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Mateus 5,38-42
“Não ofereçais resistência ao malvado”
Continuamos no Sermão da Montanha. Através deste vamos vendo como a vida nova do Reino, proclamada nas bem-aventuranças, vai se tornando “sal” e “luz” no cotidiano da vida de um discípulo de Jesus. Como vimos na semana passada, o primeiro espaço da vida no qual entra o Reino de Deus e sua justiça (maior) é no âmbito das relações com os demais.
Jesus, por meio de duas situações, mostrou-nos como se dão as bem-aventuranças, isto é, como elas entram no nosso modo de agir: quando a iniciativa da relação depende de mim; e quando a iniciativa depende de outra pessoa. A primeira já foi visto antes. Agora veremos o outro lado da moeda: quando alguém tem boas intenções, porém, a outra pessoa, não.
- A situação
Para atenuar a prática da vingança, vigorava a lei de Talião, ou seja, na agressão, o modo de fazer justiça era devolver na mesma moeda. O Antigo Testamento já havia admitido isso: “Olho por olho, dente por dente” (Ex 21,24). Ou seja, se, na briga, um soco quebrasse um dente, a vítima tinha o direito de fazer o mesmo ao agressor (um só dente, não dois!). E depois os dois ficavam em paz. Em seu tempo, foi de grande avanço na história da civilização, já que seu objetivo era evitar o “fazer justiça com as próprias mãos”, pois, quando isso acontecia, as consequências eram terríveis: tomada de fúria cega, a pessoa acabava matando o agressor, às vezes por uma pequena transgressão.
- O valor
Mas, quando veio Jesus, começa a anunciar, em suas pregações, que a vingança não tem lugar no Reino de Deus. Não é assim que se faz justiça. Tem que dar um novo passo à frente, pois a verdadeira justiça não está ai, mas na aparente derrota da vítima. Este novo valor que brota da justiça do Reino aponta para o fim da violência mediante dois caminhos: não prolonga a violência através da habitual desforra (passagem de hoje); e entra ai o trabalho pela conversão do agressor (passagem de amanhã).
Jesus cita cinco situações bem conhecidas no Evangelho, nas quais um discípulo se sente agredido em sua integridade física, moral e sociológica. Em cada caso, o valor que se exerce é sempre o mesmo:
- Uma bofetada da face (5,39b): neste caso a vítima não devolve o golpe, mas, ao contrário, demonstra seu espírito indefeso, expondo a outra face (5,39c);
- Um processo para reclamar uma dívida (5,40a): a vítima se mostra mais generosa que o agressor entregando mais que o reclamado (o manto era peça de grande valia para um pobre);
- Uma retenção do exército romano (5,41a): Os soldados romanos podiam parar as caravanas e forçá-las a carregar pedras. Como havia abusos a lei previa que um romano não podia exigir mais que uma milha em tal esforço. A resposta é, por conta própria, fazer o dobro do pedido, assim fica claro que não é um escravo, mas um homem livre que serve generosamente ao outro (5,41b);
- Uma pessoa pede ajuda (5,42a): Um mendigo pede esmola. Alguém que pede ajuda todos os dias, aos poucos não começa a cansar as pessoas? Entretanto, não podemos perder a paciência;
- Um empréstimo (5,42b): Aqui o contexto é bem conhecido: as desapropriações por causa da violência romana (anos 60/70) levaram muitas famílias a perder seus bens. Então iam a outras cidades e buscavam auxílio junto aos irmãos cristãos. Estes os acolhiam com generosidade e lhes faziam empréstimos para que pudessem reorganizar a vida. Mas a situação era tal que não havia como pagar e os mesmos voltavam a pedir mais. Então começavam a negar-lhes (6,12; 18,23-25).
Em todos estes casos vê-se como a vítima não devolve a ofensa, mas mostra-se sempre bondoso: enfrenta o problema com uma atitude diferente; anula a tensão do agressor; e desarma, de maneira inusitada, a agressão. Não se afronta o mal de maneira passiva, mas com uma atitude de violência a si mesmo que corresponde ao fazer o bem ao inimigo. A raiz de tudo isso veremos amanhã.