Última Semana do Advento (Estudos Bíblicos)
ESTUDO BÍBLICO NA SEMANA QUE ANTECEDE O NATAL
Comunidade Paz e Bem – 4ª Semana do Advento
SEGUNDA-FEIRA
Lucas 1,5-25
Um casal estéril experimenta a misericórdia de Deus
“Não temas, Zacarias, pois tua prece foi ouvida; Isabel, tua mulher, dará a luz um filho,
a quem porás o nome João; será para ti gozo e alegria e muitos se alegrarão em seu nascimento”
Nos dois dias anteriores lemos o primeiro capítulo do Evangelho de Mateus. A partir de hoje começamos a leitura dos dois primeiros capítulos de Lucas. Seguindo a ordem dos chamados “relatos da infância”, vamos ver como a vinda histórica de Deus entre nós, em Jesus, é a resposta definitiva à longa espera do povo de Israel.
Após breve prólogo (Lc 1,1-4), inicia o relato com estas palavras: “Houve nos dias de Herodes, rei de Judéia, um sacerdote, chamado Zacarias… casado com uma mulher descendente de Aarão, que se chamava Isabel” (v.5). Uma vez que se menciona a época e se apresenta o casal Zacarias e Isabel, narra-se a concepção milagrosa de João Batista, o precursor do Messias. Relendo o texto podemos descobrir alguns pontos que o evangelista acentua, tais como:
1. A “Boa Nova” para um casal
Deus atua dentro da realidade concreta de um casal que tem todos os títulos para ser considerada “santa” (1,6), porém, que vê obscurecida a felicidade de seu lar por uma desgraça: não podem ter filhos, antes de tudo, por causa da esterilidade, porém, também, agora, pela idade avançada (ver v.7).
O anúncio que muda a rotina de Zacarias e Isabel, e que é, também, o início de uma série de ações salvíficas de Deus, em uma nova e definitiva etapa da história, é qualificado de “Boa Notícia” (v.19). Esta é a primeira boa notícia que se anuncia da parte de Deus. A alegria que vem da realização do enunciado, a vemos expressa nas palavras de Isabel ao final do evento: “O Senhor se dignou tirar meu opróbrio entre os homens” (v.25).
2. As atitudes de uma família que sabe esperar as promessas do Senhor
Já que Zacarias e o povo, em oração no Templo, representam a Israel que espera a vinda do Messias, vejamos como as suas atitudes correspondem às mesmas que devem ter uma pessoa que espera nas promessas do Senhor. Aprendamos deles estas três atitudes:
- Confiar no Senhor. (vv.12-13) É o anjo que lhe diz “não temas”, convidando-o, assim, a deixar de lado o medo e a confusão que se sente quando não se vê claro o futuro, para confiar e ter segurança só em Deus. A espera deve estar sustentada pela confiança em Deus.
- Orar ao Senhor. (vv.8-10.13) Na oração no Templo, Zacarias e o povo recordam a Deus seu pacto de fidelidade, o compromisso de intervir por seu povo. Zacarias, como sacerdote, uniu a esta oração às expectativas concretas deste povo e, ainda, as próprias. Deus o escutou: “Tua prece foi escutada” (v.13). Também na sua oração Isabel toma consciência do como Deus responde (ver 1,25).
- Crer no Senhor. O Anjo disse a Zacarias: “minhas palavras… se cumprirão a seu tempo”, e lhe dá um sinal: “não poderás falar até o dia em que aconteçam estas coisas” (v.20). A atitude de Zacarias, que merece a censura do Anjo “não deste crédito a minhas palavras”, é, exatamente, contrária à de Maria: “Feliz a que creu, porque se cumpririam as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor” (v.45). É preciso crer na eficácia da Palavra de Deus.
Estas três atitudes que caracterizam estes personagens representantes da etapa final do longo advento do povo de Israel, têm um fundamento que está enunciado numa promessa: “Será para ti gozo e alegria, e muitos se alegrarão com seu nascimento” (v.14).
O dom da vida que nasce traz “alegria” e “exultação” a quem o sabe acolher. A boa nova é convite à alegria plena e autêntica. E disto dá exemplo o povo que acolhe a obra salvífica de Deus ao longo de todo o Evangelho. Ver os casos de Maria (1,48); dos parentes de Isabel (1,58); dos pastores e todo o povo (2,19); dos discípulos (10,17); de Jesus (10,21)
O perfil do filho. A resposta de Deus à oração de Zacarias é o dom de um filho. Com este dom Deus não só respondeu à prece pessoal de um homem atribulado por não ter filhos, mas, também, à oração do povo no Templo que suplica a vinda do Messias. O menino que vem é o precursor do Messias: João. No relato de hoje vemos como se descreve cuidadosamente a pessoa e a missão de João.
A pessoa de João. Notemos as quatro características de João que o Anjo anuncia: “será grande” (1,15a); “não beberá vinho nem licor” (1,15b); “estará cheio do Espírito Santo já desde o ventre de sua mãe” (1,15); “irá adiante… com o espírito e o poder de Elias” (1,17).Observemos, sobretudo, como Deus prepara seus enviados. No caso de João, se vê que, já, desde o período pré-natal, Deus pousa sua mão sobre ele (1,66), para santificá-lo com seu Santo Espírito.
