBRO DE 2020 – 23ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 6,6-11 (Cura de um homem com a mão atrofiada) – O sábado era e segue sendo uma instituição que faz parte da identidade de Israel. É compreensível a sacralização do sábado, seu caráter intangível e o processo que o converteu em algo absoluto. Jesus respeita o sábado, porém respeita mais o homem e sua dignidade, o homem e seu sofrimento. Desta vez, sua intervenção tem o sabor de uma provocação, pois sabia que todos os olhos estavam postos nele, dado que «os mestres da Lei e os fariseus o espiavam para ver se curava em sábado e ter, assim, motivo para acusá-lo» (v.7). Por isso, esta era uma boa ocasião para afirmar um princípio fundamental de sua ação messiânica e de seus critérios de avaliação: é mais importante observar o sábado ou intervir em favor do homem necessitado? Temos de assinalar que, na tradição judia, havia já uma interpretação que dizia: «A salvação de uma pessoa elimina a observância do sábado». Jesus, com o gesto da cura (v.10), obtém um duplo efeito: por uma parte, a irritação e a perigosa aversão ulterior dos mestres da Lei e dos fari­seus e, por outra, a afirmação de um critério claro de ação para seus discípulos. O serviço ao próximo em grave necessidade deve ser prio­ridade, também para os discípulos.

 

 

Colossenses 1,24–2,3 (Luta de Paulo a serviço dos gentios) – Nesta carta São Paulo quer refutar algumas doutrinas que circulavam naquela comunidade, as quais ele não havia deixado. Novos mestres insinuam que a obra redentora de Cristo Jesus era incompleta e era preciso outras práticas religiosas para completar a salvação pela sua morte e ressurreição. Estes mestres punham acréscimos ascéticos e supersticiosos à mensagem de São Paulo, que mantém, firmemente, e diz que acrescentar qualquer coisa ao Evangelho equivale a diminuir seu poder gratuito. Só como membros do Corpo de Cristo se pode completar «o que ainda falta ao total das tribulações cristãs» (1,24). E isto tem lugar, sobretudo, com as fatigas e aflições suportadas por quem leva o Evangelho. Paulo se põe como exemplo deste serviço, se gloria de sua vocação e fidelidade, contudo põe o acento nos sofrimentos ligados ao mesmo. São Paulo, ao descrever seu próprio ministério, emprega cate­gorias importantes para os colossenses e para os falsos mestres. Estes últimos exaltam a «sabedoria», a «per­feição», e por isso Paulo fala de «conhecer a fundo o plano secreto de Deus, que é Cristo, em quem se encerram todos os tesouros da sabedoria e da ciência» (2,2ss); e identifica a meta de sua missão com o fato de conseguir «que todos alcancem plena maturidade em sua vida cristã» (1,28), confiando no poder de Deus.

 

Salmo 61/62 (Só de Deus vem a esperança) – Este é um cântico de esperança de alguém que busca paz e tranquilidade. O salmista tem consciência de que a vida é passageira como um sopro de vento. Tudo o que deseja é ser fiel ao Senhor, praticando os seus mandamentos. A fugacidade da vida é algo que vivenciamos diariamente. Amigos, conhecidos, parentes… um a um, todos morrem. A contemplação da morte entristece a todos, sentimo-nos como se estivéssemos presos à vida por um fio, que pode ser rompido a qualquer momento. Quando surge o pensamento da morte, logo nos questionamos angustiados: o que acontecerá depois da morte? Todas as religiões tentam oferecer uma resposta que acalme o nosso coração diante do desconhecido. A nossa fé católica nos fala de hipóteses, mas de certezas que estão nos Evangelhos. Temos a certeza da ressurreição e da vida eterna, a qual nós declaramos sempre no credo “creio na ressurreição dos mortos e na vida eterna”. Creia: o Senhor está conosco e com Ele olharemos a vida eterna.

Ó Deus, tu que és amor, consola-nos nos momentos difíceis, de solidão, quando a morte se apresentar com negativismo e como porta para o nada; sustenta-nos com a certeza da ressurreição de Jesus e com alegria cheia de esperança da vida eterna. Como os salmistas e tantos outros homens e mulheres de todos os tempos, encontraremos dificuldades e lutas, sentiremos a nosso lado a opressão dos inimigos do corpo, do espírito e do povo. Precisamos de mais confiança e saber que estamos aqui não para nos prejudicar, mas para formar um reino de paz e amor. Alimenta em nós, Senhor, o espírito de solidariedade e de vida. Que eu possa ver nos pobres meus irmãos, para assim ajudá-los; que os ricos irmãos também ajudem e repartam o que têm. Senhor, somos um sopro de vento, mas de vento precioso do espírito de vida que vem de ti. Amém.

 

 

MEDITATIO: A primeira leitura apresenta uma forte referência à insubstituível presença do mistério de Jesus Cristo na vida do cristão e, de modo especial, na vida do apóstolo. É um convite a que me pergunte que posto ocupa realmente Jesus Cristo em meu modo de pensar e em minhas de­cisões. Tenho constituído, sempre, meu Mestre, o primeiro e último critério de juízo e de eleição? A pergunta é pertinente se pensamos na abundância de mestres que se apresentam como mais atuais e até mais «evoluídos». Talvez, pela primeira vez, desde muitos séculos, a figura de Jesus Cristo deixou de ser intangível e indiscutível, inclusive entre os cristãos. Há quem queira «pô-lo em dia», quem também «completar», quem queira «atualizá-lo», quem queira, também, «relativizá-lo». Mesmo reconhecendo que são dignos de louvores os esforços para fazê-lo «atual», não posso, certamente, ingressar na fila dos que que­rem «completá-lo». Posso explicitar sua mensagem, mas sem acrescentar nada, como se Ele tivesse se esquecido de algum detalhe ou, o que é pior, como se a sua mensagem tivesse ne­cessidade de retoques para fazê-lo aceitável. Minha paixão é por dá-lo a conhecer a mensagem de Jesus Cristo tal como é. Meu sofrimento haverá de comprometer-me a fim de que não seja desfigurado e mal entendido. Deste modo participarei, completando-a, em sua paixão, consequência da fidelidade à identidade única de Filho unigênito do Pai.

 

ORATIO: Mantêm-me afastado, ó Senhor, da tentação de pôr-te em dia, senão a partir de Ti e em Ti. Seguindo teu modelo devo pôr em dia meus sentimentos e pensamentos. Seguindo teu modelo devo pôr em dia, diariamente, minha mente e meu coração. Isto é o que te peço com ansiedade, porque conheço o difícil que é «ser-te fiel» e «ser fiel ao mundo» ao qual me enviaste. És Tu quem me pede que co­nheça tua criação, o coração de teus filhos, as leis que regem nossa sociedade. Agora, tudo isso com o fim de fazer-te melhor presente, não para substituir tua presença. Concede-me a verdadeira ciência, que é conheci­mento do mistério e dos caminhos para fazê-lo en­trar no homem e na mulher, na intrincada rede de comunicações, mensagens e input de meu mundo e do teu. Concede-me tua força para resistir à tentação de «ajudar-te» com algumas «novidades» para ser mais atual.

