BATISMO DO SENHOR (Estudo Bíblico)
Solenidade do Batismo do Senhor
Lucas 3,15-16.21-22
Introdução
O Evangelho de hoje nos informa sobe o clima que se vivia em Israel quando Jesus começa seu ministério público.
As pessoas mais sensíveis aos caminhos de Deus pressentiam que estava perto o momento em que Deus ia cumprir a sua promessa de salvação (enviando o Cristo, o Messias anunciado pelos profetas).
Nisto eles tinham razão, porque o Cristo já estava no meio deles, porém, não revelado, ainda, em sua identidade: “Como o povo estava a espera, andavam todos pensando em seus corações sobre João, se não seria ele o Cristo” (v.15).
João esclarece firmemente, indicando o caráter essencial do Cristo: estará cheio do Espírito Santo de Deus. Assim estava anunciado. E não só estará cheio do Espírito Santo, mais ainda, Ele o comunicará aos homens. Este é o sinal de ouro que dá João. Com efeito, diz: “Vem o que é mais forte do que eu… ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo” (v.16).
Davi havia sido estabelecido como rei em Israel por meio da unção por parte do profeta Samuel. Davi era então um Ungido (um Messias). Porém não foi esta unção que fez dele o grande rei recordado na história de Israel, mas o Espírito de Deus que por meio desse sinal visível o havia sido comunicado. Havia que atribuir tudo de grande que foi Davi ao Espirito de Deus.
O “Filho de Davi”, o esperado pelo povo, devia possuir o Espírito em maior medida ainda, pois dele Deus havia dito: “Eis aqui meu servo, meu eleito, em quem se compraz minha alma… Eu, Yahweh, te destinei a ser aliança do povo e luz das nações, para abrir os olhos do cego, para tirar do cativeiro o preso e da escuridão os que habitam nas trevas” (Is 42,1.6-7).
Como poderá fazer um homem algo semelhante? O mesmo Senhor o explica assim: “Sobre Ele fiz repousar o meu Espírito”. João Batista bem sabia disto. Por isso o expressa de uma maneira mais evidente: “O Cristo batizará no Espírito Santo”. E isto foi manifestado quando Jesus foi batizado “abriu-se o céu e baixou sobre Ele o Espírito Santo em forma corporal de uma pomba”.
Há algo inusitado nesta descrição que não deve passar despercebido. O texto diz literalmente que o Espírito baixou “em forma corporal” (em grego: “somatikó”). Como é possível um espírito corporal? O Espírito é imaterial.
Mas, neste caso, era preciso ver, para que ficasse evidente que em Jesus se cumprem as palavras de Deus sobre o Messias esperado: “Sobre Ele repousou o meu Espirito”.E como se esse sinal não fosse suficiente para identificar o Cristo, uma voz do céu disse: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”.
Nos episódios seguintes, Lucas insiste sobre a presença do Espirito Santo em Jesus. Depois do batismo disse “Jesus, cheio do Espírito Santo, saiu do rio Jordão e era conduzido pelo Espírito no deserto”(Lc 4,1). E, concluída a narração das tentações no deserto, acrescenta: “Jesus voltou à Galileia pela força do Espírito” (Lc 4,14). Porém, sobretudo, é Jesus mesmo que, entrando na sinagoga de Nazaré, lê a profecia de Isaias: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu”. E a comenta assim: “Esta Escritura que acabais de ouvir se cumpriu hoje”(Lc 4,18.21). É o mesmo que afirmar: “Esta profecia se refere a mim, eu sou o que possuo o Espirito de Deus, eu sou o Ungido, o Messias”.
Sendo uma Pessoa da Trindade, Jesus possui o Espírito desde a eternidade. Porém, enquanto Deus feito homem, o recebe para realizar a obra da redenção e comunicá-lo aos homens. Por isso “Ele batiza no Espirito Santo”.
O Espírito, que recebemos de Cristo, depois que Ele o recebeu do Pai, como Deus-homem, nos configura a Ele, sobretudo em sua condição de Filho de Deus.