A missão de João. A missão de João Batista está anunciada nesta frase: “preparar para o Senhor um povo bem disposto” (1,17). Um povo “Bem disposto” quer dizer “aberto a Deus num caminho de conversão”. Esta consiste em fazer com que todos se interessem pela vontade de Deus e caminhem segundo seus critérios, dando, assim, uma orientação nova e profunda ao coração, (1) na relação com Deus: “a muitos dos filhos de Israel, lhes converterá ao Senhor seu Deus” (1,16); e (2) na relação com os outros, em especial a relação familiar: “fazer voltar os corações dos pais aos filhos” (1,17).
A conversão começa pela casa! Com o anúncio do nascimento do precursor do Messias se avisa que está chegando o novo tempo longamente esperado. O grande gozo que inundou a vida de um casal de anciãos, Zacarias e Isabel, que acharam resposta as suas orações, será, também, o nosso, se damos continuidade às suas atitudes em nossas vidas.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
- Como vivemos nossas situações negativas?
Que nos ensinam as atitudes de Zacarias?
- Quais são as características da figura de João Batista e qual é sua missão? E sob esta luz: Quais são as características de um Evangelizador?
- Como acolho as boas notícias que o Senhor me dá através de sua Palavra (na Sagrada Escritura e pela voz de seus mensageiros)?
“No silêncio da vigilância se compreende a urgência de construir a gramática do diálogo que faz germinar paz e justiça, signos visíveis da terra que se abre ao céu” (A. Augruso)
“É o tempo do silêncio, da pobreza, da ausência, da humildade e espera. E o fim de nossa solidão silenciosa é a escuta do Senhor, que fala de novo ao coração de sua esposa: a Igreja, a alma nossa” (A. M. Canopi)
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TERÇA, DIA 20 DE DEZEMBRO
Lucas 1,26-38
MARIA É CHAMADA PA SER A MÃE DO SENHOR
“O anjo lhe disse: ‘Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus;
Eis que conceberás e darás a luz um filho, a quem porás por nome Jesus’”
O personagem central do relato de hoje é Maria. Sua vocação para ser a mãe do Messias é única, mas permanece como o modelo para cada um de nós que estamos chamados a “encarnar o Verbo” neste Natal que se se aproxima.
O relato inicia situando-nos no tempo (seis meses após da concepção de João) e no espaço (Nazaré, cidade da Galileia). Logo nos apresenta o personagem central, Maria, e nos dá algumas informações sobre ela (seu casamento com José, da descendência de Davi, e sua virgindade).
Com todos estes dados iniciais, o relato se concentra na narração do chamado que Deus, por meio do Anjo Gabriel, faz a Maria para cooperar no plano de Deus:
- Experiência de fundo sobre a qual se apóia o chamado que o Senhor faz a Maria (1,28-29)
O primeiro que destaca o relato é que a vocação de Maria se apóia na ação de Deus. Em cada uma das três palavras da saudação do Anjo (“Alegra-te”, “cheia de graça”, “o Senhor está contigo”) encontramos um conteúdo profundo no qual se delineia o que Deus faz nela (ver 1,28):
- A alegria: “Alegra-te!”. O anjo antecipa a Maria: (a) que o anúncio será para ela motivo de imensa alegria; (b) que a palavra do Senhor vai tocar o mais íntimo de seu ser; e (c) que sua reação, ao final, não poderá ser outra que a exultação. É de notar que a alegria de Maria não é imediata, mas que inicia, a partir de agora, um caminho interior que culmina no canto feliz do “Magníficat”: “meu espírito se alegra em Deus meu salvador” (1,47). Pode-se dizer que a alegria caracteriza uma autêntica vocação.
- A plenitude da graça divina: “És plena de graça!”. Este é o motivo da alegria, Deus lhe faz conhecer a imensidade de seu amor predileto por ela, como tem posto seus olhos nela, cumulando-a de seu favor e de sua complacência. Seu amor é definitivo e irrevogável. Esta afirmação é tão importante que e anjo a vai a repetir em 1,30. A confiança que se necessita para responder ao Senhor quando nos chama vem da certeza de seu amor.
- A ajuda fiel de Deus: “O Senhor está contigo!”: Porque Deus ama intimamente a Maria, se põe a seu lado e se compromete a ajudá-la de modo concreto em sua missão. Deus fez esta promessa também aos grandes vocacionados da Bíblia (Jacó, Moisés, Josué, Gedeão, Davi, Jeremias…). O que se anuncia em Lc 1,28 se realiza em 1,35, onde se diz como Deus socorre Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”.
Com sua potência vivificante, criadora, Deus faz Maria capaz de colocar-se a serviço da existência de Jesus. A ação do Espírito nos remete ao Gn 1,1. Portanto, Maria é o lugar onde se cumpre a ação poderosa do Deus criador, e Jesus é o novo começo onde se oferecerá esta vida plena, que vem de Deus e nele se realiza. Com esta promessa Maria é interpelada: “não será impossível nenhuma palavra que provêm de Deus” (1,37, que traduzimos literalmente) e um sinal disso é o que tem feito em Isabel, a mulher que não podia dar vida.