 

CONTEMPLATIO: O Filho de Deus assumiu a natureza humana e nela suportou tudo o que é humano. É este um remédio tão eficaz para os homens que não é possível pensar outro que o seja mais. De fato, que soberba pode-se curar, senão com a humildade do Filho de Deus? Que avareza pode-se curar, senão com a pobreza do Filho de Deus? Que cólera pode-se curar, senão com a paciência do Filho de Deus? Que impiedade pode-se curar, senão com a caridade do Filho de Deus? E por último, que timidez pode-se curar, senão com a ressurreição de Cristo Senhor? Quem não se libertará de toda perversão contemplan­do, amando e imitando as palavras e as obras daquele homem, no qual se apresentou, a nós, o Filho de Deus, como modelo de vida? (Santo Agostinho, La lucha cristiana).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«De Deus vem minha salvação e minha glória» (do salmo responsorial)

                           

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Poucos sacerdotes ou pessoas entregues aos serviços mi­nisteriais pensam de modo teológico. Muitos foram educados onde as ciências do com­portamento, como a psicologia e a sociologia, dominavam tanto o meio educacional que aprenderam pouca teologia. A maior parte dos líderes cristãos atuais traçam pro­blemas psicológicos ou sociológicos, ainda que os formulem nos termos da Sagrada Escritura. O verdadeiro pensamento teológico, que é pensar com a mente de Cristo, é difícil de encontrar na prática do homem entregue ao serviço ministerial. Sem uma sólida reflexão teológica, os líderes do futuro serão pouco mais que pseu­do psicólogos, pseudo sociólogos ou pseudo agentes sociais. Pensarão que se converteram em pessoas com certas capacidades, animadores, modelos de determinados papéis, image­ns de pais ou mães, irmãos ou irmãs maiores, ou algo parecido, e dessa forma se sentirão unidos aos incontáveis homens e mulheres que ganham a vida tentando ajudar ao próximo a desenvolver-se em meio das pressões e tensões de sua vida diária. Porém, isto tem pouco que ver com a liderança cristã, por­que o líder cristão pensa, fala e atua em nome de Jesus, que veio ao mundo para livrar à humanidade do poder da morte e abrir-lhe o caminho da vida eterna. Para ser um líder assim, é essencial ser capaz de discernir em cada momento como atua Deus na história humana; e como os acontecimentos pessoais, os vividos na pequena comunidade, ou mesmo os que têm lugar a nível nacional e internacional, e que su­cedem ao longo de nossas vidas, nos podem fazer, mais e mais, conscientes dos caminhos aos quais somos levados através da cruz à ressurreição. Quer dizer, tem que dizer «não» ao mundo secular e proclamar em termos claríssimos que a encarnação da Palavra de Deus, por meio da qual tudo foi feito, converteu o mínimo acontecimento histórico em um «kairós», quer dizer, em uma oportunidade de serem guiados a aprofundar no coração de Cris­to (H.J.M.Nouwen, En el nombre de Jesús. Un nuevo modelo de responsable de La comunidad cristiana, PPC).

 

 

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 08 DE SETEMBRO DE 2020- 23ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Mateus 1,1-16.18-23 (Ascendência de Jesus) – A introdução do Evangelho de Mateus representa uma espécie de consulta do registro civil sobre Jesus: é como uma ladainha de nascimentos. Mais ou menos, todos os antepassados foram protagonistas em uma etapa da história; no nascimento e na vida de muitos deles foi determinante a intervenção do Senhor. Ao final da lista, o evangelista-discípulo de Cristo, submisso à cultura judia, situa José, esposo de Maria, «da qual nasceu Jesus, chamado Messias» (v.16). José não teve nenhuma presença, mas só proximidade e continuidade, no acontecimento da Encarnação, revelado como mistério matrimonial entre a Virgem e o Espírito Santo. Também José recebeu este anúncio. Também ele foi amadurecendo, na fé, a compreensão da encarnação e do nascimento daquele que foi gerado em Maria, sua esposa, pelo Espírito, e estava destinado a salvar o povo de seus pecados (v.21). Também ele acolheu a Palavra divi­na, obediente, silencioso, ativo.

 

 

Miqueias 5,1-4 (A virgem conceberá) – A profecia de Miqueias representa uma das profecias messiânicas mais conhecidas. O profeta anunciou a ruína dos reinos do norte e do sul como castigo de seus pecados; mas, em meio das trevas eis que brilha uma luz… Sempre é assim! Deus entrega os filhos de Israel ao poder de outro até que… O autor parece que quer apelar ao misterioso, ao enigmático, por saber que vai dizer algo já muito conhecido: que de Belém de Éfrata “sairá” o estandarte, o novo guia. Realmente, o autor pensa em Belém, pátria de Davi, e no Messias descendente de Davi, como se a história parasse e iniciasse outra vez com um novo Davi, o Messias. Mas, já nos tempos de Jesus (Mt 2,5-6) a expressão era entendida, não só no sentido teológico de um recomeçar a história, mas no sentido geográfico verdadeiro e próprio. Miqueias, de um modo que poderia parecer ao menos curioso, apresenta mais que o novo guia: à mulher que vai dar a luz. Do guia disse que pastoreará com a graça do Senhor e que seu reino será de paz universal. Da mãe disse palavras mais belas ainda e envoltas em certo hálito de mistério, mas que seus contemporâneos já estavam em condições de compreender e valorizar: “… até o tempo em que dê a luz a que há de dar a luz” (5,2). É claro que Miqueias, e com ele seus destinatários, pensariam no célebre oráculo da jovem mulher de Is 7,14s pronunciado uns 30 anos antes. O próprio Vaticano II reconhece “apertis verbis” que a profecia de Miqueias tem cumprimento em Maria: “Ela é a Virgem que conceberá e dará a luz um Filho cujo nome será Emanuel (cf. Is 7,14; Mq 5,2-3; Mt 1,22-23)”: “Ela mesma sobressai entre os pobres e humildes do Senhor, que dele esperam, com confiança, a salvação. Enfim, com ela, excelsa filha de Sião, após larga espera da promessa, se cumpre a plenitude dos tempos e se inaugura a nova economia, quando o Filho de Deus assumiu dela a natureza humana para livrar o homem do pecado mediante os mistérios de sua carne” (LG 55). (Bento XVI)

 

Salmo 70/71 (Súplica de um ancião)– O Salmo de hoje borda um tema já muito conhecido: lamentações. Nele percebemos o abandono e a busca do salmista por alguém em quem possa confiar e desabafar. E esse alguém é o Senhor, pois somente em Deus podemos depositar nossa total confiança e confidenciar os nossos “segredos” com a certeza de que não os contará a ninguém. A Bíblia insiste, em vários momentos que aquele que encontra um amigo encontra um tesouro verdadeiro. Encontrar um tesouro não é algo corriqueiro, que acontece a todo momento. É raro. Olhando para nossas vidas, muitas são as pessoas que temos conhecido e poucos os amigos que têm sido presença em todos os momentos, especialmente nos duros e difíceis. O amigo verdadeiro se prova nas horas de dor, solidão e angústia. O salmista se dirige a Deus e suplica-lhe que na velhice não o abandone, porque desde a infância tem mostrado para Ele o seu amor e fidelidade.