São Paulo diz isso de maneira insuperável: “Haveis recebido um Espirito de filhos adotivos, que nos faz exclamar: ‘Abba, Pai!’. O mesmo Espírito se une ao nosso espírito para dar testemunho de que somos filhos de Deus”(Rm 8,15-16).
Dom Felipe Bacarreza Rodriguez, bispo
- O texto e o contexto
Hoje celebramos a festa do batismo de Jesus. Após haver se manifestado aos pobres no Natal e aos magos na Epifania, manifestando, dessa vez, a sua mensagem para o mundo inteiro, hoje, Jesus se manifesta ao povo de Israel, no acontecimento de seu batismo no rio Jordão.
O termo “batismo” significa “imersão”. Uma imersão na água. De uma maneira geral, recebendo a imersão por parte de João Batista, Jesus dirige o anúncio da escandalosa condescendência de Deus a toda a humanidade.
Em sua busca de comunhão com os homens Deus desce ao encontro de cada pessoa, ali onde os caminhos tortuosos da vida e seus pecados podem conduzir-lhes. Convido-vos a que busquemos em nossas bíblias o texto de Lucas 3,15-16.21-22.
João Batista, profeta enviado por Deus para pregar a conversão, em função do Reino que estar por vir, chama a todos para que tome a decisão de mudar de vida como sinal de retorno a Deus, um retorno capaz de originar nova vida; e a realizar uma significativa imersão nas águas do Jordão: um batismo de conversão para a remissão dos pecados.
Atraídos por sua pregação, também os publicanos, ou seja, os pecadores públicos acorrem até ele para serem batizados.
E na fila dos pecadores que vêm até João, confessando os seus próprios pecados e aceitando o sinal do batismo, aparece Jesus. Ele mesmo, Jesus, plenamente solidário com os pecadores, confundido, ali, no meio do povo.
Em Lucas 3,21 se diz que João estava batizando e que Jesus foi batizado, deixando entender que, praticamente, já havia terminado uma grande quantidade de batismo e que, ao final, aparece Jesus.
Como estariam estas águas que haviam recolhido os pecados de tanta gente quando Jesus entrou! Esta é a primeira imagem pública de Jesus que nos dá, não somente Lucas, mas os quatro evangelistas.
- Aprofundando
- Jesus começa seu ministério através deste abismo de esvaziamento e de humilhação
Como diz Paulo em sua carta: “… o qual, sendo de condição divina, não reteve avidamente o ser igual a Deus. Mas despojou-se de si mesmo, tomando a condição de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (Fl 2,6-7). E isto é tão escandaloso que alguns cristãos, já desde as origens, não podendo ignorar este passado da vida de Jesus, trataram ao menos de minimizar.
Lucas, por exemplo, evoca apenas a imersão de Jesus nas águas, tratando quase de pôr-lhe entre quatro paredes. “Sucedeu que, quando todo o povo estava batizando-se, batizado também foi Jesus e posto em oração …”, reporta-se Lucas, como se quisesse apenas passar à oração, uma vez que era tão escandalosa esta frasee o fato de que Jesus, realmente, se fez batizar, fazendo o mesmo que fazia os pecadores de seu tempo. É o que ele pensa: aqui há um detalhe escandaloso…
Já o Evangelho de Marcos, sim, nos deixa sentir um pouquinho a força de escárnio que deixa ver este ato de Jesus. Em seu Evangelho, capitulo 1, versículo 9, diz: “E sucedeu que por aqueles dias veio Jesus de Nazaré da Galileia, e foi batizado por João no Jordão”.
Sabe por que tudo isso? Porque é inaudito que este eleito, que é Jesus, aquele que não tem pecado, aquele que provém de Deus, se apresente no meio dos pecadores e se ponha entre eles para receber uma imersão em vista da remissão dos pecados. Mas, que fazer! Na história ocorreu exatamente isto.
- Jesus sai do rio coberto pela água carregada dos pecados da humanidade
E, justo no momento em que Jesus sai do rio, coberto pela água carregada dos pecados da humanidade desce sobre Ele o Espírito Santo em aparência corpórea, como uma pomba, e, desde o céu se ouve a voz do Pai: “Tu és o meu Filho bem-amado; em ti ponho toda a minha alegria” (Lc 3,21).