- A missão concreta de Maria com a pessoa do Messias (1,30-33)
Maria é chamada para colocar-se toda a serviço de Jesus dando-lhe existência humana a partir de sua capacidade natural de mulher: “Vais conceber e dar a luz um filho” (1,31). Mas sua missão não se limita só a isto, Deus lhe pede ainda que dê um “nome” ao menino, “porás o nome de Jesus”.
Nesta frase Deus lhe está solicitando que se ocupe do desenvolvimento plenamente humano do Filho de Deus, que o eduque. Assim, o serviço de Maria implica entrega total no dom de todo seu ser, de todo seu tempo, sua feminilidade, de seus interesses, de todas as suas capacidades, de todo seu projeto de vida a serviço de Deus.
- A ação criadora do Espírito Santo no ventre de Maria (Lc 1,34-35)
Quando Maria pergunta ao Anjo: “Como será isto, visto que não conheço varão?” (1,34), o Anjo lhe responde com o anúncio da ação do Espírito Santo que fecunda seu ventre virginal (1,35). Retomemos as palavras do Anjo:
- “O Espírito Santo virá sobre ti…”. O profeta Isaías fala anunciado que o Espírito Santo devia “repousar” de maneira especial sobre o Messias (cf. Is 11,1-6; 61,1-3;). A frase nos recorda a ação criadora de Deus em Gn 1,1-2: o Espírito de Deus gera vida.
- “O poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. A ação eficaz de Deus põe Maria “sob sua sombra”. Esta frase nos remete ao Êxodo 40,35, onde aparece a imagem bíblica da “shekiná”, que é a glória de Deus que desce para habitar no meio de seu povo na “tenda do encontro” ou “tenda das citas divinas”. Trata-se de uma imagem muito significativa.
Tomando o essencial podemos dizer que a ação do Espírito em Maria é expressão concreta: (a) Do auxílio de Deus na missão que deve cumprir: ser mãe do Salvador; (b) Do poder de Deus criador; (c) Do tipo de relação que Deus quer estabelecer com ela e a humanidade: uma proximidade quase total, um abraço amoroso que dá plenitude a sua existência ao mergulhá-la em sua própria glória.
Em conclusão
Tudo o que o Espírito faz em Maria está em função de Jesus: o Messias entra na história humana por meio da ação do Espírito criador de Deus em Maria. Desta maneira o relato da vocação de Maria ilumina nossa compreensão do mistério do Filho que toma carne na natureza humana. Tudo se faz possível graças ao “sim” de Maria.Hoje contemplamos em oração, guiados pela Palavra do Evangelho, o mistério desta vocação que mudou a história do mundo. A Palavra suscita em nós uma grande ação de graças e ao mesmo tempo a consciência profunda de que cada um de nós tem um chamado para participar ativamente na obra da salvação. O que se espera é que nossa resposta seja tão clara e decidida como a de Maria (ver Evangelho do 8 de dezembro).
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
Releiamos em oração o relato bíblico. Sintamos a força de cada palavra. Coloquemo-nos dentro dos personagens. Escutemos e respondamos como eles.
- Quais são as características que deve ter uma pessoa que se coloca a serviço de Jesus?
- Em que se parece o caminho de discernimento de Maria ao meu? Que me ensina?
- Como intervém Deus na vida de Maria para capacitá-la à missão? Como faz na minha?
“O Senhor assume um corpo como o nosso, não se contenta simplemente com revestir-se dele, mas que quer fazê-lo nascendo de uma virgem sem culpa nem mancha, que não conhecia homem. Ainda que sendo Ele onipotente, nesta virgem Ele edifica pra si mesmo seu próprio corpo como um templo e, manifestando-se e morando nele, se vale dele”. (Santo Atanasio)
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QUARTA, DIA 21 DE DEZEMBRO
Lucas 1,39-45
MARÍA: MODELO DE ACOLHIDA DE JESUS, SENHORA DA ALEGRIA E DA FÉ
“Quanto Isabel ouviu a saudação de Maria, saltou de gozo o menino em seu seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo; e exclamando com grande voz, disse: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu seio’ ”
O Evangelho de hoje está dentro da sequência dos relatos prévios ao nascimento de Jesus, que estamos lendo ordenadamente nestes dias. Como detalhe particular, nosso texto coloca em lugar destacado o rosto de Maria, modelo da acolhida do Senhor, e nos convida alegrar-nos com ela.
O relato da Visitação de Maria inicia com a anotação lucana: “Naqueles dias, se levantou Maria e se foi com prontidão à região montanhosa, a uma cidade de Judá” (1,39).
Que move Maria? Maria parte das palavras do Anjo, “Isabel, tua parente, concebeu um filho em sua velhice” (1,36), e as interpreta como um convite para ir a estar com ela.Maria vai ao encontro do “sinal” que Deus lhe deu de que “nenhuma palavra é impossível para Deus” (1,37). No encontro, as duas mulheres favorecidas por Deus expressam o que progressivamente vem ardendo em seus corações.
Hoje vemos como Isabel, invadida pelo Espírito Santo, diz o que tem podido compreender de Maria. Logo se verá como Maria confessa o que, por sua parte e ajudada também pelas palavras de Isabel, tem podido compreender da ação de Deus nela mesma.