Senhor, hoje, para te louvar e bendizer, recorro ao salmista, que me leva a crer no teu amor para sempre e que na minha velhice estarás comigo. “Instruíste-me, ó Deus, desde minha juventude e ainda hoje proclamo os teus prodígios. E agora, na velhice, de cabelos brancos, Deus, não me abandones, até que eu anuncie teu poder, as tuas maravilhas a todas as gerações que virão. A tua justiça, ó Deus, é alta como o céu, fizeste grandes coisas: quem é como tu, ó Deus? Fizeste-me provar muitas angústias e desventuras; tornarás a dar-me vida, me farás subir de novo dos abismos da terra. Aumentarás minha grandeza e outra vez me consolarás. Então te darei graças com a harpa, pela tua fidelidade a Deus, vou te cantar com a cítara, ó santo de Israel. Cantando os teus louvores, exultando meus lábios e a minha vida, que resgataste” (Sl 71, 17-23).

 

MEDITATIO: Nos textos bíblicos não se concentra a atenção diretamente em Maria, visto que faltam as fontes relativas a seu nasci­mento. Portanto, a meditação sobre seu nasci­mento tem que passar, ao menos, por uma afirmação central, a saber: a importância do nascimento. Semelhante observação poderia parecer óbvia; sem dúvida, nos introduz na busca do sentido profundo, além da crônica, de uma existência des­de a perspectiva da fé em Deus e da confiança na nova criatura que entra no mundo humano. O ponto forte no desvelo da importância­ de um nascimento, está no fato de que Deus é o protagonista desse nascimento e do destino dessa pessoa. A presença determinante e indispensável de Deus, como protagonista, se encontra, em con­sequência e por analogia, também no nascimento e na vida de Maria. O oráculo de Miquéias se refere a um nas­cimento projetado por Deus: a citação deste em Mt 2,6 denota uma convicção messiânica, traduzida pelo evan­gelista em esteira cristológica e mariológica. A releitura de outro oráculo (Is 7,14), pelo mesmo evangelista, assinala, na virgem parturiente, Maria, a mãe designada pelo próprio Deus e envolta no abismo místico da comunhão com o Es­pírito Santo, o «Senhor que dá a vida». A importância do nascimento de Maria se deduz também através da prefiguração dela naqueles que foram chamados por Deus segundo seu designo, conhecidos desde sempre, predestinados, justificados (a singular redenção ante­cipada da Imaculada), glorificados.

 

ORATIO: Ó Maria, filha do Deus da vida, criatura nascida em meio da alegria, arca da graça plasmada pelo Espírito Santo, salve. Ó Mãe do Vivente, canta, hoje ainda, por nós, a exaltação ao Todo poderoso e guia-nos à gratidão por toda vida que nasce e amadurece junto a nós. Mulher destinada, por antecipação, à existência, para abrir caminho à vida ao Filho do homem, o vencedor da mor­te com sua ressurreição. Acompanha-nos no caminho e nas estações da vida. Virgem solitária, presença amoro­sa e serviçal em nossa história, acolhe a oração de teus servos.

 

CONTEMPLATIO: De onde, repito, te tem chegado tão grande bem? És virgem, és santa, fizeste um voto; porém, é muito gran­de o que merecestes; melhor, o que recebestes. Como merecestes? Forma-se, em ti, quem te fez; faz-se, em ti, aquele por quem tu foste feita; mais ainda, aquele por quem foram feitos o céu e a terra, por quem foram feitas todas as coisas; em ti a Palavra se faz carne, recebendo a carne sem perder a divin­dade. A Palavra se une com a carne, e teu seio é o tálamo de tão grande matrimônio; volto a re­peti-lo: teu seio é o tálamo de tão grande matrimônio, quer dizer, da união da Palavra e da carne; dele sai o próprio esposo como de seu leito nupcial (Sl 18,6). Ao ser concebido te encontrou virgem, e, uma vez nascido, te deixa virgem. Outorga-te a fecundidade, sem privar-te da integridade. De onde te veio? Talvez pareça in­solente interrogar, assim, a uma virgem, e, pulsar, inoportuna­mente, com estas minhas palavras, a seus castos ouvidos. Mas vejo que ela, cheia de rubor me responde e ensina: «Perguntas-me de onde me veio tudo isto? Ruborizo-me ao responder-te acerca de meu bem; escuta a saudação do anjo e reconhece em mim tua salvação. Crê em quem eu tenho crido. Perguntas-me de onde me veio isso. Que o anjo te dê a resposta ». Diz-me, anjo, de onde veio isso a Maria? Já o disse quando a saudei: “Salve, cheia de graça!” (Lc 1,28).

 

 

AÇÃO: Repete e medita durante o dia esta antífona litúrgica:

«Maria, virgem mãe de Deus, bendita e digna de toda glorificação,

nós celebramos teu nascimento: roga por nós ao Senhor»

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Eis aqui que dois mensageiros chegaram a ela, dizendo-lhe: Joaquim, teu marido, vem a ti com seus rebanhos. Porque um anjo do Senhor desceu até ele, dizendo-lhe: Joaquim, Joaquim, o Senhor ouviu e aceitou teu rogo. Sai daqui, porque tua mulher, Ana, conceberá em seu seio. E Joaquim saiu e chamou a seus pastores, dizendo: Traz-me “dez cordeiros sem mácula, serão para o Senhor meu Deus; e doze, novilhos, serão para os sacerdotes e para o conselho dos anciãos; e cem cabritos, serão para os pobres do povo. E eis aqui que Joaquim chegou com seus rebanhos, e Ana, que o esperava na porta de sua casa, o viu vir e, correndo até ele, lhe abraçou, dizendo: Agora conheço que o Senhor, meu Deus, me cumulou de bênçãos, porque era viúva, e já não o sou; estava sem filho, e vou a conceber um em minhas entranhas. E Joaquim guardou repouso em seu lar aquele pri­meiro dia. […] E os meses de Ana se cumpriram e, ao nono, deu a luz. E perguntou à parteira: que pari eu? A parteira respondeu: Uma menina. E Ana repousou: Minha alma foi glorificada neste dia. E deitou à menina em sua cama. E, transcorridos os dias legais, Ana se lavou, deu o peito à menina e a chamou Maria. E quando a menina chegou à idade de três anos, Joaquim disse: Chamai as filhas dos hebreus que estejam sem mácula, e que tome cada qual uma lâmpada; e que estas lâmpadas se acendam, para que a menina não volte atrás e para que seu coração não se fixe em nada que esteja fora do templo do Senhor. E elas fizeram o que se lhes mandava, até o momento em que subiram ao templo do Senhor. E o grande sacerdote recebeu à criança e, abraçando-a, a bendisse e exclamou: “O Senhor glorificou teu nome em todas as gerações. E em ti, até o ultimo dia, o Senhor fará ver a redenção por Ele concedida aos filhos de Israel” (Proto Evangelho de Santiago).

