ESTUDO BÍBLICO NA PRIMEIRA SEMANA DA QUARESMA ANO B 2021
SEGUNDA-FEIRA ESTUDO BÍBLICO
Festa da Cátedra de São Pedro
Leitura: 1Pd 5,1-4
A primeira carta de Pedro foi escrita em grego, porém, em tamanha qualidade que parece difícil atribuí-la a Simão Pedro, pescador simples da Galileia. Mas em 5,12-13, a carta diz que Pedro estava em companhia de Silvano (idêntico ao Silas, cf. At 15,22.27.30.32.40; 16,25; 17,14; 18,5; 1Ts 1,1; 2Ts 2,1; 2Cor 1,19) e de João Marcos (cf. At 12,5; 13,5-13; Cl 4,10; 2Tm 11). Ambos foram companheiros também de Paulo. Esta carta circular (“católica” no sentido de “geral, para todos”) se diz ser escrita “por meio de Silvano” (5,12). A data deve ser pouco antes da perseguição de César Nero na qual Pedro e Paulo sofreram o martírio (64-67 d.C.). Entretanto, o estudo da situação histórica e do desenvolvimento do cristianismo faz pensar, que a carta poderia ser escrita depois do martírio de Pedro, no final do século I., quando o evangelho já se havia espalhado pelas províncias da Ásia menor (atual Turquia). Um discípulo residente em Roma (a qual ele chama de Babilônia, cf. 5,13; Ap 18) teria redigido esta mensagem de encorajamento para manter viva o legado e a tradição do primeiro apóstolo e alentar as comunidades dispersas.
Na leitura de hoje, a exortação por categorias em 3,1-9 (mulheres, maridos, todos) continua aqui, seguindo um esquema semelhante: anciãos (vv. 1-4); jovens (v. 5a), todos (5b.6). A palavra grega “presbítero” significa “ancião”, mas em lugar da idade passa a designar uma função, hoje é o termo correto pelo sacerdote, ou seja, o padre. Mas as primeiras comunidades cristãs não queriam ser confundidos com o culto do templo de Jerusalém, portanto usavam termos da administração civil ou do antigo Israel (Ex 18,26; Nm 11,16; Js 8,10, 1Sm 16,4; Is 9,14; Ez 8,1.11 etc.) e do judaísmo (Esd 5,5; 10,14; Jt 6,16; Lc 7,3; 22,66; At 4,5 etc.) para constituir à sua frente um corpo de “presbíteros” ou notáveis. Os “epíscopos” (lit. supervisores), que não são ainda “bispos”, aparecem em relação particular com os “diáconos” (Fl 1,1; 1Tm 3,1-13); em certos textos (Tt 1,5,7; At 20,17.28) parecem ser idênticos aos “presbíteros”. De qualquer modo, os presbíteros e epíscopos cristãos não são apenas encarregados da administração temporal, mas também do ensino (1Tm 3,2; 5,17; Tt 1,9) e do governo (1Tm 3,5; Tt 1,7). A “catedral” será depois o lugar, onde o bispo exerce estas funções. Os romanos, neste dia de 22 de fevereiro, comemoravam seus defuntos ancestrais em torno de uma “cátedra” (cadeira vazia, reservada ao defunto). A partir do século IV, a festa salienta a missão de mestre e pastor conferida a Pedro (cf. o evangelho de hoje).
Exorto aos presbíteros que estão entre vós, eu, presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que será revelada: (v. 1)
“Eu, presbítero como eles”, Pedro emprega aqui o termo com o significado “ancião” (em oposições aos jovens, v. 5), como também sua função pastoral. Pedro, o ancião e responsável, aconselha a seus colegas anciãos e responsáveis. Pode-se ler estes vv. como testamento espiritual de Pedro. Ele é “testemunha dos sofrimentos de Cristo”, seja porque, como “apóstolo” (1,1) tenha assistido a paixão de Cristo, seja porque pelos seus próprios sofrimentos, deu testemunho de Cristo, ainda que lhe tenha custado tanto compreendê-lo (cf. Mc 8,32s; 15,66-72). Ele também é “participante da glória que será revelada” (cf. 2Pd 1,16-17; Mt 13,16; Mc 9,2-10; Lc 24,34; 1Cor 15,5) no dia da parusia (volta de Cristo; cf. 1,5,13; 4,7; 5,10).
Sede pastores do rebanho de Deus, confiado a vós (v. 2a).
O v. 2 pode ser traduzido: “Apascentai o rebanho de Deus que vos é confiado, velando por ele”, dando eco à palavra dirigida por Cristo a Pedro pessoalmente (Jo 21,15-17). À imagem bíblica de pastoreio acrescenta-se a função da vigilância (cf. At 20,28).
Cuidai dele, não por coação, mas de coração generoso; não por torpe ganância, mas livremente; não como dominadores daqueles que vos foram confiados, mas antes, como modelos do rebanho (vv. 2a-3).