Ao se lê o relato da visitação com um pouco mais de atenção nota-se uma bela dinâmica. Vejamos os movimentos desta narração rica de ensinamentos para nosso Advento: Externo (=a viagem); Interno (=da solidão à exclamação), e;Confessional (=o reconhecimento do mistério do outro).
- O movimento externo: A viagem de Maria de Nazaré a Judá (1,39-40)
A viagem é um gesto concreto de obediência à Palavra de Deus (1,36). Maria o faz sem tardar, “com prontidão” (1,39). A distância entre Nazaré e a cidade de Judá (a tradição disse que é Ain-Karem) não é pouca. Não se menciona nenhum outro personagem na viajem, fora Maria. Este longo caminho percorrido e a solidão silenciosa de Maria são significativos: podemos ver no trajeto percorrido uma primeira etapa da tomada de consciência que ela está realizando.
A viagem de Maria coincide com um tempo de silêncio em que pode captar melhor o significado do que está ocorrendo em sua vida, aprofundando as palavras do Anjo. Ao mesmo tempo Maria não perde de vista a meta de sua viagem: ver a mulher de quem lhe foi falado e que também foi beneficiária da misericórdia de Deus; com ela será solidária.
O evangelista está nos mostrando que, depois da anunciação, Maria vive um momento de interiorização, de meditação. Isto é importante também para nós: a ação do Espírito solicita o cultivo da interioridade.
- O movimento interno: A ação do Espírito Santo (vv.41.44)
“Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel” (v.40).
As duas mulheres, quando se saúdam, captam a vibração do Espírito e se abraçam com imensa alegria. Não conhecemos o conteúdo da saudação de Maria a Isabel, porém, sim, seu efeito: é de tal modo que: faz saltar à criatura em gestação no ventre de Isabel; e provoca a unção do Espírito Santo.
“Saltou de gozo o menino em seu seio”.
O encontro entre as duas mulheres faz saltar de alegria o menino de Isabel, o qual é manifestação da ação do Espírito. A partir deste momento muitos saltarão de gozo ao longo de todo o Evangelho cada vez que se encontrem com Jesus. O Messias é portador da alegria, expressão de plenitude de vida que provém de Deus. Começa a festa da vida que traz o Evangelho daquele que traz alegria para todo o povo (ver 2,10).
“Isabel ficou plena do Espírito Santo”.
A voz de Maria é portadora do Espírito que a cumula e introduz Isabel em sua experiência: uma emoção profunda, capaz de estremecer e fazer dançar de alegria. Guiada pelo Espírito, Isabel capta a grandeza do acontecido a Maria e expressa abertamente. As duas mulheres, uma anciã e uma jovem, se compreendem a fundo e são capazes de dizer o que levam por dentro, o que cada uma capta da outra. Suas vidas marcadas por solidão, enfim, acham ouvidos dignos de seus segredos, ambas se compreendem. Nessa proximidade, onde também atua o Espírito, as duas elevam hinos de louvor. Suscita-se, assim, um clima de reconhecimento público e respeito que desvela o que desde tempo atrás vem amadurecendo no coração.
3. O movimento confessional: Cântico de reconhecimento de Isabel a Maria (42-45)
“E exclamando em alta voz, disse…” (1,42a).
O que até o momento era somente o segredo de Maria agora Isabel o anuncia a gritos e com o coração transbordante. O conteúdo é a ação criadora do Deus da vida na existência de Maria, por meio da qual tem se realizado a encarnação do Filho de Deus. Isabel diz a Maria duas palavras chaves que revelam sua personalidade: “Bendita” e “feliz”.
“Bendita”.
Primeiro Isabel louva a Deus pelo que fez em Maria, isto é, a encheu de graça e a abençoou com seu poder criador que a fez capaz de transmitir a vida ao Filho de Deus. Abençoar é “gerar vida” e, precisamente por isso, Maria é “a bendita” por excelência. Se toda mulher é benção para o mundo por gerar vida, muito mais Maria é a “bendita entre todas as mulheres”, já que traz ao mundo o Senhor da vida que vence a morte e dá a vida eterna. E mais, porque seu filho não é um menino qualquer, mas o “Filho do Altíssimo” (ver relato anunciação), a Virgem Maria tem, com o suficiente fundamento, a dignidade de “Mãe de Deus (do Senhor)” (v.43).
“Feliz”.
Segundo, Isabel faz eco às palavras ditas por Maria na anunciação: “Faça-se em mim segundo tua Palavra” (1,38) e qualifica sua atitude como um ato de fé: “Feliz a que acreditou que se cumpririam as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor”.
Que quer dizer Isabel sobre a Virgem Maria? Quer dizer que a Maria “acreditou” no cumprimento da Palavra, quer dizer, que a tomou a sério, abandonou-se ao seu poder criador, confiou na fidelidade de Deus à sua promessa. A alegria de Maria provém da fonte inesgotável de sua fé sempre viva, porque ela como nenhuma está sempre aberta a Deus.
Este mesmo gesto de Maria será pedido, ao longo do Evangelho, a todas as pessoas que cruze o caminho com Jesus (ver, por exemplo: Lc 7,9.50; 8,48). Na fé terão que ser educados de maneira especial os futuros evangelizadores (ver 24,25). Aparece assim uma definição clara da fé: se é crente quando sabe “ouvir a Palavra de Deus e pô-la em prática”(8,21;11,27-28).