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 09 DE SETEMBRO DE 2020 – 23ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 6,20-26 (Discurso inaugural; As bem-aventuranças) – São Lucas apresenta uma versão diferente das bem-aventuranças. Ele as espiritualiza menos que Mateus. O Cristo de Lucas expressa sua preferência pelos cristãos pobres, cujo tipo está representado por Lázaro. Porém, não só isto: os ricos devem ser alvos de nossa compaixão, pois estão enganados e cegos pelas riquezas e, também, por levar, com frequência, uma vida moralmente discutível e carecer de piedade, são prisioneiros de suas preocupações, sem perspectivas quanto ao objetivo essencial de sua vida, sem prestar atenção a seus irmãos. O dinheiro é seu ídolo, mas tudo se lhes esvai das mãos:“néscio, esta noite morrerás”. E aqui se produz a inversão das posições: o rico Epulão padece fome e Lázaro tem tudo. Felicidade e infelicidade inverteram suas posições. Trata-se de um convite enérgico ao desprendimento de tudo que passa para apostar no Tudo que não passa, no Reino dos Céus, no Futuro de Deus, na eternidade. Todo aquele que goza dos bens da terra e da abundância deste mundo deve perguntar-se até que ponto não é prisioneiro desses bens. Quem estiver absorvido pelos bens que passam deve perguntar-se que será dele se não pensa também em “acumular” os bens que não passam.

 

 

Colossenses 3,1-11 (A união com o Cristo celeste é o princípio da vida nova) – São Paulo passa às consequências práticas do estilo de vida cristã. É interessante assinalar que não aponta um código moral totalmente novo. Toma o melhor da cultura existente. A lista de vícios e virtudes não é muito diferente da dos estóicos, que apresentavam um elevado ideal de vida. Mas há uma diferença fundamental: a motivação cristológica. Os crentes são, em Jesus Cristo, uma “nova realidade” ou uma “nova criação”. O crente participa nas vicissitudes de Jesus Cristo e, assim, reveste-se do homem novo que “vai se renovando a imagem de seu criador” (v.10). A clareza existencial é, portanto, manifestação de uma transformação interna. A novidade de vida é sinal de um “homem novo” que está se formando. Agora, não é só a realidade pessoal a que foi profundamente mudada; também deve ser transformada a realidade social, pois em Cristo não existem as costumeiras distinções de sexo, classe e raça, “Cristo é tudo em todos” (v.11). A transformação pessoal no homem novo se converte em princípio de transformação das relações sociais, em superação das barreiras postas pelo homem velho. Cristo aparece na verdadeira renovação da pessoa e da sociedade, como a verdadeira novidade do mundo.

 

Salmo 144/145 (Louvor ao Rei Iahweh) Quando se deseja rezar, já se está rezando. Por isso, o apóstolo Paulo, nos recorda sabiamente que quer você coma, beba, durma ou faça qualquer outra coisa, que tudo seja feito para honra e glória de Deus. Segundo São João da Cruz: “o amado sempre pensa na amada e a amada no amado”. Deus quer que a nossa oração seja sincera, forte e corajosa, mesmo nas dificuldades. O orante do nosso Salmo sente-se sofrido, abandonado, mas também sente um grande desejo de louvar e bendizer a Deus por muitos motivos que surgem em seu coração. Rezar não significa sair da realidade, abandonar as nossas atividades e ficar o dia todo rezando ave-maria e pai-nosso. Há, sim, momentos de profunda oração, mas na maior parte do tempo devemos assumir atitudes orantes, isto é, fazer tudo com reta intenção e com amor profundo. Não esqueça, porém, de encontrar diariamente, como verdadeiro apaixonado e amante de Deus, momentos de silêncio e solidão para estar a “sós com o Só”, que é o Senhor.

Senhor, quero te rezar e louvar por tudo o que acontece na minha vida. Tu és força e refúgio. Quero a cada momento me lembrar de ti, da tua presença e do teu profundo amor. Que do meu coração subam louvores e ações de graça a todo o momento. Que a minha oração seja como o perfume agradável do incenso que sobe até a ti, que sejam rápidas orações, jaculatórias, pensamentos, flechadas de amor que lanço para o céu. Que todo o meu respiro seja louvor a ti. Que nada te ofenda em mim e nos outros. Temos contemplado a bondade de Deus em Jesus, nosso Senhor, que também viveu sempre em comunhão com o Pai. “E agora, Pai, glorifica-me junto de ti mesmo, com a glória que eu tinha, antes de ti, antes que o mundo existisse. Manifestei o teu amor aos homens que, do mundo, me deste. Eles eram teus e tu os deste a mim; e eles guardaram a tua palavra. Agora, eles sabem que tudo quanto me deste vem de ti, porque eu lhes dei as palavras que tu me deste, e eles a acolheram; e reconheceram verdadeiramente que eu saí de junto de ti e creram que tu me enviaste”. (Jo 17,5-8).

 

 

MEDITATIO: Paulo fala de uma tríplice transformação: a de Cristo, que passou da morte á vida; a do cristão que deve passar das coisas que perecem às que permanecem; e as das relações sociais, que devem estar marcadas pela igualdade e a queda das barreiras. Aqui se encontra o fundamento da ética cristã, do agir do cristão. Este último não deve sentir-se impulsionado por qualquer desejo, mas só pelos desejos que lhe renovam. É um convite a vigiar nossos desejos, que não são todos bons, nobres, construtivos, e nem sempre fazem passar do homem velho ao homem novo. Temos de vigiar nossos desejos, de selecioná-los, a fim de fazer morrer os que são expressão do homem velho, e fazer emergir os que são expressão do homem novo. O cristão não vive, portanto, simplesmente “segundo a natureza”, mas segundo a “natureza renovada”, transformada por Cristo. A lenta, paciente e cotidiana, transformação está apoiada pela força que nos vem do acontecimento exemplar de Cristo, e influiu na transformação da sociedade. Esta, ainda que tenha necessidade de contínuas reformas, precisa também de homens e mulheres renovados, decididos a fazer presente, com sua própria vida e seus próprios ideais, o poder transformador de Cristo, inclusive nas relações sociais.

 

ORATIO: Tu, ó Senhor, me falas hoje de mortificação, palavra que, decididamente, quem tem, ainda, a coragem de pronunciá-la? Faz-me compreender hoje, Mestre, que é impossível que possa renovar-me, que possa transformar-me, fazer crescer em mim o homem imortal, sem submergir-me em teu mistério pascal, sem contar com o poder superior de teu Espírito Santo. Sei pedir-te coisas óbvias para quem compreendeu que é cristão; mas, sei, também, que a massa dos cristãos parece muito afastada destas simples convicções. Salva-me, Senhor, desta cegueira e mergulha-me em teu mistério de morte e vida, para que tente construir algo que permaneça em mim e em torno a mim, algo que me eleve e me faça capaz de habitar “lá em cima” contigo, onde te encontras “sentado à direita de Deus”.