E, assim, enquanto Jesus está em oração, isto é, na escuta da voz do Pai, do projeto do Pai, em relação amorosa com Ele, que é o fundamento de todos os projetos, Jesus, estando em oração, cumpre a Escritura. O texto citado em Lucas nos mostra uma realização da Palavra de Deus.
E se escuta também e de modo especial a voz do Pai. É como se Deus dissesse a Jesus: Amo-te com amor eterno para que reveles meu verdadeiro rosto, para que reveles e manifestes minha misericórdia com os pecadores. Era difícil pensar que Deus amasse os pecadores, mas para que não ficasse dúvidas a respeito, Jesus nos mostrou isso com o primeiro gesto de sua vida publica. E mais, o elemento de imersão de Jesus antecipa todo o sentido de sua vida, de sua missão, de sua pregação, até a morte.
Sempre encontraremos Jesus em meio dos pecadores, capaz de levar-lhes o amor e a comunhão com Deus, ali onde este amor e esta comunhão pareciam inocentes. E quando chegue a hora da cruz, junto a Ele serão crucificados dois malfeitores, um a direita e outro à esquerda. Ele morre no meio dos pecadores, assim como no dia do batismo, começou no meio dos pecadores, sempre com uma presença salvífica.
- O Batismo de Jesus e nós, os cristãos.
Foi para revelar-nos isto que Jesus começou seu ministério no meio dos pecadores. E depois, ao longo de sua vida, ofereceu a todos que tem encontrado em seu caminho o anúncio do perdão dos pecados, até deixar que essa tarefa se constituísse na missão fundamental da Igreja, na tarefa de todos os discípulos missionários do Senhor, como encontramos em Lucas 24,47: “Anunciem a todas as nações, começando por Jerusalém, o perdão dos pecados em meu nome”.
A maioria de nós não se recorda do dia do seu batismo porque a maior parte, senão todos, foi batizado ainda muito pequenos. Porém, sem dúvida, é uma oportunidade de recordar o compromisso que implica nosso batismo. Naquele dia o céu se abriu sobre Jesus, como também se abre a cada dia que se realiza um batismo. No dia do meu batismo o céu se abriu sobre mim e então aconteceu um dialogo: “Tu és o meu filho amado o qual elegi”.
Tu nos dizes, Senhor que somos teus filhos, como disseste a Jesus, naquele dia. E nós somos os filhos no Filho. E o somos porque através do caminho que realizamos com Ele como discípulos, identificando-nos com Ele e participando de sua mesma vida ressuscitada, Tu nos adotaste, nos assumiste, dando-nos o dom da filiação. Tu hoje volta a dizer-me: “Tu és meu filhinho, pois eu te fiz, eu te gerei”.
Deixa-me agora responder-te, Senhor: “Tu és meu pai, tu me geraste, tu, Senhor, me trouxeste a vida, não somente através de meus pais, aos quais eu agradeço muito a minha existência, mas tudo isso foi por querer teu, pois nada vem ao mundo se tu não o queres. Nós, Senhor, devemos-te a vida e, no batismo, tu, Senhor, tomaste a nossa vida para ti. Assim como nossos pais nos trouxeram ao mundo através de um parto, tu nos trouxeste à vida a ti através do batismo. Deixa-nos hoje dizer, Pai, “Papá”, como Jesus te dizia. Coloca em nós este coração filial, este coração de filho, este coração de criança que se surpreende ante a grandeza de seu Pai, porém, também de adulto que sabe respeitar-lhe seguindo a sua vontade”.
“Tu és meu filho amado a quem elegi”. Como quem diz em quem tenho posto a minha complacência, a minha alegria, tu és meu gozo. Porém, sabemos que essa frase elegível indica oração que recorda as profecias do servo de Iahweh. Ele foi eleito.
Jesus quando escuta estas palavras está recebendo a missão que provém do Pai. Essa missão que vem da eternidade, nos sabemos, requer uma apresentação pública e Jesus está assumindo. “Eu te elegi”, como quem diz: “Eu te destinei para uma missão”.
