Seguir Jesus como Francisco de Assis (EFC)

Lucas 9,57-62

PARA UM SEGUIMENTO RADICAL

Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus


A reprovação dada aos discípulos agressivos, dá passagens a novas lições sobre o discipulado. Sobre o caminho, na qual vai decididamente ao encontro de seu destino em Jerusalém, Jesus estabelece critérios para aqueles que o acompanham, aprofundando no que significa renunciar a si mesmo, tomar a cruz cada dia e segui-lo (ver 9,23).

Temos três candidatos ao discipulado e à vida missionária. O primeiro (v.57) e o terceiro candidato (v.61) se apresentam espontaneamente a Jesus. O segundo é chamado diretamente: “Segue-me”  (v.59). Não sabemos exatamente que motivos tiveram para aproximar-se neste momento a Jesus, porém é evidente que estão fascinados com o Mestre e desejam ficar com Ele.

No ensinamento que segue, se faz ver que, os impedimentos para levar a cabo o exercício do discipulado e da evangelização não provêm somente de fora. As três situações difíceis, que aqui se expõem, mostram outro tipo de obstáculo que provém da mentalidade dos próprios discípulos.

Do ponto de vista positivo, as dificuldades apresentadas servem para delinear, a partir da grande prioridade já estabelecida, o dom da vida na Cruz, as condições para seguir a Jesus. Estas são: (a) Abandonar tudo; (b) Priorizar a evangelização; e (c) Olhar sempre adiante. Em outras palavras: o esquecer do passado, a paixão do presente e a esperança no porvir.

Desta maneira, com a narração destes pequenos episódios, Lucas estimula a quem está a ponto de optar por Jesus (ver 9,23) para que discirnam os motivos do seguimento e suas implicações. Pois o discipulado é uma graça que provém da vocação e não se pode seguir Jesus de qualquer modo.

  1. Seguir a Jesus implica estar disposto a compartilhar sua pobreza (vv.57-58)

O primeiro candidato expressa a Jesus sua incondicional disponibilidade (v.57). Na cena anterior já se havia visto que Jesus não tem hospedagem segura. Agora propõe essa cena como estilo de vida. Que é que um discípulo entusiasta vai encontrar em Jesus? Ele diz: “As raposas têm tocas e as aves do céu ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (v.58).

Desde o estábulo de Belém (2,7), não tem morada. Sua vida é errante, precária, sem lar nem lugar. Andar com Jesus supõe estar disposto a sair da comodidade de uma vida instalada para enfrentar imprevistos e pobreza.

Desta maneira é livre para seguir seu caminho e para alcançar seu destino. Seu olhar está na meta e é livre de tudo o mais. Todo o resto é secundário; todo o resto o aceita assim como se apresenta. Como se acaba de ver, em Samaria, Jesus depende da acolhida que se lhe ofereça.

A menção do “Filho do homem” nos remete, também, ao despojo absoluto da Cruz. A crueza da Cruz é o caminho que Jesus propõe a seus discípulos, fortemente desejosos de ir com Ele pelos caminhos do seguimento e da evangelização. A mesma renúncia, a mesma liberdade e o mesmo compromisso pede Jesus, a todos aqueles que queiram segui-lo.

  • Seguir Jesus é sair do âmbito da morte para entrar no da vida segundo o Reino(vv.59-60)

O candidato seguinte, chamado por iniciativa de Jesus (não se trata de um desejo, mas de um convite, quase de uma ordem de Jesus: “Segue-me”, v.59), põe uma condição a Jesus: “Deixa-me ir primeiro enterrar meu pai” (v.59). Antepõe-se um “primeiro” ao seguimento. A meta de Jesus não é neste momento a prioridade. Na frase do candidato não é claro se, se trata de esperar até a morte de seu pai, ou se este já morreu e quer ir assistir ao funeral.

A resposta de Jesus impõe prioridade (v.60). A evangelização deve ser assim. Jesus não aceita retardar a missão e requer, para isso,obediência comparável à de Abraão, a quem disse: “Sai de tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12,1).

O vocacionado havia feito uma solicitação em nome da piedade filial (quarto mandamento da Lei de Deus).  Sepultar o pai era um dever muito estrito que nenhum filho, sobretudo o maior da casa, podia deixar de fazer. Porém, os compromissos próprios da vocação constituem um dever infinitamente superior.

