O Chamado do Profeta

O CHAMADO DO PROFETA

            Aos 26 de setembro de 1182, nasceu em Assis, na Itália, Francisco de Assis. O pai era um rico negociante de tecidos, de nome Pietro di Bernadone. A mãe, D. Pica, descendia da nobre família dos Bourlemont, da Provença. O menino, na pia batismal, recebeu o nome de João, nessa ocasião seu pai viajava à negócios, voltando de viagem muda seu nome para Francisco, em homenagem à França, terra que ele muito amava e que era a pátria de D. Pica.

LENDAS E CURIOSIDADES FRANCISCANAS

            Como no dizer de Pio XI, Francisco se apresentasse um “Cristo Ressuscitado” diante dos séculos, as lendas rodearam o seu nascimento com os fatos maravilhosos do próprio Natal do divino Salvador.

            Profundamente significativa para a futura missão de Francisco é a lenda de que um misterioso peregrino ou mesmo um anjo teria percorrido as ruas de Assis exclamando: “Paz e Bem! Paz e Bem!”

*          *          *

            Francisco passou sua infância estudando pouco e não fazendo nada, pois seu pai tinha medo que morresse, por ter uma saúde tão frágil, que provavelmente herdou de sua mãe, segundo dizem os biógrafos. Sua  mãe evitava qualquer trabalho, qualquer esforço e qualquer dor, seu pai queria que fosse mercador, mas com aquela vida cômoda que levava, não tinha a menor vontade de trabalhar, na verdade não sabia fazer nada, ou melhor, sabia organizar festas…

            Ele estabeleceu ao seu redor uma corte de alegres companheiros. Passou a mocidade gastando largamente e era considerado o rei da juventude.

            Nessa época, subiu ao Pontificado o Papa Inocêncio III, personalidade forte e de grande coração. As cidades italianas levantaram a cabeça exigindo independência, a rebeldia estendeu-se por toda a Itália Central.

            A revolução chegou à Assis em 1198. Quando o povo soube que Conrado tinha se submetido às exigências do Papa, subiram à Rocca e a derrubaram, sem deixar pedra sobre pedra. Com a maior rapidez levantaram uma sólida muralha ao redor da cidade com o material da Rocca desmantelada. Formou-se assim a república de Assis, independente do Imperador e do Papa. Francisco estava com 16 anos.

            A população humilde de Assis agora desejava vingança contra os opressores senhores feudais. Os nobres tiveram que refugiar-se na vizinha Perúsia. Entre os fugitivos contava-se uma pré – adolescente de uns 12 anos, chamada Clara.

            Os nobres assisienses pediram auxílio de sua eterna rival, Perúsia, contra a população de Assis que os havia expulsado.

            Surge nas “boas” famílias da época o sonho de ver seus jovens na carreira das armas, e isso os atraía, pois representava glória, fama, honra…

            Era a moda da época, e eles nem sequer pensavam na possibilidade de morrer na batalha.

            As coisas acabaram mal para Assis, seus combatentes foram derrotados e tomados como reféns e deportados para a cadeia de Perúsia. E aí temos Francisco feito prisioneiro de guerra. Foram onze meses de prisão e é lá que começa a morrer o filho de Bernadone e a nascer Francisco de Assis.

            No cárcere de Perúsia começa a primeira das cinco fazes da conversão de Francisco.

1ª FASE ( 1.203 – 1.204 ):

Francisco despertou na cadeia de Perúsia. Até então seu mundo de sonhos chamava-se sede de glória e estava desmoronando. Sonhava com glórias tão altas e deu de cara, na primeira tentativa, com tão humilhante derrota. Era demais! Era aí mesmo que Deus o esperava.

Deus não pode entrar nos castelos levantados sobre dinheiro, poder e glória. Quando tudo dá certo na vida, o homem tende insensivelmente a concentrar-se em si mesmo.

            Foi como se Francisco tivesse recebido uma boa sacudida de Deus. No primeiro momento tudo estava meio confuso, como se estivesse em meio à uma poeira espessa, mas quando o pó assenta, se pode ver a realidade clara: tudo é inconsistente como um sonho.

            A graça ronda Francisco e ele perde a segurança. Os velhos biógrafos dizem que, enquanto seus companheiros estavam tristes, Francisco não só estava alegre, mas até eufórico. Seus companheiros perguntavam: “— Você está louco Francisco?”. E ele respondia: “— Sabem por quê estou assim? Olhem, tenho um pressentimento escondido, aqui dentro, que me diz que um dia todo mundo vai me venerar como um santo.”