Depois Pedro continua com seus conselhos com seu procedimento favorito de antíteses: “não isso, mas aquilo”. Três antíteses sintetizam o programa do pastor. O aspecto negativo serve para sublinhar o oposto positivo, mas também poderia aludir a abusos reais ou possíveis entre os responsáveis. “Não por coação, mas de coração generoso” (de livre e boa vontade), “não por torpe ganância”, mas com devoção e dedicação, “não como dominadores” autoritários (cf. Jo 13,15,17; 2Cor 1,24; Lc 22,27) “daqueles que vos foram confiados” (lit. porções que couberam; alusão à divisão da terra entre as tribos de Israel; cf. Js 13,22), “mas, antes, como modelos de rebanho” como Paulo também recomenda (1Cor 4,16; 11,1; Fl 3,17; cf. Tt 2,7).
Assim, quando aparecer o pastor supremo, recebereis a coroa permanente da glória (v. 4).
O tema de Cristo pastor é frequente (2,25; Jo 10; Lc 15,3-7; Mt 9,36; 26,31; no AT, Davi e o messias; cf. 2Sm 16; Mq 5,3; Ez 34; Sl 23). Mas o título “pastor supremo” encontra-se só aqui em todo NT. Quando ele aparece, “recebereis a coroa permanente da glória” (cf. 1Cor 9,25; 2Tm 4,8).
Evangelho: Mt 16,13-19
O evangelho de hoje é de Mateus que destaca o papel de Simão Pedro através das palavras de Jesus. Para apreciar, precisa reconhecer que Mt já usava o evangelho mais antigo, Mc. Para Mc, a profissão de fé de Pedro está no centro do evangelho, mas não nos transmite as palavras de Jesus sobre o primado de Pedro que Mt insere depois. Na primeira metade de Mc, Jesus demonstra seu poder, cura e atua milagres na Galileia até ser aclamado de “Cristo-Messias” por Simão Pedro (Mc 8,29). Mas a partir daí, Jesus começa anunciar sua paixão e morte em Jerusalém (Mc 8,31; 9, 31, 10,33). Para não ser mal entendido como messias guerreiro e nacionalista, Jesus impõe silêncio ainda sobre seu segredo do messias (cf. 8,30; 9,9). Simão Pedro, porém, não quer entender o sofrimento anunciado do messias e repreende o mestre. A reação de Jesus é dura: “Atrás de mim, Satanás, não pensas as coisas de Deus, mas dos homens” (Mc 8,33).
O segredo do messias e a incompreensão até por parte dos discípulos são características do evangelho de Mc. Marcos acompanhava Paulo e era intérprete de Pedro, conhecia bem o lado humano deles. Ele concluiu sua obra em 70 d.C., durante a Guerra Judaica e pouco depois da perseguição violenta pelo César Nero que resultou no martírio de Pedro e Paulo e muitos outros cristãos em Roma, por isso falava da necessidade da cruz e da dificuldade de entender isso.
Para Mt, a situação já é diferente. Ele atenua ou evita falar da incompreensão dos discípulos. Para Mt e Lc, que escreveram 20 anos depois, os apóstolos já ganharam o status de santos. Como a guerra Judaica já havia terminado com a derrota dos judeus, não havia mais tanta necessidade de um segredo messiânico, ou seja, evitar o mal-entendido de um messias-Cristo nacionalista e guerreiro. Mas por fidelidade à sua fonte Mc, Mateus não omite nem o silêncio nem a repreensão, mas os adia, declarando primeiro Pedro como pedra fundamental da igreja.
Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (v. 13).
Na primeira parte do evangelho de hoje, Mt segue fielmente a Mc. Antes de ir ao sul para cumprir sua missão Jerusalém, Jesus e os discípulos encontram-se no ponto mais setentrional da sua trajetória, em Cesareia de Filipe, que era uma cidade construída junto às nascentes do Jordão, em 2 ou 3 a.C., por Herodes Filipe em honra de César Augusto. A pergunta de Jesus força os discípulos a fazer uma revisão de tudo o que ele realizou no meio de povo.
Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas” (v. 14).
Esse povo não entendeu bem quem é Jesus. Jesus não reivindicou o título “profeta”, senão de maneira indireta e velada (13,57p; Lc 13,33), mas as multidões lhe deram sem hesitar (16,14; 21,11.46; Mc 6,15p; Lc 7,16. 39; 24,19; Jo 4,19; 9,17). Este termo tinha valor messiânico, pois o espírito de profecia, extinto desde Malaquias, devia reaparecer, segundo a opinião dominante entre os judeus, como sinal da era messiânica, seja na pessoa de Elias (17,10-11p), seja sob a forma de uma efusão geral do Espírito (At 2,17s cita Jl 3,1s). De fato, no tempo de Jesus sugiram muitos (falsos) profetas (24,11.24p; etc.). Quanto a João Batista, esse foi realmente profeta (11,9p; 14,5; 21,26p; Lc 1,76), mas como precursor vindo com o espírito de Elias (11,10p.14; 17,12p). Mas negou (Jo 1,21) ser “o profeta”, que Moisés tinha predito (Dt 18,15.18). Este profeta, a fé cristã só reconheceu na pessoa de Jesus (At 3,22-26; Jo 6,14; 7,40). Contudo, por ter-se disseminado na Igreja primitiva o carisma da profecia após o Pentecostes (Mt 10,41; 23,34; Lc 11,49; At 11,27; 13,1; 15,32; 21,9s; Rm 12,6; 1Cor 12-14; 14; 1Ts 5,19s; Ef 2,20; 3,5; 4,11; 1Tm 1,18; 4,14; Ap 1,3 etc.), este título deixou, bem cedo, de ser aplicado a Jesus, cedendo o lugar a títulos mais específicos da cristologia.