O amor pelo Senhor está acima do amor pela família (ver 14,26). Este critério proposto por Jesus é uma característica da novidade do Reino. De fato, quando Eliseu foi chamado, Elias lhe deu permissão para despedir-se de seus pais antes de partir (1Rs 19,19-21). Nos novos tempos isto já não se permite. Algo já intuía o Sirácida, que recomendou, no chorar a um morto, senão um dia, no máximo dois, porque a tristeza “fará dano a ti mesmo” (Eclo 38,21).

Por que não há demora? O Reino que anuncia Jesus é de vivos (9,60). Olhando a outra face da moeda, isto quer dizer que os que não escutam a Jesus e não o seguem estão espiritualmente “mortos”. Em consequência, Jesus está convidando a reconhecer, no discipulado, a plenitude da vida, à qual estão convidados todos os que não deram este passo. Quando se entra no Reino, no âmbito da vida (24,5), já não se deve dar marcha-ré.

Portanto, Jesus não está recomendando uma divisão familiar, mas, justamente, o contrário. O fundamental é: o anúncio do Reino tem importância absolutamente superior aos deveres humanos mais preciosos e, se esse é o dever maior, tudo haverá que reconduzi-lo para ele. O seguimento do Reino e sua proclamação exigem que estejamos dedicados completamente a ele.

  • Seguir Jesus indica adeus verdadeiro ao passado e lançar-se sempre adiante (vv.61-62)

Chega o terceiro candidato pondo também uma condição (9,61). O “mas” se faz sentir. Naquela época, muitas vezes todos os membros da família viviam na mesma casa (avós, pais, tios, etc.). Ainda hoje isso ocorre no Oriente. O ambiente narrado aqui põe à luz um perigo: a despedida, por simples que seja, leva seu tempo e inclusive podia esfriar, ou pior ainda, levar a mudar a decisão.

Em sua resposta, parece que Jesus lança mão de uma imagem proveniente da sabedoria popular camponesa e muito conhecida no âmbito intelectual pelo sábio conhecido como Plínio “o Velho” (23 aC): quando se ara o campo, não se pode fazer um rego reto e profundo se o que ara olha para trás. Recordemos que na maior parte das famílias ricas esta antiquíssima ferramenta de agricultura era realizada por bois. Um trabalhador devia pôr constantemente seu olhar sobre o rego que se ia fazendo, só assim o campo estaria preparado para receber a semente e fazer uma boa colheita.

Jesus aplica a imagem à consequência que traz a absoluta novidade do Reino (9,62). Com isso, Jesus não pretende legitimar uma falta de amor à família. Mas sublinha que o seguimento exige um corte claro; que as relações vividas até agora não podem continuar do mesmo modo. Todo passo adiante na vida supõe assumir dolorosas renúncias que a opção implica. Jesus dá um exemplo disto quando rompe com sua amada Galileia (ver 9,51).

Isto vale para o anúncio do Evangelho. Jesus se entregou completamente, firme e decididamente, à missão, e pede o mesmo a seus discípulos: devem trabalhar o solo humano e consagrar neste trabalho todos os esforços. Aquele que se deixa distrair nesta função, não tem as qualidades para executá-lo. Isto se aplica, também, a todos os âmbitos da vida do discípulo. Jesus não aceita decisões tíbias: ir em seguimento exige ruptura, mudança de valores, esquecer experiências morais adquiridas.

Em conclusão: inspirados em Jesus, tomar bem as decisões

É comum ouvir dizer que este é um Evangelho “difícil”. Curiosamente, é o evangelista da ternura e da misericórdia que nos conta esta página, com um tom particularmente rigoroso, porém não rígido. Todo o ensino aponta para a exigência evangélica: quem quer seguir Jesus, deve decidir-se totalmente por ele e comprometer-se. A hora das decisões é a hora da verdade. O discipulado não admite frieza espiritual, é tempo de rupturas enérgicas com o passado para abrir-se a um futuro cheio de promessas.

A passagem de hoje nos ensina a dar todos os passos corretos na tomada de decisão fundamental por Jesus. Na história de cada um, tamanha decisão, representa um momento chave que não se define necessariamente em termos de acontecimentos presentes ou futuros, mas em termos de graça, que devemos saber aproveitar quando passa por nós, assumindo as dores das rupturas. A propósito dos últimos três personagens, o Evangelho nos deixa sem saber se depois das palavras de Jesus realmente o seguiram ou não.  O que sabemos, com certeza, são as circunstâncias e as condições que são necessárias para segui-lo. De cada um de nós se espera agora a resposta.

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