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
- Como o itinerário de Maria neste Evangelho, pode me ajudar a tomar consciência e proclamar a obra de Deus em minha vida? Busco tempos de “silêncio” (podem coincidir com retiros ou outros espaços prolongados de meditação e oração) para tomar consciência da obra de Deus em minha vida?
- Maria e Isabel viveram fortes experiências de Deus e as partilharam entre elas. Nossas comunidades são espaços vivos que permitem compartilhar e celebrar a experiência de Deus que vive cada um? Encontros assim nos ajudam a vivenciar a presença do Espírito Santo na comunidade?
- Que lição nos dá o Evangelho de hoje para nossa vivência do Natal? Que encontros Deus nos pede que vivamos? Como quer que os vivamos?
Nesta preparação imediata para o Natal, em diálogo com Maria e inspirados no evangelho de hoje digamos: “Virgem Santa Maria, enche nossos corações do Espírito divino que cumula o teu; que de tua plenitude recebamos nós, que nosso espírito seja destruído e que o Espírito de teu Filho se estableça plenamente em nós para que não vivamos, falemos e atuemos senão pelo Espírito de Jesus. Amém” (São João Eudes)
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QUINTA, DIA 22 DE DEZEMBRO
Lucas 1,46-56
O CANTICO PROFETICO DA MÃE
“E disse Maria: ‘Engrandece minha alma ao Senhor e meu espírito se alegra em Deus meu Salvador’”
O evangelho que lemos ontem, ainda não terminou. Às palavras de Isabel, responde Maria com outro hino, inspirado pelo Espírito Santo, que anuncia, profeticamente, a obra do Salvador. O conhecemos com o título de “Magníficat”.
Retomemos o texto, tratando de descobrir seus fundamentos, seu conteúdo e seu itinerário oracional perguntando: Em que se baseia o Magníficat? Qual é sua fonte de inspiração? Que canta Maria? Qual é o núcleo de seu conteúdo? Como o canta? Como se desenvolve?
1. Em que se baseia o Magnificat?
Lucas nos mostra que o cântico de Maria não é resultado de uma simples emoção, mas vem de um longo processo de tomada de consciência, vivido, primeiro, a partir do encontro consigo mesma, no silêncio, e, logo, por meio da voz inspirada de Isabel.
Observemos que o cântico é, em última instancia, a resposta de Maria à primeira palavra que lhe dirigiu o Anjo: “Alegra-te!” (1,28). Depois de passado um tempo, durante a visão, Isabel lhe recordou, com outros termos, a primeira palavra do Anjo: “Tu és feliz!” (1,45). Agora, depois de todo este processo de maduração interna, é a própria Maria que vai dizer: “Alegro-me em Deus, meu Salvador!” (1,47).
Assim, o “magníficat” é um canto que nasce de um coração agradecido a Deus, de um coração atento à voz e à ação de quem lhe disse que a ama profundamente. Unindo, em sua voz, salmos e cânticos do Antigo Testamento e pondo o olhar na extraordinária novidade de Deus neste novo tempo, Maria pode, agora, expressar a síntese que elaborou em seu coração orante.
2. Que canta Maria?
O tema central do Magnificat é Deus: “Engrandece minha alma ao Senhor”. Ele foi o protagonista de tudo que ocorreu até o momento e de tudo o que virá depois. Tendo como referencia sua experiência pessoal, Maria dá uma olhada retrospectiva na obra de Deus na Historia da Salvação.
Com este hino proclama, pois, a grandeza do Deus da história, que reconhece por sua santidade, seu poder, sua misericórdia e sua fidelidade. Maria compreende agora, porque o experimenta dentro dela mesma, o porque de todos estes atributos. Pôs-se no lugar justo para compreender a Deus: o dos humildes (1,48; 10,21).
3. Como o canta?
Maria entoa sua canção inspirada, proclamando a obra de Deus nela, no mundo e no povo de Israel.
(1) A obra de Deus nela (1,16-49a)
O Deus, a quem reconhece grande em sua santidade, poder, misericórdia e fidelidade, é também seu “Salvador”. E tem sido pondo seus olhos em sua humildade de escrava, amando-a nessa situação, e fazendo maravilhas nela: o poder criador que a fez mãe do Senhor (ver 1,35).
Isto a impulsiona a profetizar: “Desde agora todas as gerações me chamarão feliz”. Isabel foi a primeira em fazê-lo e, bem o sabemos, a profecia saída de seus lábios tem se cumprido, até hoje.
(2) A obra de Deus no mundo (1,49b-53)
Erguendo seu olhar contemplativo sobre a humanidade, Maria vê como Deus muda sua situação pelo poder de seu braço.
Primeiro, como que se renova a imagem envelhecida de um Deus distante e estático: o “Santo”, Deus em sua transcendência, é, também, o “Misericordioso”, com um coração próximo ao homem, capaz de comover-se e sofrer com ele. Saboreia sua misericórdia aquele que o teme, quer dizer, quem está aberto, sem resistências, à sua Palavra, que busca seus caminhos.