E agora nós te dizemos em oração: “Obrigada por tua confiança. Porque Tu também nos elegeste para o teu serviço, nos elegeste na pessoa de Cristo e Tu nos entregaste a missão de Jesus, não para substituí-lo, mas para fazê-lo presente.”
Significa compromisso de nossa parte, em primeiro lugar, total e absoluto com Jesus, identificação total com Ele. Senhor, hoje te pedimos, ao mesmo tempo que te agradecemos, te pedimos que possamos ser responsáveis na missão que nos faze abraçar, missão que brota também das águas do batismo.
Senhor, que possamos entender, de uma vez por todas, que a missão da Igreja é missão de todos os batizados. Não somente do Papa, dos bispos, dos sacerdotes, dos religiosos e religiosas e de alguns leigos comprometidos, mas de todos os batizados.
Somos discípulos missionários porque Tu, que nos chamaste a sermos teus filhos, também nos chamaste a uma missão. E, assim, orando, contemplando e vivendo, lançamo-nos no seguimento do Senhor a partir da escuta. Não esqueçamos, todos nós somos discípulos missionários, para nós também são as palavras “Tu és meu filho, eu te elegi”. O céu se abriu sobre nós e o Espírito Santo desceu também sobre nós.
Assumamos a missão e não esqueçamos que, como latino americanos, estamos em missão continental recordemos hoje dia do batismo, dia do envio à missão. Que este domingo esteja muito cheio deste sentimento e nos permita o Senhor partilhar com todas as pessoas que nos rodeiam, com nossas famílias e com nossas comunidades nas quais celebramos a Eucaristia.
- Aprofundando com os nossos pais na fé
Cromácio de Aquileia (?-407), bispo
“Do batismo de Cristo ao nosso batismo”
Que grande mistério nesse batismo de nosso Senhor e Salvador! O Pai faz-se ouvir do alto do céu, o Filho é visto na terra, o Espírito Santo mostra-se na forma de uma pomba. Com efeito, não há verdadeiro batismo nem verdadeira remissão dos pecados onde não há a verdade da Trindade…
O batismo que a Igreja dá é único e verdadeiro; só é, portanto, uma vez, e ao ser-se nele mergulhado uma só vez, fica-se purificado e renovado. Purificado, porque se deixou a mancha dos pecados; renovado, porque se ressuscita para uma vida nova depois de se ter despido a velharia do pecado… Portanto os céus abriram-se no batismo do Senhor, a fim de que, pelo banho do novo nascimento, se descubra que os reinos dos céus estão abertos aos crentes, segundo esta palavra do Senhor: «Ninguém, a menos que nasça da água e do Espírito, poderá entrar no Reino de Deus» (Jo 3,5).
Entrou, pois, aquele que renasceu e que não negligenciou a preservação do seu batismo…
Uma vez que Nosso Senhor viera dar o novo batismo para a salvação do gênero humano e remissão de todos os pecados, Ele próprio quis ser o primeiro batizado, não para se despojar do pecado, pois não cometera pecado, mas para santificar as águas do batismo com o fim de destruir os pecados de todos os crentes renascidos pelo batismo.
- Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
Da memória do batismo de Jesus, não podemos mais que pôr-nos à escuta de uma pergunta crucial para nós, os discípulos, para nós que nos deixamos educar pela Palavra de Deus que nos transmite as atitudes e a mesma vida do Senhor:
- Nós, que temos sido batizados, isto é, imersos na morte e na ressurreição de Cristo, estamos dispostos a expressar a todos, como programa de nossa vida, o amor misericordioso de Deus?
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- Estamos dispostos a começar, seguir por ai e terminar ai, a começar com as pessoas mais difíceis e mais complicadas, as que, em geral, me incomodam, e quando não incomodam, eu sei que está mal e necessita de salvação?
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- Dito de outra maneira, nós somos capazes, você e eu, de testemunhar quê o que Deus pede a toda pessoa é, unicamente, que reconheça seu pecado e aceite que este Deus de misericórdia, este Deus Pai que nos ama tanto, nos recubra com seu incrível amor, ou seja, com seu Espírito Santo?
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Pe. Fidel Oñoro, cjm – Centro Bíblico del CELAM