Entre os profetas, Mt acrescenta o nome “Jeremias”, talvez pela perseguição que este profeta sofreu, ou pelo sonho em 2Mc 15,12-16 em que Jeremias dá uma espada a Judas Macabeus num gesto semelhante a Jesus que dará a chave a Pedro (v. 19).
Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (vv. 15-16).
Os discípulos, porém, que acompanham e veem tudo que Jesus tem feito, reconhecem agora, através de Pedro, que Jesus é o Messias.
“Cristo” não é um nome, é título, tradução grega da palavra hebraica mashiah (aramaico meshiah), “messias”, que significa “ungido”, consagrado por uma unção (grego crisma – unção com óleo; cristo – o ungido). Quem foi ungido no AT? Reis, sacerdotes e raramente profetas (1Rs 19,15s; Is 61,1; cf. Lc 4,18). Quanto aos membros do sacerdócio, não parece que unção lhes tenha sido conferida antes da época persa. Os textos sacerdotais antigos a reservavam ao sumo sacerdote (Ex 29,7.29; Lv 4,3.5.16; 8,12). Depois foi estendida a todos os sacerdotes (Ex 28,41; 30,30; 40,15; Lv 7,36; 10,7; Nm 3,3). Nos textos históricos antigos, a unção é reservada ao rei (1Sm 10, 1s; 16,1ss; 1Rs 1,39; 2Rs 9,6; 11,12) e lhe confere um caráter sagrado: ele é o Ungido de Javé (1Sm 24,7.11; 26,9.11.16.23; 2Sm 1,14.16; 19,22). Aplicado muitas vezes pelos Salmos a Davi e sua dinastia, este título tornou-se o título por excelência do rei do futuro, o Messias, do qual Davi era o protótipo, e o Novo Testamento o atribui a Cristo Jesus.
A esperança do messias futuro iniciou-se 1000 anos antes de Jesus. Em 2Sm 7, Deus prometeu a Davi que sua dinastia e seu trono permaneceria para sempre. O oráculo ultrapassa o sucessor de Davi, Salomão, e deixa entrever um descendente privilegiado em que Deus se comprazerá. É o primeiro elo sobre as profecias sobre o messias, filho de Davi (Is 7,14; 9,5-6; 11,1-5; 42,1; Jr 23,5-6; Mq 5,1-4). A maioria dos sucessores no trono de Davi, porém, não seguiu os caminhos de Deus (cf. 1-2Rs). Depois do exílio não houve mais um rei da descendência de Davi em Israel, só governadores (Zorobabel, cf. Ag 2,20-23; Zc 6,12s). Os hasmoneus (dinastia dos macabeus) não eram descendentes de Davi, mas de linhagem sacerdotal cf. 1Mc 2,1; 10,20). O rei Herodes não era nem judeu (era idumeu, povo vizinho ao sul da Judéia), mas foi instituído por imposição de César Augusto. A esperança de um messias salvador que libertasse o povo dos seus opressores igual a Davi, se mantinha viva (até hoje existe entre os judeus).
Messias ou Cristo é designação judaica do salvador esperado. Mc compreende esse título no sentido novo que lhe confere sua aplicação a Jesus (Mc 9,41; 12,35-37). Em Mc, Jesus só aprova esse título Messias/Cristo durante seu processo (Mc 14,61s), e só um homem reconhece Jesus como Messias: Pedro, mas ele é logo intimado ao silêncio (Mc 8,30.33). mas em Mt 16, é instituído “Papa” primeiro (vv. 17-19), antes de Mt continuar copiando de Mc a ordem de silêncio, o anúncio da paixão e a repreensão de Pedro (vv. 20-23, omitidos na liturgia de hoje).
À resposta de Pedro “Tu és o Messias (Cristo)” em Mc 8,29, Mt acrescenta “o Filho de Deus vivo”. Em Mt, não é a primeira profissão de fé. Já em 14,33, Mt substituiu a incompreensão dos discípulos por uma profissão de fé: “se ajoelharam diante dele dizendo: ‘De fato, tu és o Filho de Deus’”. No AT, “filho de Deus” aplica-se aos anjos, ao povo eleito, aos israelitas fieis e ao Messias (2Sm 7,14; Sl 2,7; 89,27) e designa uma relação particular com Deus fundada em sua eleição e na missão. Os cristãos destacam com suas primeiras confissões de fé, o caráter único e decisivo da pessoa de Jesus: ele é mais do que um profeta ou rei (cf. Mt 12,41-42p), ele mantém com Deus uma relação filial inigualável (“Abba”- papai, cf. Mc 14,36; Rm 8,15; Gl 4,6) e a ele foi confiada uma missão impar na obra da salvação (cf. Rm 10,9; Hb 9,26-28; Jo 3,16-17).
Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz es tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu (v. 17).