            Em agosto de 1203, os homens da plebe e os aristocratas de Assis, fizeram um tratado de paz, como conseqüência, Francisco e seus amigos foram libertados.

            Na volta de Perúsia, mal pisou as ruas de Assis, mergulhou nas festas. Morta a sede de glória, agora Deus haveria de vencer sua sede de alegria.

            Uma grave enfermidade de natureza estranha abateu-se sobre sua juventude, mantendo-o longos meses entre a vida e a morte.

            Quando Francisco recuperou a saúde sentia-se morto, tinha perdido o entusiasmo pelas coisas. O Senhor tinha derrubado seus dois bastões mais firmes, a sede de glória e a ânsia de prazer, deixando o rapaz verdadeiramente depenado.

2ª FASE ( 1.205 ):

Desde 1198, a Itália inteira estava alerta diante dos acontecimentos, entre o Pontificado e o Imperador. Desta vez o epicentro da discórdia era o Reino da Sicília.

            O Papa Inocêncio III colocou à frente das forças papais o capitão Normando Walter de Brienne.

            Francisco estava ferido interiormente, mas não acabado. A conversão é assim. Ninguém se converte de uma vez e para sempre. “Mesmo ferido o homem velho nos acompanha até a sepultura”.

            O fogo da ilusão levantou de novo a cabeça em chamas, e a possibilidade de ser armado cavaleiro arrebataram Francisco. Aos 25 anos alistou-se na expedição.

            Partiram para a Apúlia. Ao cair da tarde chegaram em Espoleto, os biógrafos contam que nessa noite Francisco escutou uma voz que lhe perguntava:

— Francisco, aonde vais?

— Para a Apúlia, lutar pelo Papa.

— Dize, quem te pode recompensar melhor, o servo ou o Senhor ?

— O Senhor , é claro.

— Então, porque segues o servo e não o Senhor?

O que queres que eu faça, Senhor?

— Volta para casa que tudo vai ser esclarecido.

E Francisco voltou para casa na manhã seguinte. Naquela noite, Francisco teve pela primeira vez uma forte experiência de Deus. É o que se chama na vida espiritual de “graça infusa extraordinária”.

Voltando de Espoleto para Assis, Francisco ia mergulhado naquela presença. Quando pôs os pés em Assis, ninguém podia acreditar. E os boatos começaram, mas Francisco, que estava sob o efeito da visita de Deus, não se importou com nada e se apresentou com toda a serenidade.   

3ª FASE ( 1.206 ):

Depois de sua volta de Espoleto, retomou sua vida normal e as festas, mas não podia deixar de sentir-se cada vez mais como um estranho no meio de seus amigos de festas. Seu coração estava em outro lugar.

Sua alma era um abismo insaciável chamado Sede de Deus. Contam os biógrafos que Francisco começou a freqüentar diariamente as solidões ao redor de Assis.

Nesse tempo, havia na cidade uma velhinha deformada, era uma figura horrível que causava horror de longe. Francisco era de uma sensibilidade extrema, ela não conseguia olhar nem de longe para a velhinha, porque lhe causava repugnância, e o mesmo acontecia com os leprosos, que no tempo de Francisco, eram os mais marginalizados pela sociedade. Aos leprosos era negado até o convívio com as pessoas, tinham que viver fora dos muros da cidade e andavam com uma sineta, com dupla finalidade: sinalizar que ali havia um leproso, por isso tinham que tomar cuidado e, ao mesmo tempo para suplicar esmola.

            Um dia, quando Francisco estava em uma gruta em oração, ouviu uma voz que dizia assim:

            “Querido Francisco, se queres descobrir minha vontade, tens que desprezar tudo o que amaste até agora e amar tudo o que desprezaste.

            Quando começares a fazer isso, verás como as coisas amargas vão se tornar doces como o mel, e as que até agora te agradaram vão parecer insípidas e desagradáveis”.

            Depois disso, Francisco colocou nas mãos do Senhor um juramento: tomaria nos braços o primeiro leproso que encontrasse, o que para ele era o mesmo que jogar-se nu em uma fogueira.

            Certa manhã topou de repente a poucos metros com a sombra maldita de um leproso que lhe estendia o braço carcomido. O primeiro impulso era desaparecer a galope. Mas lembrou-se das palavras: “Francisco, o repugnante vai se tornar doçura”.

            Saltou do cavalo e aproximou-se do leproso, quando se viu face a face com ele, deu-lhe um abraço e o beijou, alguns biógrafos contam que Francisco beijou o leproso na boca, depois colocou uma esmola em sua mão e partiu. A prova de fogo tinha sido superada.