Segundo, Maria, pequena entre os pequenos, se apresenta como um destes pequeninos da historia que, de sua vivencia da misericórdia, está em condições de proclamar a “revolução” que introduz o poder libertador de Deus, “a força de seu braço” (imagem significativa que nos remete ao Êxodo):
- Dispersa os soberbos, orgulhosos e autosuficientes, oposto ao temor de Deus,
- Derruba aos que constroem seu projeto de vida, baseando-se no poder e na força humana. Pelo contrário
exalta ao humilde.
- Despede sem nada os que apóiam sua vida nos bens materiais, e sua confiança na própria riqueza. Mas, assiste aos famintos, a quem a má distribuição dos bens da terra marginalizou.
Contemplando, criticamente, a realidade humana e suas desgraças, Maria proclama que o poder de Deus é mais forte que as maquinarias que oprimem a sociedade provocadora de fome e desigualdade.
A escala de valores e a distribuição dos bens que hoje vemos e que tanta indignação nos causa, não é definitiva, já que Deus tem a última palavra sobre a historia e constrói, com sua Palavra, um novo tecido de relações baseado na fraternidade, justiça e solidariedade (ver primeiros capítulos de Atos). Trata-se, então, de uma visão global da obra do Evangelho, porque Maria faz referencia, justamente, a três dos pontos com os quais choca Jesus em seu ministério.
(3) Uma visão ampla da história da Salvação (1,54-55)
Maria está consciente de que está contemplando o vértice da historia, uma historia, na qual, Deus tem caminhado como companheiro fiel de seu povo escolhido. Sinal concreto de seu amor fiel é que, agora, cumpre-se a antiga promessa feita a Abraão.
A palavra da promessa foi o fio condutor em todo o Antigo Testamento e se cumpre através da obra começada agora em Maria: a Encarnação.
Antecipando-nos ao final do Evangelho, podemos dizer que do mesmo modo que Abraão, também Maria passou pela prova da fé e saiu vitoriosa: hoje a obra segue adiante, seu Filho Jesus é o último e definitivo sucessor de Davi (ver 1,32-33), Senhor e Salvador, n’Ele se cumpre a promessa da benção (ver Gn 12,1-3) que, ao fim de tudo, é o dom da plenitude de vida.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
- À luz do canto de Maria, que relação há entre “oração” e “vida”? Que elementos do canto nos ajudam caracterizar a espiritualidade de uma pessoa que quer viver sua
fé comprometida com sua realidade?
- Quais são os momentos do cântico de Maria? Que caracteriza cada um? Que lição nos dá Maria para nossos momentos de oração?
- Que valor tem orar pelas tardes com as mesmas palavras de Maria? Como recolhe
e expressa o que se vive ao longo de uma jornada? Que me ensina o cântico de Maria quando disse que Deus é “meu Salvador”? Que relação tem com o natal e com o mistério pascal?
“[Maria] não atribui nada a seus méritos, mas remete toda sua grandeza ao dom dAquele que, sendo poderoso e grande por natureza, transforma seus fieis, de pequenos e débeis, em grandes e fortes” (Beda, el Venerable)
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SEXTA, DIA 23 DE DEZEMBRO
Lucas 1,57-66
A FESTA DA VIDA QUE NASCE:
“Se cumpriu para Isabel o tempo de dar a luz, e teve um filho. Ouviram seus vizinhos e parentes que o Senhor lhe havia feito grande misericórdia, e se congratulavam com ela”
Deus cumpre suas promessas. O que parece ponto de chegada resulta em um novo ponto de partida, como o Evangelho de hoje, que desata uma série de acontecimentos na vida de quem foi abençoado.
Hoje vemos como, com o nascimento de João Batista, se cumpre a profecia do Anjo a Zacarias. E se seguimos o fio da narração encontramos uma série de fatos em torno deste primeiro nascimento:
(1) O fato do nascimento de João;
(2) A circuncisão e imposição de seu nome, “João” (= “Yahweh é misericordioso”);
(3) O coro dos vizinhos que aclama a ação de Deus em Isabel; e
(4) A reação do pai, Zacarias, que recupera a linguagem e se une ao louvor do povo (Constate estes dados em sua Biblia). Releiamos lentamente o texto, fazendo alguns sublinhados sobre o significativo.
1. Nasce um menino
No início da passagem, o nascimento de João Batista se anuncia com uma fórmula simples que encontraremos, também, no nascimento de Jesus: “Cumpriu-se para Isabel o tempo de dar a luz, e teve…” (1,57).
2. Renasce a fraternidade e o louvor
O nascimento traz novas mudanças. A primeira ocorre em sua mãe, que passa do segredo a uma vida pública intensa: “Ouviram seus vizinhos e parentes que o Senhor lhe havia feito grande misericórdia” (1,58). Este é o ponto de partida de uma grande festa pela vida, que se expressa, tanto na felicitação à nova mãe como no louvor a Deus (que Lucas põe ao mesmo nível).
E as coisas não param por aí: o acontecimento se reveste de tanta transcendência que supera os limites da própria casa e da aldeia, chegando a ser motivo de reflexão e exultação em toda a montanha de Judéia (1,65). O ambiente é festivo. Todos saem de suas casas e se encontram para celebrar. Esta imagem lucana da alegria partilhada (1,58) nos recorda as palavras do Anjo: “Muitos se alegraram com seu nascimento” (1,14). A verdadeira alegria, não está no fato de estar contente sozinho, mas em ver que, também, o outro está feliz, minha alegria é poder vê-lo alegre.