 

CONTEMPLATIO: Os bens daqui de baixo são fugazes: são como no jogo de dados, passam com facilidade de uma mão a outra. Não há nada cuja posse seja segura: o que a inveja do próximo não nos tira, ou colhe o tempo. Os outros bens, ao contrário, são imutáveis e eternos: nada pode deformá-los ou destruí-los, nada pode defraudar a esperança que pões neles. Devemos afastar-nos das riquezas terrenas e perseguir as riquezas eternas. Devemos compreender que os bens presentes são caducos e que os bens nos quais temos depositado nossa esperança são duradouros. Devemos ver que é a realidade e que a aparência, para aderir-nos a uma, desprezando a outra. Devemos saber distinguir a ficção, da verdade; a tenda terrena, da celestial; o exílio, da pátria; as trevas, da luz; o barro, do solo da terra prometida; a carne, do espírito; Deus, do príncipe deste mundo; a sombra da morte, da vida imperecível. Devemos permutar o presente, pelo futuro que não tem fim, o mortal pelo imortal, o visível pelo invisível (Gregório de Nacianzo, “Saber distinguir entre o barro e o solo da terra prometida”, em Servir aos pobres com alegria, Desclée De Brouwer).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“O Senhor é bom com todos” (salmo responsorial)

                          

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Se há um aspecto do ministério contemporâneo que devamos sublinhar hoje, este é a pobreza voluntária. Em um tempo no qual nos tornamos tão conscientes dos pecados do capitalismo e ouvimos falar, cada dia, de milhões de pessoas que sofrem por falta de alimento, moradia e cuidados mais fundamentais, não podemos considerar-nos testemunhos da presença de Deus, se nossa própria vida está cercada de bens materiais, se nosso próprio estômago está cheio e nossa própria mente está tolhida pelas preocupações do que temos que fazer com o que possuímos. Em nosso tempo, optar pela pobreza é, provavelmente, a forma mais necessária em nosso esvaziar-nos por Deus. Em todas as partes onde a Igreja se mostra vital, ela é pobre. Isso é verdade, por exemplo, aqui em Roma se pensamos no trabalho das missionárias da caridade. Ali onde a Igreja se renova, abraça a pobreza voluntária como resposta espontânea à situação deste mundo, uma resposta que expressa crítica à crescente riqueza de uns poucos, e solidariedade com a crescente miséria de muitos. O que significa esta pobreza na vida de cada um é difícil dizer, porque isso deve ser descoberto na vida individual por cada um. (H.J.M Nouwen, l clown di Dio).

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 2020- 23ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 6,27-38 (O amor aos inimigos; Misericórdia e gratuidade) Após o desprendimento dos bens, eis aquí o desprendimento de si mesmo para estar em condições de fazer melhor este mundo. Jesus o propõe do modo menos propagandístico possível: és tu quem deve mudar, tu e teus sentimentos, tu e tuas atitudes, tu e teu modo de situar-te frente aos outros. Tu e não teu inimigo, tu e teu coração, que deve ser livre para amar a todos. O texto parece haver sido redigido em três estrofes, para ser bem memorizado. A primeira (vv.27b-31) orienta a fazer o bem, a bendizer, inclusive a orar pelos que fazem o contrário. A segunda estrofe mostra que é preciso superar o princípio de reciprocidade (vv.32-35): devo fazer o bem ainda que os outros não façam o mesmo comigo. A terceira estrofe (vv.37ss) nos projeta para a recompensa eterna. O conjunto é difícilmente aceitável pelo simples sentido comum e pela mentalidade da pessoa comprometida na luta pela vida, porque parece que desarma, parece que convida a combater desarmado. Mas, o presuposto de todo o discurso é que pode amar aquele que se sente amado. E pode amar de uma maneira decididamente extraordinária aquele que se sente amado por Deus de um modo extraordinário. E está também a certeza de que do mesmo modo que tratemos aos outros seremos tratados nós pelo Pai no Reino.

 

 

Cl 3,12-17 (Preceitos gerais da vida cristã) – Paulo nos disse que nos despojemos do homem velho e de suas ações e nos revistamos do homem novo. E nos convida a revestir-nos do homem novo em nossa conduta cotidiana e nos traça o perfil deste homem. Apresenta-nos toda uma série de virtudes «sociais», modalidades da única virtude da caridade. Os cristãos têm que reproduzir os exemplos de Cristo: deste modo, o corpo de Cristo, formado pelos cristãos, viverá em paz. Este corpo se manifesta, sobretudo, nas assembléias litúrgicas, nas que há de circular de modo abundante a Palavra de Cristo, à qual há de fazer eco à palavra dos fieis, em um clima de alegria, reconhecimento e gratidão. Não há dúvida de que Paulo tem aqui presentes às fervorosas celebrações litúrgicas nas quais os ânimos das pequenas comunidades cristãs se fundiam em «salmos, hinos e cânticos inspirados», sob o influxo dos carismas, e nas quais as palavras de doutrinamento e admoestação recíproca representavam um importante elemento de edificação. «Fazei tudo em nome de Jesus» (v.17): Jesus é agora o ambiente vital no qual se desenvolve a existência do cristão. Este é guiado pela Palavra e pelos exemplos de Jesus, está animado por seu Espírito, faz parte de seu corpo e atua em seu nome, convertendo sua própria vida em uma contínua ação de graças a Deus pela extraordinária novidade das perspectivas abertas pelo mundo no qual estamos imersos.

 

Salmo 150 (Doxologia final) – A palavra aleluia, repetida dez vezes é o ritmo da nossa oração e da nossa vida.      O cristão deve sempre cantá-la na vida, na morte, nas perseguições, na amizade, no abandono, nos sucessos e nas decepções. Quem está com Cristo é sempre vitorioso. Mas o que significa aleluia? Significa “Louvai a Deus”. Cantemos aleluia, mas como peregrinos que cantam suas fadigas e são aliviados. “Canta e caminha!” (Santo Agostinho). Canta e caminha… o verdadeiro Salmo sou eu, você, nós que cantamos e rezamos até chegarmos à pátria celeste.

Senhor Deus, amado meu! Se ainda te recordas dos meus pecados, para não fazeres o que ando pedindo, faze neles, Deus meu, a tua vontade, pois é o que eu mais quero: exerce neles a tua bondade e a tua misericórdia, e será neles conhecido. E se esperas por obras minhas, para, por meio delas, me concederes o que te rogo, dá-me, tu, e opera-as tu por mim, e venham também as penas que quiseres aceitar, e faça-se… O Céu é meu; meus são os homens, os justos e os pecadores. Os anjos são meus, e a Mãe de Deus e todas as coisas são minhas. O próprio Deus é meu e para mim, porque Jesus Cristo é meu e todo para mim. Que pedes, portanto, e buscas, ó minha alma? Tudo isto é teu e todo para ti. “Não te rebaixes e nem prestes atenção nas migalhas caídas da mesa de teu Pai” (São João da Cruz, Oração da Alma Enamorada) Amém.

                                                                                                                                                                                                                       

MEDITATIO: Só uma pessoa renovada e libertada é livre para amar e, portanto, para fazer acontecer o milagre da fraternidade e da solidariedade. A epifania da libertação interior já ocorrida, a demonstração da transformação levada a cabo pela imersão no mistério pascal, é a tensão que nos impulsiona a construir a fraternidade. A renovação interior tem sua verificação na renovação das relações humanas impressa na fraternidade. Paulo, como todo o Novo Testamento, retoma, incansavelmente, este tema. Representa-o. continuamente, em diferentes formas, proporcionando múltiplas e variadas sugestões, como múltiplas e variadas são as ocasiões de exercitar o amor fraterno. Um amor que abarca toda a vida de relação, todos os momentos e as circunstâncias em que devo entrar em contato com os outros. Um amor que é uma «qualidade» que caracteriza minha relação com os outros. Hoje estou convidado a perguntar-me sobre minha capacidade de suportar e de perdoar, sobre minha capacidade de mostrar-me agradecido pelo bem que recebo, sobre minha disponibilidade a fundir meu canto com o de quem me importuna, me detesta, me prejudica. Todavia, não é tudo, mas já é muito: hoje devo partir daqui, porque esta é a contribuição que posso fazer neste momento para a transformação do mundo.