            Alguns metros adiante sentiu uma doçura e uma paz jamais experimentada. Mais tarde, em seu leito de agonia, Francisco dirá que provou “a maior doçura da alma e do corpo”. O leproso ajudou Francisco a descobrir sua vocação.

            Desde esse momento, os “irmãos cristãos” (como era chamado os leprosos naquela época)  vão ser os favoritos de sua alma e começa a dedicar-se a cuidar de seus novos amigos nos leprosários e a ser mais atento às necessidades dos pobres, especialmente quando lhe pediam algo por amor de Deus, essa frase tornou-se a palavra-chave para tocar o coração de Francisco.

            Hoje, ainda temos muitos leprosos, com faces diversas em nosso meio: são os drogados, os aidéticos, os desempregados, as crianças de rua, os sem fé, sem amor, são pessoas que esperam a atitude de um Francisco, que lhes dê um abraço que lhes faça sentir um pouquinho mais irmão de todos.

POR AMOR DE DEUS

            Conta-nos São Boaventura que, um dia atendendo, distraidamente, a um cliente na loja de seu pai, deixou de atender um mendigo que lhe pedira uma ajuda por amor de Deus.

            Quando o mendigo deixou a loja, Francisco começou a recriminar-se, dizendo: “Se fosse alguém pedindo em nome do bispo, do rei, de uma pessoa importante, certamente eu teria dado algo. Este pobre me pediu por amor de Deus, Rei dos reis e Senhor do universo, e eu não lhe dei atenção”. Arrependido, correu atrás do pobre para lhe dar a ajuda pedida.

4ª FASE ( 1.206 – 1.207 ):

Desde a noite de Espoleto, a pergunta de Francisco ao Senhor tinha ficado no ar: “que quereis que eu faça?”. Mas Deus permanecia calado.

            Francisco dedicava muitas horas ao Senhor e muitas horas aos leprosos. Freqüentava muitas capelas espalhadas pelas colinas e um dia encontrou uma ermida dedicada a São Damião. Haviam muitas fendas e era muito simples, lá dentro não havia mais do que um simples altar de madeira, uns bancos e um crucifixo bizantino. A capela humilde era atendida por um padre velhinho que vivia da boa vontade dos passantes.

            O Irmão entrou, ajoelhou-se diante do altar e ficou olhando para o crucifixo por muito tempo.

            Era um crucifixo diferente: não expressava dor nem causava pena. Tinha uns olhos negros e bem abertos.

            A imagem do crucifixo penetrou na alma do Irmão. A tradição conservou a oração do Irmão nessa manhã. Elevando os olhos para a majestade do Cristo bizantino, dizia:

“Glorioso e grande Deus, meu Senhor Jesus Cristo! Vós que sois a luz do mundo, ponde claridade, eu vos suplico, nos abismos escuros do meu espírito. Dai-me três presentes: a fé, firme como uma espada; a esperança, larga como o mundo; o amor, profundo como o mar. Além disso, meu querido Senhor, peço-vos ainda um favor: que todas as manhãs, ao raiar da aurora, amanheça como um sol diante de minha vista a Vossa Santíssima vontade para que eu caminhe sempre em vossa luz. E tende piedade de mim, Jesus.”

Nesse momento ouviu-se claramente uma voz que parecia proceder do Cristo: “Francisco, não vês que minha casa está em ruínas? Corre e trata de repará-la”.

            Francisco entendeu a ordem ao pé da letra e respondeu: “Com muito gosto, meu Senhor”.

            É importante acrescentar que ao aceitar o chamado ( ao pé da letra ), Francisco simplesmente começou por si mesmo, ele não foi escrever nenhum texto para sensibilizar a Igreja e o governo  sobre a necessidade de conservação das igrejas, nem foi às praças tentar conscientizar as pessoas sobre a importância da restauração daquela igreja e de que eles precisavam tomar uma atitude, ele próprio começou, tomou “ELE” primeiro, a atitude, e mudou de vida.  Levantou-se olhou ao seu redor e viu que era verdade, as paredes estavam rachadas. Voltou para casa, preparou o cavalo e carregou sobre ele umas tantas peças de tecidos e se dirigiu para Foligno com a alma repleta de alegria. Em poucas horas vendeu tudo, até o cavalo. Com a bolsa cheia de dinheiro voltou a São Damião e ofertou o dinheiro para o padre, que com medo da fúria de Pedro de Bernadone e meio desconfiado da mudança repentina daquele rapaz, recusou o dinheiro.

            Diante da renúncia do sacerdote, Francisco agarrou a bolsa e atirou-a contra o batente da janela. Conta-se que a partir daí, nunca mais tocou em dinheiro.