3. O itinerário da oração
Porém, no texto de hoje há, ainda, algo mais. Se seguirmos observando com atenção, notaremos como no comportamento dos personagens, Isabel, Zacarias, os parentes, os vizinhos; todo o povo da Judéia; temos um modelo que nos ensina a ler, com olhos de fé, a mão de Deus nos acontecimentos essenciais da vida. Aí se ver os motivos para se estar alegres em Deus. Três palavras-chaves deste texto nos podem ajudar:
A admiração. “Invadiu o temor a todos seus vizinhos, e em toda a montanha da Judéia, se comentavam todas estas coisas” (v.65). Esta reação, denominada “temor”, é sinal de abertura, com simplicidade, ante a presença de Deus. Ao longo do Evangelho de São Lucas dá um grande valor à admiração do povo ante a obra de Jesus, enquanto que os inimigos de Jesus (as pessoas mais religiosas) nem, sequer, é capaz de dar este primeiro e mais simples passo. Tem que deixar-se surpreender por Deus.
A meditação. “Todos os que as ouviam as gravavam em seu coração” (v.66). A meditação é o “indagar” dentro dos acontecimentos para descobrir, ali, a mão criadora de Deus. A meditação, se faz, perguntando pelo significado dos fatos: que está querendo dizer, Deus, com isto? Que aconteceu? E se passa, então, a confrontar os fatos da vida com a Palavra de Deus.
O louvor. “E, na hora, se abriu sua boca e sua língua, e falava bendizendo a Deus” (v.64). Esta oração de louvor se coloca na boca de Zacarias. A admiração, que provoca a percepção do poder de Deus em nossas vidas, deve expressar-se, publicamente, na oração de louvor. Disto Maria já foi exemplo. Zacarias percorre, agora, o mesmo caminho e nos oferece outro precioso exemplo de oração.
4. Finalmente o ancião é resgatado de seu cansaço ante a vida
João e seus pais se encontram nos extremos cronológicos da vida. Isto nos serve de pista para fazer uma anotação a mais sobre o alcance que pode ter a salvação. É interessante observar as referências a Zacarias nesta passagem: nele descobrimos um homem salvo por Deus de seu pessimismo e de seu cansaço ante a vida. Recordemos que, em 1,20, o Anjo lhe havia recriminado sua incredulidade ante o anúncio da graça que Deus lhe estava fazendo.
Lucas nos mostra, agora, como este homem vive uma mudança profunda em sua vida: Deus o retira de seu cansaço e de sua resignação, para levá-lo a um estado de alegria extraordinária e de louvor. A recuperação da capacidade de falar, elemento importantíssimo na vida de um sacerdote (para dirigir as orações da assembléia), se realiza quando vê o cumprimento da Palavra de Deus. Agora o profeta Zacarias, com uma grande visão de futuro, louva a Deus com alegria e profetiza.
Hoje, vemos no Evangelho como um pequeno menino é capaz de mudar, completamente, a vida dos adultos. O nascimento de uma criança, como a Zacarias, deve ser a ocasião de abrir-nos ante o novo, curando nossa falta de esperança e acolhendo a radical novidade do Deus da Vida, que, cada dia, está disposto a impressionar-nos.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
- Em que consistiu a grande misericórdia de Deus com Isabel e Zacarias? Que prefigura? Que relação há entre a “salvação” e a “misericórdia” do Senhor?
- Como foi vivida a “grande alegria” que trouxe o nascimento de João? Que sugere para nossa maneira de viver este tipo de acontecimentos?
- Que itinerário oracional nos propõe o Evangelho de hoje? Como educa nossa oração? Como vamos viver estas “quase” vésperas natalinas?
“A riqueza de meu coração é infinita como o mar, assim profundo é meu amor: Mas não te dou, mas não tenho, porque ambos são infinitos” (W. Shakespeare)
“Há natal cada vez que sorris a um irmão e o estendes a mão. Há natal cada vez que reconheces com humildade teus limites e tua debilidade.Há natal cada vez que permites ao Senhor que renasça para dá-lo aos outros” (Teresa de Calcutá).
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SÁBADO, DIA 24 DE DEZEMBRO – VÉSPERA DE NATAL MANHÃ
Lucas 1,67-79
A grandeza da missão do menino que já nasceu e a do que vai a nascer
“Zacarias, seu pai, ficou cheio do Espírito Santo, e profetizou dizendo: ‘Bendito o Senhor Deus de Israel…‘”
Estamos já às portas do Natal e escutamos neste prelúdio da grande festa que começa esta noite, um formoso hino de louvor pela vida e a missão de João Batista e de Jesus, conhecido como o “Benedictus” (pela palavra com a qual começa). É como se fosse a “abertura” da grande sinfonia natalina.
Notemos que é o Espírito Santo que abre a boca de Zacarias e que o faz orar e profetizar:“Zacarias ficou cheio do Espírito Santo, e profetizou dizendo: ’Bendito seja o senhor Deus de Israel porque visitou e redimiu o seu povo…‘” (1,67). A idéia central de seu hino profético, como também ocorre no de Maria, é a proclamação da misericórdia, a fidelidade e o poder de Deus que ajuda seu povo e que o conduz até a plenitude da vida.