 

ORATIO: Vejo, Senhor meu, que falo muito de fraternidade, porém, na vida cotidiana, não desço ao concreto das coisas pequenas que compõem esta maravilhosa realidade. Nela somos grandes nas coisas pequenas, nos mostramos ativos quando suportamos, fazemos viver quando estamos dispostos a morrer. Ajuda-me, Senhor, a descobrir no cotidiano o concreto da caridade que constrói a realidade cristã por excelência: a fraternidade. Abre meus olhos para que minhas palavras sejam seguidas sempre de ações concretas. Sei que buscar ser irmão não é uma empresa exaltante, no sentido da ostentação, e que nem sempre dá seus frutos. Porém, este é teu mandamento principal, é o sinal distintivo que deixaste aos teus. Por isso devo empenhar-me em fazer crescer a fraternidade, a flor mais bela que alegra e perfuma a existência humana.

 

CONTEMPLATIO: Num edifício, cada pedra encaixa na outra, pois cada uma se apóia na outra. Assim ocorre na santa Igreja, onde cada um leva e é levado por outro. Reciprocamente nos apoiamos a fim de que, mediante a ajuda de todos, se levante o edifício da caridade. Com efeito, se eu não tento suportar o outro e vós não tentais tolerar meu modo de viver, como pode surgir o edifício da caridade entre nós, esse edifício no qual, pela paciência, estamos unidos no amor recíproco? Como temos dito, no edifício da Igreja, a pedra que serve de suporte é, por sua vez, suportada, porque, do mesmo modo que eu suporto a conduta daqueles que se mostram ainda um pouco toscos no trato, assim, também, fui eu tolerado por aqueles que me precederam no temor do Senhor e me levaram para que eu aprendesse a levar aos outros. Mas é o alicerce que suporta todo o peso do edifício, e este é nosso Redentor, que suporta, sozinho, todo o fardo que suportamos, todos nós.         O alicerce sustenta as pedras e não é sustentado por elas, porque nosso Redentor suporta todos nossos defeitos, porém nele não há defeito algum que tenhamos que suportar. Só Ele suporta nossos costumes e nossas culpas, só Ele carrega-se com todo o edifício da santa Igreja (Gregório Magno, Homilías sobre el libro del profeta Ezequiel).

 

AÇÃO: Repete e medita durante o dia esta antífona litúrgica:

«Amai a vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam» (Lc 6,27)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Hoje não está muito na moda o elogio da paciência. A escassa estima desta virtude e sua reduzida prática causa a desagregação dos grupos mais sólidos, como a família e comunidades religiosas. Quando não estamos dispostos a ter paciência, somos obrigados a ver o declive da solidariedade e da coesão da fraternidade. Ter paciência não é, certamente, coisa fácil, sobretudo para quem crer firmemente no mito da eficácia ou está mais positivamente preocupado pelo êxito das coisas e da missão. A estas pessoas a paciência pode parecer perca de tempo que fomenta a indolência do próximo ou, também, que significa renunciar a dar lições a pessoas que «devem crescer». São Gregório Magno, que conhecia bem os liames do coração humano, afirmava: “Também nós podemos ser mártires se conhecemos verdadeiramente a paciência do coração. A vitória sobre nós mesmos, por amor aos irmãos, nos vale a glória do martírio”. Aludia, por certo, às provas da vida cotidiana, que em ocasiões guardam uma grande semelhança com o martírio: nessa vida há que suportar às vezes a pessoas extravagantes ou simplesmente insensatas, pessoas que parecem alegrar-se fazendo-nos sofrer; suportar, em outras ocasiões, atitudes humilhantes de prepotência, afrontas mordazes, complicações que parecem confabular-se todas elas para irritar-nos; ou injustiças manifestas, calúnias humilhantes ou, mais simples e frequentemente, a tão conhecida rotina de cada dia, monótona, uniforme e descolorida. A paciência brota também quando nos damos conta das dificuldades pelas quais atravessa o que está junto a nós, o que está tentado, provado e acossado talvez por feridas antigas, por estados de ansiedade, por frustrações que surgem de vez em quando e tornam difícil a vida, primeiro a ele e depois a nós. Quem está movido pela fortaleza cristã intui, compreende, tem paciência e não se maravilha, mas acrescenta, com o garbo de um irmão afetuoso, a ajuda que o é possível oferecer nesse momento (P.G.Cabra, Para una vida fraterna. Breve guía práctica, Sal Terrae)

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 11 DE SETEMBRO DE 2020 – 23ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 6,39-42 (Condições de zelo) – Encontramo-nos em presença de três ditos de Jesus de tipo parabólico, ou seja, abertos a diferentes aplicações. O primeiro tem a ver com os cegos que não podem fazer-se guias. Trata-se dum provérbio profano que também se acha em Platão. No con­texto no qual foi pronunciado poderia ter tido a intenção de pôr em guarda os que pretendiam ter a verdade sem considerar o ensinamento de Jesus, luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo. Sem Jesus somos cegos para as realidades decisivas. O segundo dito tem a ver com a unicidade de Je­sus como mestre. A Ele não devemos acrescentar nada. O discípulo deve aprofundar no ensinamento do Mestre, e só assim será como Ele. O terceiro é a continuação e o aprofundamento no “não julgar para não ser julgado», com o acréscimo do convite à autocrítica, para evitar a hipocrisia. O discípulo deve ter cuidado em melhorar a si mesmo antes de melhorar os outros. A conversão primeira é a pes­soal, não a dos outros. Esta última também a podemos desejar, mas após ter pensado em nós mes­mos e de que nos tenhamos preocupado de tirar as vigas de nossos olhos.

 

 

1 Tm 1,1-2.12-14 (Início; Paulo e sua vocação) Nesta carta Paulo se apresenta como «apóstolo de Jesus Cristo». A carta está dirigida a Timóteo, responsável da comunidade de Éfeso, discípu­lo e amigo querido, a quem dá conselhos e diretivas de fundo pastoral sobre o governo das comuni­dades. Chama a atenção à ameaça de falsas doutrinas, problema que afligiu a Igreja desde o início. Diz Lucas, Paulo encontrou Timóteo em Listra “Havia ali um discípulo chamado Timóteo, de mãe judia convertida ao cristianismo e de pai grego. Timóteo go­zava de boa reputação entre os irmãos de Listra e Icônio. Paulo decidiu levá-lo consigo” (At 16,1-3). Por 15 anos foi discípulo amado e colaborador de Paulo. É um dos mais importantes «epíscopos» da geração posterior aos apóstolos e teve que enfrentar problemas de estabilidade da Igreja e defesa da tradição recebida. Após a criativi­dade dos inícios, vem um período de ajuste, com suas não poucas dificuldades. As cartas pastorais, a primeira das quais temos iniciado a ler, se ocupam exatamente deste tipo de problema. Paulo, sobre a base de sua experiência e re­cordando o que havia sido, reafirma também aqui que tudo procede de Cristo, que tudo é dom, tudo é graça, tudo é misericórdia. Também o é sua diakonía, quer dizer, seu «serviço», seu «ministério». Sabe que pode falar de salvação e misericórdia, pois as tem experi­mentado primeiro em sua própria pessoa. Dai o senti­do do dom e da ação de graças com que introduz seu discurso.

 

Sl 15/16 (Ação de graças) – Ninguém pode ficar sem o Senhor. Ou seguimos ao Deus vivo e verdadeiro de Abraão, Isaac, Jacó, Jesus, Maria, dos apóstolos e também de todos nós, ou continuaremos a inventar “ídolos” fugazes que nada sabem: espiritismo, fitinhas, Nova Era, duendes… Não devemos vender nossa alma à idolatria, mas sermos cada vez mais fiéis ao Deus vivo e verdadeiro. Idolatria e fé não combinam.

Senhor, liberta o meu coração da sedução dos ídolos. Que eu seja um adorador em espírito e verdade e que o meu coração seja o teu verdadeiro templo santo, onde possa te adorar em todos os dias da minha vida. Que eu nunca oferte nada aos ídolos, mas somente a ti, Deus vivo e amado. Amém.

 

 

MEDITATIO: Jesus nos põe em guarda contra a ilusão de sermos melhores que os outros e nos convida a olhar as próprias misérias que temos de libertar-nos. Paulo é cons­ciente de ser «agraciado», alguém que foi arran­cado à força, e por pura misericórdia, do caminho equivocado. Paulo passou pela experiência da mudança de sua vida, mudança levada a cabo pela misericórdia e que lhe fez passar das trevas à luz. O problema se torna mais complexo quando a situação é mais matizada, quando não é tão nítida nem tão drástica. Quando agimos de um modo correto, in­clusive desenvolvendo um esforço continuado, não damos grandes passos em falso e então nos toma a sutil convicção de ser bons, de ter construído com nosso próprio empenho nossa própria respeitabilidade ante Deus e ante os homens. Não como tantos outros que se abandonaram aos seus instintos, às modas, ao que é mais cômodo. E deste modo julgamos de uma forma silenciosa ou aberta. E assim é como chegamos a sentir-nos seguros de nós mesmos, inclusive arrogan­tes, e perdemos o sentido dos limites da condição humana, de nossa própria debilidade. Se mais tarde che­gamos a exercer cargos de autoridade, podemos ser peri­gosos.

 

ORATIO: Olha com bondade minha instintiva necessidade de julgar, de classificar, de catalogar as pessoas. Tem piedade deste cego que quisera ser guia de outros cegos empregando seus critérios pessoais de avaliação. Faz que me convença de que não estou, em absoluto, entre os melhores porque ouço com frequência tua Palavra e porque rezo mais de uma vez ao dia. Infunde em meu coração a convicção de que tudo é graça, tudo é fruto de tua misericór­dia, que por mim não posso concluir nada, não posso vangloriar-me de nada, não sei o que acontece no coração do outro. Vence minha cegueira, sacode meu torpor de tranquilo con­sumidor de tua amizade. Tira-me todas as ilusões e faz que me considere puramente fruto de tua graça, à qual tenho correspondido de um modo bem preguiçoso. Se mais tarde exerço alguma responsabilidade na Igreja que me ponha no candeeiro, ajuda-me a refletir com humildade e temor, para evitar as armadilhas do inimigo.

 

CONTEMPLATIO: Atanásio não manifesta essa insolência que procede da satisfação, como os que se apoderaram de um poder absoluto ou que receberam herança inesperada. Isso é o que fazem os falsos sacerdotes, intrusos, indignos do que professam, que, sem terem pago antes nenhum tributo ao sacerdócio e sem terem sofrido já, pela virtude, são nomeados, não obs­tante, ao mesmo tempo, discípulos e mestres de pie­dade e purificam os outros sem ter se purificado: ontem estavam fora das coisas santas, hoje são guardiões dos santos mistérios. Estes homens acabam por tiranizar a própria religião; são homens cujos costumes não fazem crer que possuam tal dignidade, mas que, por uma estranha inversão, neles a dignidade faz crer que têm costume. Em todo caso, caem em alguma destas culpas: ou perdoam demais os outros, pela necessidade de perdão que sentem eles mesmos, e este é o melhor sistema para ensinar o mal, em vez de erradicá-lo, ou bem escondem suas próprias debilidades sob a dureza de sua autoridade (Gregorio de Nacianzo, Oración fúnebre de san Ata­nasio).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Tu és, Senhor; minha herança» (do salmo responsorial)

                       

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Cada um é um peso para o outro. E deste modo, ai de mim! Que difícil é que o compreendamos, também uma graça. Talvez o outro nos prejudique. Talvez nos obrigue a suportar algo. Talvez pudesse não fazê-lo. Sem dúvida, também estes pesos deveriam ser, para o cristão, o sobrepeso da graça. Portanto, devemos suportá-lo e, inclusive, perdoar ao outro o que, nesse peso, talvez seja culpa sua. Paulo expressa este perdão em grego com um termo no qual ressoa a graça, La chóris. Com efeito, assim conclui [sua exortação]: «Como o Senhor vos agraciou, fazei assim também vós». Assim, pois, devemos perdoar-nos mutuamente e, deste modo, ser graça uns para os outros, exatamente como o Senhor nos tem perdoado. Ou não teve Ele necessidade de per­doar-nos? Acaso, não somos também nós, desses que ti­veram que ser agraciados, desses pobres pecadores, desses, aos quais o Senhor Deus teve que perdoar em Jesus Cristo toda cul­pa, nossa grande culpa? E não podemos fazer também nós, tudo isto, depois, com nossos irmãos? (Karl Rahner, Perole per una esperienza di fede).

 

 

 

 

SÁBADO, 12 DE SETEMBRO DE 2020 23ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 6,43-49 (Necessidade da prática) – Se é importante reconhecer Jesus Cristo como Senhor, mais importante, ainda, é construir a nossa própria vida pondo em prática o seu ensinamento: «Por que me chamais ‘Senhor’ e não fazeis o que vos digo?» (v.46). O ensinamento de hoje está confirmado por duas comparações: a da árvore e a do homem sensato. A árvore, se é boa ou má, se conhece pelos seus frutos, como o construtor é reconhecido bom ou mau pelos alicerces que este põe em sua casa. A Palavra de Jesus, a comunhão eucarística, a adoração ao Santíssimo Sacramento, a Oração Pessoal, exigem sua tradução em comportamentos co­rretos, em motivações justas, em uns sentimentos correspondentes ao de Jesus. E, se é necessário sermos ouvintes da Pa­lavra, mais importante é, ainda, ser operários dessa mesma Palavra. Lucas insiste no «pôr em prática», pois que­r evitar todo idealismo, toda redução da mensagem a puro conhecimento. Exige a verificação da «práti­ca», «obras boas». Quem não procede assim, brinca de ser discípulo.