            Depois disso ajoelhou-se diante do padre e suplicou que pelo menos lhe permitisse morar ali, começa aqui o divórcio de Francisco com o mundo, e por conseqüência, as perseguições. Mas Francisco, depois de algum tempo, resolveu enfrentar de frente, seus medos e as perseguições, e  voltou à cidade  para enfrentar o medo do ridículo e principalmente à Pedro de Bernadone.

            Quando entrou na cidade o povo começou a gritar: “Um louco!”, mas Francisco não se importava com nada. Seus olhos estavam cheios de paz. Aqueles gritos chegaram à casa de Bernadone, que percebendo que aquilo tudo era com seu filho Francisco, encheu-se de raiva e vergonha. Lavado pela fúria, abriu caminho no meio da multidão, agarrou Francisco pela nuca e o arrastou para casa, onde o chicoteou e o trancou à chave num porão. Francisco permaneceu sereno, o que irritava mais ainda o seu pai.

            Um dia o velho mercador teve que se ausentar, antes de sair colocou algemas nas mãos e nos pés de Francisco e trancou o porão com um forte cadeado. D. Pica simpatizava com a decisão de Francisco por Deus, mas não podia aceitar aquele estilo de vida, tentava de todas as maneiras convencer a Francisco a mudar, e ele por sua vez falava do amor de Deus para ela, até que sua mãe rendeu-se as suas palavras, e mesmo com medo da ira do seu marido, deu um jeito e soltou Francisco.

            Quando se viu livre, o rapaz ajoelhou-se aos pés da mãe para receber a benção dela. Os biógrafos conservaram as palavras de D. Pica naquele dia. Ela colocou as mãos na cabeça do filho e lhe disse:

 “Pássaro de Deus, voa pelo mundo e canta. Filho de minha alma, que as asas de Deus te cubram e te protejam como estas mãos. Leva o meu sangue e a minha sombra até o fim do mundo. Abre e percorre os caminhos que eu não posso percorrer. Coloca as minhas lâmpadas nas noites e os meus mananciais nos desertos. Recolhe as dores do mundo e esparge a esperança em toda parte. Que tua morte seja uma festa e tua vida um parto. Que te acalantem os ventos e te dêem sombra as montanhas. Cobre a terra de piedade e transforma as urnas em berços. Eu te amo, sangue do meu sangue e filho de meu espírito. Quando tua carne nua e transitória receber o beijo da irmã não amada, eu estarei te esperando, em pé, embaixo do grande arco da aurora para sempre”.

            Francisco voltou para São Damião.

            Quando Bernadone voltou, ficou mais furioso do que antes e perdeu a esperança de recuperar seu filho, já não iria mais insistir, mas não podia tolerar suas extravagâncias. Resolveu, então, recorrer aos magistrados, pedindo-lhes que o filho fosse deserdado e exilado. Mas Francisco foi claro e decidido, dizendo: “Estou livre pela graça de Deus e não devo nada aos cônsules, porque me fiz servo do Senhor, e só dele recebo ordens”.

            Seu pai vendo-se perdido, lançou em rosto que não tinha entregado o dinheiro da venda do cavalo e dos tecidos. O Irmão aproximou-se do mercador, levou-o para dentro da ermida e lhe mostrou o recanto da janela. Depois de dois meses, ainda estava lá, intacta, a bolsa de dinheiro  que o capelão tinha recusado. Pedro de Bernadone agarrou a bolsa e foi embora.

            Os magistrados disseram à Bernadone que se Francisco havia se consagrado ao serviço de Deus, ele deveria recorrer ao bispo, e foi o que ele fez.

            Diante do Chefe Espiritual da cidade, Dom Guido, e de uma grande multidão, se deu uma cena sublime: Francisco faz o despojamento total das garantias terrenas e a escolha consciente e pública de Deus como pai, entregando-se inteiramente a seus cuidados.

            “Ouvi todos, ouvi e atendei ! Até agora tenho chamado de pai a Pedro Bernadone, mas como fiz propósito de servir a Deus, restituo-lhe o dinheiro pelo qual se inquietava e as roupas que me deu, de tal modo que de agora em diante poderei dizer com todo o direito: Pai nosso que estais no céu!”.

5ª FASE ( 1.209 ):

Agora ele podia cumprir as ordens de seu senhor Crucificado, nada o deteria. Começa a reconstruir a igreja de São Damião. Ia todos os dias à cidade mendigar material de construção e

dizia assim:

            “Quem me der uma pedra, terá uma recompensa.

            Quem me der duas pedras, terá duas recompensas.

            Três recompensas são para aqueles que me derem três pedras”.

Depois de terminar São Damião restaurou a Igreja de São Pedro e logo a seguir a de Santa Maria dos Anjos ou Porciúncula, esta última agradou-lhe muito por ser dedicada a mãe do Senhor. Francisco sempre teve grande amor e devoção pela Mãe de Jesus. Mais tarde, sob a proteção e intercessão dela, consagraria toda a Ordem, até o fim dos tempos.

            LENDAS E CURIOSIDADES FRANCISCANAS

            “Dizia-se em Assis, que nas vésperas de algumas solenidade, desciam de noite numerosos coros de anjos que cantavam alegremente aleluias e faziam grande festa. Por essa razão era conhecida desde tempo imemorial como Santa Maria dos Anjos. Chamavam-na também de ‘Porciúncula’, porque a tradição dizia que os beneditinos tinham vivido ali antes de se instalar no Monte Subásio, e lhes tinham dado uma ‘pequena porção’ de terra para o cumprimento de suas obrigações monásticas”.

            Nessa fase aparece uma novidade na vida de Francisco: a sensibilidade para com as criaturas. Amava a natureza e tinha uma ternura toda especial para com as criaturas pequenas, mais tarde, antes de compor o Cântico das Criaturas, dizia que as criaturas refletiam o próprio Deus. Mas não eram as criaturas os prediletos de seu coração, a respeito de seus preferidos ele dizia:

            “Não desprezarei os que desprezam.

            Não amaldiçoarei os que amaldiçoam.

            Não julgarei os que condenam.

            Não odiarei os que exploram.

            Amarei os que não amam.

            Não excluirei ninguém de meu coração.

            Meus preferidos serão os preteridos.

            Quanto mais marginalizados pela sociedade,

tanto mais promovidos serão em meu coração.

Na medida em que forem menores

os motivos para serem apreciados,

tanto mais serão amados por mim.

Amarei principalmente os não amáveis”.

Mas o destaque dessa fase, era como Francisco havia de cumprir a missão de restaurar a casa do Senhor. Até então ele estava levando a ordem ao pé da letra, mas o Senhor encarregaria de fazer Francisco enxergar sua vontade, e essa manifestação não iria demorar, seria na festa de São Matias ( 24 de fevereiro de 1209 ).

Depois de restaurar a Porciúncula, disse aos monges beneditinos, proprietários da ermida, que seria conveniente uma missa para instaurar o culto divino, isso seria exatamente no dia de São Matias. No dia combinado, Francisco, ansioso, preparava tudo para a celebração. A missa começou e o Irmão ajudava com grande piedade. Acolhia cada oração e cada leitura cuidadosamente, chegou a hora do Evangelho.

            Dizia: “Vão e preguem por todo o mundo. Não levem nenhum dinheiro no bolso. Também não levem sacola de provisões. Uma camisa basta. Não precisam de sapatos nem de bastão. Vivam do trabalho das próprias mãos. Quando chegarem a algum povoado, perguntem por alguma família honrada e peçam hospedagem. Sempre que entrarem em alguma casa, digam: A Paz esteja nesta casa. Sejam simples como as pombas e espertos como as serpentes.

Se não os aceitarem em algum lugar, procurem outro sem protestar. Há muitos lobos por aí. No meio deles, vocês são cordeirinhos recém-nascidos. Pode ser que os arrastem aos tribunais; o Pai lhes porá na boca os argumentos de defesa, os argumentos certos. Não tenham medo. Eu vou ficar com vocês até o fim do mundo”.

Francisco estava impressionado. Parecia que palavras mortas, tantas vezes escutadas, estivessem de repente recuperado a vida e ressuscitando mortos.

No fim da missa, Francisco procurou o sacerdote e contou como as palavras do Evangelho haviam lhe tocado o coração, e desejava escutá-las de novo e se possível que explicasse a palavra. Assim aconteceu, no fim, Francisco disse: “Glória ao Senhor! É isso que eu quero, é isso que procuro, é isso que eu desejo fazer de todo o coração. O horizonte está aberto, já sei o caminho. É obra do Senhor Jesus Cristo. Vou percorrer esse caminho evangélico mesmo que haja espinhos no meio das flores até chegar ao fim do mundo, e é nesse caminho é que vai se apagar a minha vela”.

Depois disso foi para a ermida, tirou a túnica de ermitão e os sapatos, cortou um saco rude, dando-lhe forma de cruz com um capuz, amarrou na cintura uma corda comum e saiu pelo mundo, agora era um verdadeiro Cavaleiro de Cristo.

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