O texto do hino tem duas partes:
- A proclamação do que Deus tem operado através do Messias (1,68-75)
O ancião Zacarias inicia bendizendo ao “Deus de Israel”, recordando que Iahweh é o Deus da historia e que tem se revelado como tal no caminhar de um povo. Ele é o Deus que:
- Uniu-se, de modo concreto, a seu povo, através da promessa a Abraão (ver 1,55.73);
- demonstrou sua misericórdia aos patriarcas (1,72);
- fez uma promessa a Davi com relação a seu reino (1,32.69; ver 1 Sm 7,12-16),
- e que tem falado por meio dos profetas (1,70).
Em toda esta longa historia, Deus deixou claro que é poderoso, fiel e misericordioso. E sobre este fundo é que se entende a vinda do Messias. Nele, o Deus da história, nesta nova etapa da historia da salvação, “suscitou um salvador poderoso” (1,68).
- A resposta à pergunta do povo “Que virá a ser este menino?” (1,66)
Ante a grandeza do mistério de Jesus-Messias, Zacarias proclama, agora, o significado da missão de João Batista: “E tu, menino, serás chamado profeta do altíssimo, pois irás diante do…” (1,76). Com estas palavras Zacarias, consegue responder à pergunta que havia formulado o povo ante o nascimento de João (1,66). Em seguida Zacarias, profetiza, proclamamando quem é este “Senhor” que ele precede.
Por isso, a segunda parte do Hino se divide em outras duas:
- a missão de João (1,76-77) e
- a missão do Messias (1,78-79).
(1) A missão de João (1,76-77)
João é um servidor do plano de Deus.
- Seu título mais significativo é o de “profeta”;
- Sua tarefa: a de ir como precursor, para preparar os caminhos do Messias;
- O conteúdo de seu anuncio: a experiência de Deus como Salvador; salvação que, em última instancia, se vive no perdão dos pecados.
Assim se cumpre a promessa de Jr 31,34: “Todos me conhecerão, dos menores aos maiores, oráculo de Iahweh, porque perdoarei sua culpa e de seu pecado não voltarei a recordar-me”.
(2) A missão do Messias (1,78-79)
Três imagens a descrevem:
- Jesus, o Messias, é o libertador de seu povo (1,68.71.74)
É a imagem de alguem que combate por nós e nos resgata, levando-nos a uma situação de vida “livres de mãos inimigas”, uma vida conforme a vontade de Deus (“em santidade e em justiça”), ao serviço da obra de Deus (“servir-lhe”).
Ele nos liberta também do “temor”, de maneira que uma vida ao serviço de Deus está fundamentada na confiança nele e não no medo do castigo (ver 1,54-75).
- Jesus, o Messias, é a luz de um novo “amanhecer” (1,78)
O passar da noite ao dia é símbolo do triunfo da vida e, portanto, de esperança. Assim, a vinda do Messias é um novo amanhecer sobre um povo que passou pela noite do sofrimento. A luz é também símbolo da orientação: na escuridão estamos desorientados, porém, com a luz do Messias, podemos orientar-nos para viver.
- Jesus, o Messias, é o que endireita nosso caminhar pelo caminho da paz (1,79)
Com sua luz, o Messias nos ensina o caminho da vida que, ainda que passando pela morte, conduz à paz de Deus e em Deus.
Concluindo…
Ao final de seu hino Zacarias nos ensina o que deveria ser a chave de leitura de toda a obra de Jesus: a misericórdia de Deus. Deste modo, sua oração desce até a fonte de tudo, até o coração de Deus, e trata de traduzir tudo que capta ali: “as entranhas de misericórdia de nosso Deus” (1,78).
Tudo que Jesus vai realizar estará em consonância com esse coração. Jesus é o coração amoroso de Deus que a humanidade nunca antes havia experimentado em tão tremenda proximidade.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
Estamos nas vésperas do natal. A Palavra de Deus nos conduz, progressivamente, até o encontro vivo com Jesus, na Eucaristia, esse espaço privilegiado sacramental em que acolhemos sua “vinda”. Ao longo de todos estes dias a Palavra de Deus, não só tem querido aquecer nosso coração, despertando nossos sonhos e pondo-os em sintonia com Deus, mas também nos tem chamado a uma purificação. Vivamo-la sacramentalmente, na celebração da misericórdia, por meio de uma boa confissão.
- Segundo a oração inspirada de Zacarias (o “Benedictus”), qual é a missão de João Batista? Que relação tem com a missão de Jesus?
- Com que imagens se apresenta a missão do Messias? Que nos disse cada uma delas com relação aos dons que dele vamos receber neste natal?
- Quais as “sombras de morte” que pairam em minha vida, em minha família, na sociedade? Como se podem vencer? Que anuncia o natal?
“Podes não ter piedade de nós, tu que te fizestes homem por nós? Grandes são tuas maravilhas, mas maiores ainda tuas promessas. Tuas obras nos fazem buscar os bens que nos prometes” (Santo Agustinho)
“Que da fogueira do Natal salte uma chispa de amor!” (R. Follereau)
Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM