“Minha alma engrandece o Senhor” (EFC)
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Lucas 1,46-56
“E disse Maria: ‘Engrandece minha alma ao Senhor e meu espírito se alegra em Deus meu Salvador’”
O evangelho que lemos ontem, ainda não terminou. Às palavras de Isabel, responde Maria com outro hino, inspirado pelo Espírito Santo, que anuncia, profeticamente, a obra do Salvador. O conhecemos com o título de “Magníficat”.
Retomemos o texto, tratando de descobrir seus fundamentos, seu conteúdo e seu itinerário oracional perguntando: Em que se baseia o Magníficat? Qual é sua fonte de inspiração? Que canta Maria? Qual é o núcleo de seu conteúdo? Como o canta? Como se desenvolve?
1. Em que se baseia o Magnificat?
Lucas nos mostra que o cântico de Maria não é resultado de uma simples emoção, mas vem de um longo processo de tomada de consciência, vivido, primeiro, a partir do encontro consigo mesma, no silêncio, e, logo, por meio da voz inspirada de Isabel.
Observemos que o cântico é, em última instancia, a resposta de Maria à primeira palavra que lhe dirigiu o Anjo: “Alegra-te!” (1,28). Depois de passado um tempo, durante a visão, Isabel lhe recordou, com outros termos, a primeira palavra do Anjo: “Tu és feliz!” (1,45). Agora, depois de todo este processo de maduração interna, é a própria Maria que vai dizer: “Alegro-me em Deus, meu Salvador!” (1,47).
Assim, o “magníficat” é um canto que nasce de um coração agradecido a Deus, de um coração atento à voz e à ação de quem lhe disse que a ama profundamente. Unindo, em sua voz, salmos e cânticos do Antigo Testamento e pondo o olhar na extraordinária novidade de Deus neste novo tempo, Maria pode, agora, expressar a síntese que elaborou em seu coração orante.
2. Que canta Maria?
O tema central do Magnificat é Deus: “Engrandece minha alma ao Senhor”. Ele foi o protagonista de tudo que ocorreu até o momento e de tudo o que virá depois. Tendo como referencia sua experiência pessoal, Maria dá uma olhada retrospectiva na obra de Deus na Historia da Salvação.
Com este hino proclama, pois, a grandeza do Deus da história, que reconhece por sua santidade, seu poder, sua misericórdia e sua fidelidade. Maria compreende agora, porque o experimenta dentro dela mesma, o porque de todos estes atributos. Pôs-se no lugar justo para compreender a Deus: o dos humildes (1,48; 10,21).
3. Como o canta?
Maria entoa sua canção inspirada, proclamando a obra de Deus nela, no mundo e no povo de Israel.
(1) A obra de Deus nela (1,16-49a)
O Deus, a quem reconhece grande em sua santidade, poder, misericórdia e fidelidade, é também seu “Salvador”. E tem sido pondo seus olhos em sua humildade de escrava, amando-a nessa situação, e fazendo maravilhas nela: o poder criador que a fez mãe do Senhor (ver 1,35).
Isto a impulsiona a profetizar: “Desde agora todas as gerações me chamarão feliz”. Isabel foi a primeira em fazê-lo e, bem o sabemos, a profecia saída de seus lábios tem se cumprido, até hoje.
(2) A obra de Deus no mundo (1,49b-53)
Erguendo seu olhar contemplativo sobre a humanidade, Maria vê como Deus muda sua situação pelo poder de seu braço.
Primeiro, como que se renova a imagem envelhecida de um Deus distante e estático: o “Santo”, Deus em sua transcendência, é, também, o “Misericordioso”, com um coração próximo ao homem, capaz de comover-se e sofrer com ele. Saboreia sua misericórdia aquele que o teme, quer dizer, quem está aberto, sem resistências, à sua Palavra, que busca seus caminhos.
Segundo, Maria, pequena entre os pequenos, se apresenta como um destes pequeninos da historia que, de sua vivencia da misericórdia, está em condições de proclamar a “revolução” que introduz o poder libertador de Deus, “a força de seu braço” (imagem significativa que nos remete ao Êxodo):
- Dispersa os soberbos, orgulhosos e autosuficientes, oposto ao temor de Deus,
- Derruba aos que constroem seu projeto de vida, baseando-se no poder e na força humana. Pelo contrário
exalta ao humilde.
- Despede sem nada os que apóiam sua vida nos bens materiais, e sua confiança na própria riqueza. Mas, assiste aos famintos, a quem a má distribuição dos bens da terra marginalizou.
Contemplando, criticamente, a realidade humana e suas desgraças, Maria proclama que o poder de Deus é mais forte que as maquinarias que oprimem a sociedade provocadora de fome e desigualdade.
A escala de valores e a distribuição dos bens que hoje vemos e que tanta indignação nos causa, não é definitiva, já que Deus tem a última palavra sobre a historia e constrói, com sua Palavra, um novo tecido de relações baseado na fraternidade, justiça e solidariedade (ver primeiros capítulos de Atos). Trata-se, então, de uma visão global da obra do Evangelho, porque Maria faz referencia, justamente, a três dos pontos com os quais choca Jesus em seu ministério.
(3) Uma visão ampla da história da Salvação (1,54-55)
Maria está consciente de que está contemplando o vértice da historia, uma historia, na qual, Deus tem caminhado como companheiro fiel de seu povo escolhido. Sinal concreto de seu amor fiel é que, agora, cumpre-se a antiga promessa feita a Abraão.
A palavra da promessa foi o fio condutor em todo o Antigo Testamento e se cumpre através da obra começada agora em Maria: a Encarnação.
Antecipando-nos ao final do Evangelho, podemos dizer que do mesmo modo que Abraão, também Maria passou pela prova da fé e saiu vitoriosa: hoje a obra segue adiante, seu Filho Jesus é o último e definitivo sucessor de Davi (ver 1,32-33), Senhor e Salvador, n’Ele se cumpre a promessa da benção (ver Gn 12,1-3) que, ao fim de tudo, é o dom da plenitude de vida.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
- À luz do canto de Maria, que relação há entre “oração” e “vida”? Que elementos do canto nos ajudam caracterizar a espiritualidade de uma pessoa que quer viver sua
fé comprometida com sua realidade?
- Quais são os momentos do cântico de Maria? Que caracteriza cada um? Que lição nos dá Maria para nossos momentos de oração?
- Que valor tem orar pelas tardes com as mesmas palavras de Maria? Como recolhe
e expressa o que se vive ao longo de uma jornada? Que me ensina o cântico de Maria quando disse que Deus é “meu Salvador”? Que relação tem com o natal e com o mistério pascal?
“[Maria] não atribui nada a seus méritos, mas remete toda sua grandeza ao dom dAquele que, sendo poderoso e grande por natureza, transforma seus fieis, de pequenos e débeis, em grandes e fortes” (Beda, el Venerable)