 

 

1 Tm 1,15-17(Paulo e sua vocação)– Paulo se confessa. Ou melhor: confessa sua esperança fundamental, a da misericórdia de Deus. Conta às maravilhas que Deus tem operado nele. Não disse coisas que tenha ouvido dizer, comunica sua própria experiên­cia. Ao anunciar a salvação começa a falar da sua salvação. Deste modo suas palavras se tornam vivas e comprometedoras. A história da salvação não é história das idéias, mas a história de salvações pessoais, de conversões, de experiências reais de salvação. Por isso se mostra Paulo tão vivo quando fala e escreve: fala de coisas que tem provado, de fatos que lhe tem desconcertado e transformado; fala de acontecimentos que lhe tem afetado de modo pro­fundo. Também Agostinho sentirá a mesma fascinação, porque, até nos momentos da mais elevada espe­culação, não se esquece de que está tratando de vida, de realidades que mudam a existência, que orientam o viver para direções altíssimas. A consequência e a conclusão não podem ser mais que o louvor.                A conclusão de toda teologia há de ser também a doxologia, a exaltação, o estupor maravilhado. Não há de ser o moralismo, mas a contemplação agradecida e exultante de uma ação divina que tende sempre a usar da misericórdia e a salvar os pecadores.

 

Salmo 112/113 (Ao Deus de glória e de amor) Este Salmo é importantíssimo para a nossa vida cotidiana, pessoal e litúrgica. É com ele que se inicia o pequeno grupo de Salmos chamado hallet, isto é, “louvai Javé” (Sl 113-118).       A palavra aleluia, que expressa toda a nossa alegria ao louvar o Senhor, aparece com destaque nesses Salmos, que eram cantados durante e após a Páscoa. A palavra-chave para este momento não é “pedir”, mas sim “louvar”. Todos nós somos convidados a louvar o Senhor, mesmo que seja no silêncio de nosso coração. Jesus cantará a sua aleluia na ceia pascal e firmará com seu sangue a nova e eterna aliança indestrutível. Hoje, na nova aliança, sobe a Deus um louvor novo, que é a Eucaristia.

Senhor, quero cantar minha aleluia silenciosamente, sem rumor, no fundo do meu coração. Às vezes não sei como expressar minha alegria por viver e por ser teu para sempre, marcado pela força do sacramento do batismo, inserido em Cristo, videira e purificado, podado pela tua mão sábia, para produzir frutos abundantes. Vejo-me às vezes como uma árvore decorativa que não dá fruto. Quero, Senhor, hoje contemplar o Cristo, eterno sacerdote que celebra a nova Páscoa, que se entrega por nós e nos dá o mandamento novo do amor. Que eu possa amar cada vez mais a Eucaristia. Páscoa nova e, alimentando-me de Cristo, possa produzir os frutos abundantes do teu amor na tua Igreja, na comunidade, na família, onde eu estiver. Arranca de mim a esterilidade apostólica e torna-me fecundo pastoralmente, capaz de anunciar o Evangelho vivo a todos que encontro na minha vida. Que o meu coração não exclua ninguém do meu amor e do teu amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: Para comprovar a bondade de minha vida cristã, eu devo deixar-me julgar pelas minhas ações. E, mais, devo ter a humildade de deixar-me julgar por quem vê e valoriza es­tas ações. Pode acontecer que eu me sinta gratifi­cado pelo fato de que me aproximo, diariamente, da Palavra de Deus, da Eucaristia, da Adoração ao Santíssimo Sacramento, as Oração Pessoal. Mas, que dizem os outros? Que frutos eu estou dando? Eu estou melhorando ao menos um pouco? Eu respondo, ao menos, com algo melhor, às expectativas que os outros põem em mim? Hoje eu sou convidado, portanto, a examinar-me sobre os fru­tos que produzo, normalmente, sobre minhas ações con­cretas, sobre minhas ações que podem comprovar os outros. Porém, eu estou convidado, também, a não deter-me neste juízo, a ver se estes frutos procedem de uma árvore boa, se são resultados de um coração convertido e não só de uma mão ativa. Se são frutos da escuta da minha Palavra, da minha união com Cristo na Eucaristia, das minhas visitas ao Santíssimo Sacramento, da intimidade com Cristo na minha Oração Pessoal, que me convidam a atuar, a fazer, e também a examinar as motivações de meu agir. Agir para realizar a mim mesmo, não é o mesmo que agir para realizar a vontade amorosa de Deus. Agir como res­posta ao amor misericordioso que Deus me dirige, agir para que Deus seja glorificado em tudo e em todos. Agir por amor ao Amor.

ORATIO: Senhor, exigente é teu amor! Não só que­res que eu atue, mas que, ao atuar, me esqueça de mim mesmo e purifique, continuamente, minhas mo­tivações. Sei que não condenas a ale­gria de fazer algo belo, a satisfação que pro­porciona fazer bem as coisas, porque tudo isto faz parte da natureza que criaste. Porém, queres que eu vá além, para aproximar-me mais a ti. E, assim, hoje te sinto exigente, talvez por gostar de deter-me demasiado no fruto de meu trabalho. É provável que ainda não tenha tido uma experiência profunda de teu amor miseri­cordioso, de teu ágape que me tem amado de modo gratuito e me introduz em seu dinamismo de entrega desinteressada. Derrama em meu coração este teu amor, este teu modo de amar, esta tua capacidade de estar ao teu serviço e dos irmãos.

 

CONTEMPLATIO: A obra exterior, sem caridade, não aproveita, porém, o que se faz com caridade, por pouco e desprezível que seja se faz todo frutuoso. Pois, certamente, Deus olha mais o coração que a obra que se faz. Muito faz o que muito ama. Muito faz o que tudo o faz bem. Bem faz o que serve mais ao bem comum que a sua vontade própria. Muitas vezes parece caridade o que é amor próprio, porque a inclinação da natureza, a própria von­tade, a esperança da recompensa, o gosto da co­modidade, raras vezes nos abandonam. O que tem verdadeira e perfeita caridade, em nenhuma coisa busca a si mesmo, mas somente deseja que Deus seja glorificado em todas (Tomás de Kempis, La imi­tación de Cristo).

 

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Cada árvore se conhece por seus frutos» (Lc 6,44)

                             

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O século XVI foi à época da disciplina, do intento de co­rrigir a dispersão e desordem do outono da Idade Média mediante um maior clarão doutrinal e uma disciplina mais observada. Foram, sobretudo, os homens da caridade quem guiaram à nova Igreja. Estes homens se formavam desde o noviciado para mendigar e para cuidar dos enfermos da peste; se ocupavam da escola dos pobres, dos colégios, dos órfãos, dos enfermos, e sentiam o atormentador chamado das terras distantes. O século XVII foi uma época de grande frieza, de lutas ferozes nas quais os inimigos tradicionais do povo de Deus (a peste, a fome e a guerra) desencadearam uma violência inaudita. Foi o tempo de São Vicente de Paulo, de uma caridade que abriu às mulheres o serviço direto e lhes deu a dignidade de servir aos pobres chamados «senhores e patrões». No século seguinte, a caridade começou a especializar-se. Graças aos progressos da medicina, nos demos conta de que não bastavam os conhecimentos empíricos para sair ao encontro das necessidades do homem. Por outra parte, também a própria ciência se deu conta de seus limites. E é que a ciência sem pres­tar atenção à pessoa, sem o sentimento de compartilhar o amor, não basta. No século XIX, a caridade não foi só a esmola, mas que se trabalhou pela justiça e o compromisso político e social. A justiça foi, portanto, a nova fronteira da caridade. E enquanto a Igreja chegava a todos os rincões remotos do planeta, o primeiro sinal que sobressaía em todas as partes era o das obras de caridade (L. Mezzadri – L. Nuovo, Storia della carità, Milán 1999).

 

 

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