Jesus declara feliz (“bem-aventurado”) Simão que é “filho de Jonas” (de João em Jo 1,42), mas declarou que Jesus é o Messias esperado e Jesus ratifica, declarando que esta confissão procede de uma revelação do seu “Pai que está no céu” (cf. 11,25-27; Rm 8,15; Gl 1,16) não por um “ser humano” (lit.: “carne e sangue”).
A fé é resposta positiva à palavra de Deus; a fé de Pedro (e nossa também) é dom de Deus (não produto humano, de carne e sangue), mas a fé torna-se tarefa também. A revelação a Pedro tem um sentido cuja profundidade Pedro mostraria, mais tarde, não ter aprendido ainda (vv. 22-23).
Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la (v. 18).
Aqui, Mt aproveita a oportunidade e apresenta um paralelismo das identificações: o povo diz / vós dizeis. Pedro diz “tu és o Messias” / Jesus diz “tu és Pedro”.
“Tu és Pedro” (v. 18; cf. 10,2). Tal nome grego não era usado como nome próprio de pessoa na época. Pedro é tradução do nome aramaico Cefas (Jo 1,42; 1Cor 1,12; 9,5; 15,5; Gl 1,18). A mudança de nome pode ter ocorrido mais cedo (cf. Jo 1,42; Mc 3,16; Lc 5,8; 6,14).
“Sobre esta pedra construirei a minha igreja.” A palavra grega ekklésia (Igreja) traduz o termo hebraico qahal, que significa “assembleia” e é comum no AT para designar o povo eleito (cf. Dt 4,10; 23,2; 1Rs 8,22 etc.; At 7,38). Certos grupos judaicos que se consideravam o resto de Israel (cf. Is 4,3) dos últimos tempos (p. ex. os essênios em Qumrã), o aplicaram ao seu próprio círculo. Jesus o transfere à comunidade messiânica, que ele irá construir selando uma nova aliança pelo derramamento de seu sangue (26,28; cf. 5,25). “O reino de Deus já está próximo” (4,17), por isso está comunidade deve começar já aqui na terra por uma sociedade organizada cujo chefe institui (cf At 5,11; 1Cor 1,2 etc.).
Essa nova comunidade é simbolizada por um templo que Jesus construirá; ele é o dono da construção (“minha igreja”) e Pedro será a pedra fundamental (cf. Ef 4,20-22; Gl 2,7-9; 1Cor 10,10-17; 1Pd 2,4-8; Ap 21,14).
Pedro terá um papel medianeiro: por sua fé, adesão e aderência a Cristo, participa da solidez da “rocha”, símbolo antigo de Deus (cf. Dt 32,4.15.18.30.31; Sl 19,14; 27,5 etc.) e da fé operante (cf. 7,24). A declaração de Jesus corresponde à função eminente que Pedro desempenhou no início da Igreja (4,18; 17,1; At 1,13.15; 3,1; 10,5; 15,7; Jo 6,67-69; 21,15-23; Gl 2,7).
A interpretação destas palavras e seu alcance diferem nas diferentes denominações. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1890) anota o seguinte: A tradição católica aduz este texto para fundamentar a doutrina segundo o qual os sucessores de Pedro herdaram o seu primado. A tradição ortodoxa opina que, em suas dioceses, todos os bispos que confessam a verdadeira fé integram-se na sucessão de Pedro e na dos demais apóstolos. Embora reconheçam a posição e a função privilegiada de Pedro nas origens da Igreja, os exegetas protestantes estimam que Jesus só tem em vista, aqui, a pessoa de Pedro.
Por muito tempo, o primado do bispo de Roma (“Papa”) era um primado de honra (por ser Roma o lugar do martírio de Pedro e Paulo); somente no segundo milênio desenvolveu-se o primado jurídico de chefe quase absoluto (“vigário de Cristo”) culminando no dogma da infalibilidade no Concilio Vaticano I (1870), mas foi completado pela colegialidade dos bispos (o papa é o primeiro entre iguais) no Concilio Vaticano II (1962-1965).
A permanência própria da Igreja durante 2000 anos apesar de perseguições de fora, crises internas, cismas etc. comprovam de certo modo a palavra de Jesus de que ”o poder do inferno nunca poderá vencê-la”, lit. as portas do hades. A palavra grega hades, em hebraico sheol, designa a morada dos mortos (cf. Nm 16,33). As portas simbolizam seu poder (cf Jó 38,17; Sb 16,13). O hades não conseguirá reter na morte os membros da comunidade messiânica de Jesus.
Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (v. 19).
Jesus promete a Pedro “as chaves do reino dos céus” (v. 19), e com essas dá acesso ao reino (conforme as bem-aventuranças, cf. 5,3.10). Ele terá o poder de “ligar e desligar”, ou seja, proibir ou permitir, julgar, condenar ou perdoar, ensinar e interpretar, ratificado por Deus, diferente dos fariseus e doutores da lei que amarram fardos pesados (23,4) e fecharam o acesso ao reino de Deus (23,13). Enquanto Pedro fica com o símbolo da chave (cf. Is 22,22), a autoridade de ligar e desligar é dada também ao conjunto dos discípulos (18,18; Jo 20,23). O Reino de Deus está vinculado a uma Igreja cujos traços ainda não estão definidos, mas com o poder das chaves já não está desprovida de certa estrutura: depois das chaves, será a cátedra, depois da catedral, o Vaticano, ou seja, o magistério dos bispos e, em primeiro lugar, o do Papa.
Rasguem seus corações e não suas vestes: “Por que rasgar o coração se não é para derramar a caridade?Não fechemos as entranhas de nossa misericórdiaao próximo que está na indigência” (São Bernardo, “Sermão de Quaresma”)
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TERÇA-FEIRA
Mateus 6,7-15
NOSSA CONVERSÃO: ORAR COMO FILHOS
“Devem orar desta maneira”
O Evangelho deste dia nos leva outra vez ao “discurso da montanha”, para aprender, na contemplação e na escuta do Mestre, a orar e a viver como filhos de Deus.
- Renovar a relação de amor com o Pai (6,7-8)
O Pai nosso é a oração de Jesus, o Filho amado, que por pura gratuidade nos participa o que Ele é, nos faz iguais, filhos nEle e como Ele, até o ponto que possamos dirigir-nos ao Pai com seu mesmo espírito: “Abá, Pai!” (Rm 8,15).
Ensinando o Pai Nosso, Jesus partilha com os discípulos a relação de amor que vive com o Pai; por isso, os discípulos “não multiplicam as palavras como os pagãos” (Mt 6,7), pois, têm colocado a sua confiança no Pai que os ama e conhece suas necessidades:“não sejais como eles, porque antes que peçam, o Pai sabe o que necessitam” (6,8).
- O Pai-Nosso (6,9-13)
“Pai!”. Jesus não chamava a Deus “Pai”, mas “Abbá”, que é uma expressão de familiaridade própria do filho na relação com seu pai. Em português, poderíamos dizer “Papaizinho, paizinho lindo”. Isto nos leva a entender, que Jesus tratou sempre a Deus, com a confiança de uma criança a seu papai, e assim quer que façamos também.
A Palavra “Nosso” nos faz reconhecer que, é na paternidade de Deus onde se fundamenta nossa fraternidade, somos irmãos, filhos amados do Pai, todos viemos da mesma fonte! Nos sete pedidos do Pai-Nosso, Jesus nos ensina a pedir ao Pai o que Ele quer nos dar.
Os três primeiros pedidos
- Santificado seja teu Nome: Que o Pai seja reconhecido como Deus por todos;
- Venha teu Reino: Que ao reconhecer-nos como filhos de Deus, nós possamos viver a justiça, a
igualdade e a solidariedade; o Reino do Pai é a fraternidade de seus filhos;
- Faça-se tua Vontade: que se realize seu projeto eterno sobre cada um de nós, reproduzindo em
todos à imagem de seu Filho (Rm 8,28)
Com estas petições, Jesus ensina que a oração, é sair de si mesmo, e entrar em sintonia com o coração do Pai, para querer o que Ele quer de nós, porque sabemos que o Pai nos ama e nos quer felizes.
Os outros quatro pedidos
Os quatro pedidos seguintes nos fazem olhar o Pai, como o doador de todo bem, que cuida e se compadece de seus filhos.
- “Dá-nos hoje o pão de cada dia”: confiados no Pai, Deus dá vida, pedimos o pão, as possibilidades de trabalho, de sustento, com as quais segue recriando nossa vida. Pedimos também o Pão do céu, Jesus Eucaristia, alimento que perdura e não nos deixará morrer jamais;
- “Perdoa-nos, como nós perdoamos aos que nos ofendem”: Com esta súplica, Jesus quer ajudar a manter viva a consciência que, somos pecadores, mas n’Ele e por Ele, podemos esperar confiantes a misericórdia do Pai; a sã consciência de nosso pecado, nos situa na humildade e nos faz abertos, tolerantes e compreensivos uns aos outros, dispostos ao perdão e à misericórdia. Por isso, para Jesus Cristo, é obvio que quando suplicamos o perdão do Pai, já nos temos perdoado entre nós.
- “Não nos deixeis cair em tentação”: Jesus nos situa na humildade de coração, que nos retira de nossa autossuficiência e nos faz depender confiadamente da misericórdia;
- “e livra-nos do mal”: e nos faz depender confiadamente, também, do poder do Pai, que em Jesus, já nos livrou do pecado e das forças do mal;
Estas petições estão marcadas por um profundo sentido de solidariedade e de fraternidade, que agrada ao Pai e lhe permite ver e escutar, em nós, a oração de Jesus, seu Filho amado. O Pai-nosso identifica nossos sentimentos com os de Jesus, nos faz partícipes de sua identidade, oramos n’ Ele, por Ele e como Ele.
Cultivemos a semente da Palavra no coração.
- Que partilha conosco Jesus ao ensinar-nos o Pai-Nosso?
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- Das petições, qual a que mais me identifico e por quê?
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- Em que faço consistir, concretamente, minha relação com o Pai?
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- Somente peço coisas ou também sei bendizer seu nome?
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“Ó Coração imenso, poderá haver algo maior que tu? E quem pode dizer-me que existe algo maior, no céu ou na terra, que aquele a quem tenho dado meu coração?” (São João Eudes, “Chamas de amor”).
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QUARTA-FEIRA
Lucas 11,29-32
Nossa conversão: ACOLHER OS SINAIS DA PRESENÇA DE DEUS
“Aqui há algo mais que Salomão, aqui há algo mais que Jonas”
A conversão de nosso coração é obra de Deus e dom imenso de seu amor, porém, requere de nós uma grande confiança e docilidade para aceitar com sinceridade o que Ele nos pede. O Senhor não falha nunca, porque foi Ele quem nos amou primeiro, até o ponto de entregar o seu Filho por nós, para que n’Ele tivéssemos a vida (Jo 3,16).
Somos nós quem, com frequência, resistimos a seu amor, e por medo, talvez, de perder algo, deixamos nossa conversão para amanhã, e assim vamos, “lançando em saco roto a graça do Senhor” (2 Cor 6,1). É o caso de muitos contemporâneos de Jesus, que pretendiam sinais para provar sua autoridade, porque não acreditavam n’Ele e recusavam converter-se (Cf. Ex 17, 7; Jo 2, 11).
O Evangelho deste dia, nos mostra a dor de Jesus ante aqueles que, por sua incredulidade, exigem sinais de Jesus para provar sua autoridade. A esses, Jesus lhes diz energicamente: “esta geração é uma geração perversa; busca um sinal e não lhe será dado outro sinal que o sinal de Jonas” (11, 29).
- Captar o sinal
A Palavra chave de todo o texto é “sinal”, “sinal”, repetida quatro vezes. O sinal é, realmente, chave na comunicação com Deus e em toda comunicação. Deus concede sinais para ajudar-nos a chegar à fé, porém, uma vez que chegamos à fé, os sinais já não são necessários.
Quando seguimos, pretendendo e buscando sinais, é porque no fundo nos falta a fé. Os sinais são sempre um dom de Deus, o pretendê-los com arrogância –como se os mereçamos- quer dizer que não os consideramos um dom da infinita gratuidade de Deus.
Jesus fala do sinal de Jonas, como o único que Ele se dispõe a dar a esta geração incrédula. E qual foi o sinal de Jonas? Sua pregação sobre um Deus misericordioso e clemente, que se compadece e perdoa.
Este é o sinal que Jesus veio trazer a este mundo, e que, em sua morte gloriosa, chegou a sua expressão mais plena. O importante nos sinais é que saibamos lê-los e acolher a realidade que neles se revela; porém, é justamente isto o que com frequência não logramos ou não queremos fazer.
Jesus pôs em confronto aquela geração, que em lugar de crer, exigia provas, com os ninivitas que se convertem com a pregação de Jonas; e com a Rainha de Sabá que veio dos confins da terra a escutar a sabedoria de Salomão. Eles mesmos no dia do juízo se levantarão contra esta geração e a condenarão.
- De Jonas e Salomão a Jesus: aqui há um maior!
Ao final, Jesus conclui confrontando a pregação de Jonas, e a sabedoria de Salomão, com sua própria Pessoa, quando disse: “Aqui há algo mais que Salomão… aqui há algo mais que Jonas” (11,31.32). Enquanto Salomão tem o dom da sabedoria, Jesus é a sabedoria mesma (7,35) que permanece velada ante aqueles que pretendem sinais.
A sabedoria de Jesus não se revela em sinais de poder, mas na debilidade e necessidade da cruz (1 Cor 1,5). O Pai a esconde aos soberbos e a revela aos pequenos e simples de coração (Lc 10,21-22). Jonas anunciou a conversão e foi mediação da misericórdia de Deus para os ninivitas, quase contra sua própria vontade; Jesus, ao contrário, o fez na obediência livre e amorosa ao Pai (cf. At 10,5-7); e declarado com gozo inefável, que para isto veio ao mundo (5,32;19,10). Jesus é a imagem viva, a personificação da Misericórdia.
Ante a Palavra do Mestre neste dia, podemos perguntar-nos, se descobri os sinais da presença e do amor do Senhor na cotidianidade de minha vida? Estou acolhendo seus constantes chamados à conversão? Que me faz resistir e propor minha conversão para amanhã?
“Este é o tempo favorável, este é o dia da Salvação”, que o Senhor nos concede a graça de deixar-nos tocar o coração, e de fazer o que está de nossa parte para deixar-nos transformar por Ele.
Cultivemos a semente da Palavra no coração:
- A que sinais se refere Jesus quando fala de Jonas e de Salomão?
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- Existiu algum momento ou etapa de minha vida que foi para mim um sinal com o qual o Senhor quis dizer algo?
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Que ficou em minha vida de tudo isto?
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- De qual atitude concreta em minha vida devia fazer-me convertido? Por que não tenho feito? Que passos seguirei para consegui-lo?
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“Convertei-vos a Mim, disse Ele, de todo coração… Cristo fala aqui de uma conversão espiritual, que não se faz em um dia. Ai daquela pessoa que passa todo seu tempo no que é exterior; ele crê que tudo vai bem, porque não sente o verme escondido que corrói interiormente! Põe atenção ao que temes, ao que te regozija, e ao que te contrista, e tu encontrarás, talvez, que sob a aparência do convertido, conservas um coração perverso. Penso que é preciso entender estas palavras: convertei-vos, contudo vosso coração” (São Bernardo, “Sermão de quaresma”).
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QUINTA-FEIRA
Mateus 7,7-12
Nossa conversão: VIVER COMO FILHOS DE DEUS E COMO IRMÃOS
“Todo o que pede, recebe”
Durante este primeiro tempo de quaresma a Palavra de Deus nos tem centrado no essencial de nossa vida cristã: O amor a Deus e aos irmãos, expressado na oração, no perdão e na misericórdia, síntese de todos os mandamentos e na vontade explicita de Deus.
Neste Evangelho, Jesus volta a insistir-nos com outros matizes, sobre as atitudes fundamentais de nosso discipulado: A filiação expressada na oração, e a fraternidade expressada no respeito à misericórdia.
- Os imperativos da oração
Nosso texto começa com três imperativos: “Peçam, busquem, chamem…” (Mt 7,7). A petição é um aspecto essencial da oração, que já Jesus nos havia ensinado na oração do “Pai Nosso”.
O importante é ter bem claro, que devemos pedir, e também isto Jesus Cristo nos ensinou de muitos modos: “Busquem primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e tudo vos será dado por acréscimo” (6,34).
Buscar acima de tudo, sempre, e em todo momento, seu Reino, sua glória e a paz dos homens, como cantaram os anjos na gruta de Belém, e o Pai nos dará tudo o que necessitamos para viver felizes como filhos de Deus e como irmãos.
O marco no qual está integrado nosso texto de hoje: “Não julguem e não serão julgados” (7,1-5). A chamada “Regra de ouro” (7,12), nos estar indicando, claramente, o que o Pai quer que peçamos: o amor fraterno, este é o dom que o Pai quer dar-nos em abundância.
Lucas em seu evangelho identifica o dom maior com o Espírito Santo, “quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o peçam” (Lc 7, 11). O Espírito Santo é o amor de Cristo derramado em nossos corações, que desde o íntimo de nosso ser, nos faz gritar “Abbá”, e grava em nossos corações os sentimentos de Jesus pelo o Pai e pelos irmãos.
Os imperativos que Jesus repete em diferentes formas, e que constituem o corpo do texto, nos estão dizendo também que Deus dá na medida de nosso desejo, nossa abertura e disposição para acolher. O Pai quer dar-nos seu amor, sua vida, seu Espírito. O único que nos pede como condição, é que o desejemos, o peçamos, o busquemos.
Por trás das palavras, podemos perceber em todo o texto, o desejo de Jesus de fazer-nos vibrar com o coração do Pai em seu amor por cada um de seus filhos, um amor que supera imensamente a paternidade e maternidade humana: “Se, pois, vocês, sendo maus, quer dizer limitados e inclinados ao mau, sabem dar coisas boas a seus filhos, quanto mais seu Pai que está nos céus”, que transcende e supera, imensamente, nossa maneira de amar, “dará coisas boas aos que pedem” (7,11).
Jesus, que compartilha conosco o dom inefável de sua filiação, quer que reconheçamos nela, nossa grandeza e nossa glória (1 Jo 3,1-2). Por este dom maravilhoso, que o Pai nos oferece cada dia, de novo, na entrega eucarística e na palavra de seu Filho amado, podemos viver na confiança plena, seguros de seu amor de Pai Mãe.
Jesus fecha sua exortação com uma instrução que resume a lei e os profetas: “Portanto, tudo quanto queiram que os outros façam por vocês, façam também vocês” (7,12). O amor verdadeiro se antecipa, longe de todo interesse, sai ao encontro, toma a iniciativa, é criativo e gratuito, porque busca somente a felicidade do outro.
Com esta exortação Jesus Cristo nos está convidando a ser como Ele, que não pensou em si mesmo e fez, por nós, tudo aquilo que podíamos esperar e desejar, e muito mais, porque com sua Morte e sua Ressurreição, nos comunicou a vida mesma do Pai e a sua filiação, que nos faz participes de sua glória.
Amar como Jesus nos amou, segue sendo para seus discípulos a norma de vida, o caminho à plenitude. Que o avançar da quaresma seja para todos nós, um crescer em nossa atitude filial e no amor fraterno, identificando-nos cada dia melhor com os sentimentos e atitudes do Filho amado, nosso irmão.
Cultivemos a semente da Palavra no coração.
- Que quer dizer que Jesus compartilha conosco sua filiação?
- O amor verdadeiro se antecipa. Qual foi a última vez que minha solicitude e solidariedade, com os demais, chegaram antes que me pedissem?
- Em que forma eu tenho desejado, pedido e buscado o amor que o Pai me quer dar?
“Se tu não buscas o perdão, é porque não sentes, plenamente,as feridas de tua alma, a lesão de sua consciência”(São Bernardo, “Sermão da quaresma”
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SEXTA-FEIRA
Mateus 5,20-26:
Nossa conversão: reconciliação. “Deixe ali a oferta diante do altar e reconcilie-se primeiro com seu irmão”
A Igreja neste período da Quaresma, ele muitas vezes nos leva de volta ao “Discurso da Montanha”, onde Jesus traça as características dos filhos do Reino, o espírito a nova lei que nos distingue como seus discípulos.
- O contexto
O contexto imediato do texto do evangelho de hoje é a afirmação de Jesus: ” Eu não vim para abolir a lei e os profetas, mas para cumpri-los “ (Mateus 5:17)
Para entrar no reino dos céus, precisamos vencer a justiça dos escribas e fariseus. Em a pessoa de Jesus, o Pai tomou a revelação e a leià plenitude; Ele é a síntese, a recapitulação de tudo (ver Colossenses 1,15-20).
O princípio de justiça que Jesus nos trouxe não está em nossas práticas religiosas, mas na recepção do amor do Pai. Quando damos as boas-vindas a Jesus, começamos a ser justos, a ser quem realmente somos, filhos, que amam nossos irmãos como somos amados pelo Pai (ver João 15,8-12).
- Um salto qualitativo na prática da justiça
” Você ouviu que os antepassados foram informados, mas eu lhes digo “ (5,21). Esse modo de falar com autoridade identifica Jesus como o novo Moisés, o Filho enviado pelo Pai para nos mostrar o caminho que leva à vida. Jesus não nega o que os ancestrais disseram, mas o esclarece e modifica, passando-o de gestos externos ao coração (ver Jeremias 31, 31-34).
Nos versículos 21-26, Jesus coloca o “outro”, que ele chama repetidamente de ” irmão ” , como o valor máximo absoluto que deve ser bem-vindo, valorizado, respeitado, amado incondicionalmente.
Raiva, insulto, desprezo podem ser formas sutis de assassinato; Com essas atitudes que consideram o outro inferior ou inimigo, prejudicamos sua dignidade quando crianças e negamos a ele o amor do Pai que deu seu Filho por ele.
Quando negamos a qualquer pessoa um gesto concreto de fraternidade com atitudes de rejeição ou desprezo, obstruímos nossa própria identidade de filhos, obscurecemos a luz de nossa filiação e magoamos o coração do Pai.
- Nossa hierarquia de valores
Vamos nos concentrar brevemente na frase-chave do nosso texto:
“ Se, então, ao apresentar sua oferta em seu altar, você se lembra que um irmão seu tem algo para censurá-lo, deixe sua oferta ali no altar e vá primeiro se reconciliar com seu irmão. Então reenvie sua oferta ” (5, 23-24).
O amor fraterno, o perdão e a reconciliação entre irmãos são tão importantes para Jesus, que têm precedência sobre qualquer culto religioso. Os profetas já a haviam proclamado com veemência e Jesus o ratifica precedendo o perdão e a reconciliação a todos os atos de adoração, precisamente porque é adoração a Deus, glorificação do Pai.
Um discípulo de Jesus antes de se dirigir ao Pai não apenas perdoa aqueles que o ofenderam, mas, mais ainda, ele se reconciliará com o irmão que tem algo contra ele, não importa que ele não tenha nada contra ele. Com essa exortação, Jesus continua a nos convidar repetidamente a ter seus mesmos sentimentos, para que possamos criar o irmão e ajudá-lo a viver mais plenamente.
Para celebrar o amor e paternidade De Deus, precisamos nutrir sentimentos de comunhão, recriando continuamente nossos laços fraternos.
A nova proposta de Jesus toca a profundidade do nosso coração, mantém-nos em uma dinâmica de conversão contínua, na qual estamos sendo configurados um pouco mais a cada dia com Ele, o Filho amado que nos amou até dar a vida.
Vamos cultivar a semente de palavra no coração.
- O que a expressão significa: ‘Deixe a oferta diante do altar para se reconciliar com o irmão?
- Como capturar na minha vida o amor com o qual Deus me ama?
- ‘Raiva, insulto, desprezo são formas de assassinato’ A que tipo de revisão de vida essa expressão me leva?
Orar em comunidade
“Leitor: Impeça, pai, de fazer nosso jejum conhecido pelos homens.
Todos: Mas somente você, presente em segredo (Mateus 6,16)
Leitor: Pai, impedimos de fazer nossas obras pela boa aparência para agradar aos homens
Todos: Mas para você que vê o fundo do coração (Colossenses 3.22)
Leitor: Mantenha-nos, Pai, para colocar nossa própria vontade no início de nossa penitência.
Todos: Mas a abertura para o seu amor infinito que nos chama à conversão (Romanos 2,4) ”
SÁBADO
Mateus 5,43-48
ESCOLA DE VALORES (V): UMA VIDA DE FILHOS QUE REFLETE O AMOR PERFEITO DO PAI
“Vós, pois, sede perfeitos como é perfeito vosso Pai”
A Justiça do Reino, a que gera vida e fraternidade, é que dá pleno sentido à Lei e os Profetas. Mas Jesus não veio dar-lhe “cumprimento” exigindo uma observância mais rigorosa da Lei.
De fato, a Lei não faz, senão indicar aquilo que o Pai quer que façamos, mas não tem força para fazer-nos realizá-la.
A última lição que Jesus dá, nesta escola de valores que ensina a conviver no estilo do Reino de Deus, é precisamente isto: o que dá plenitude à Lei é a identificação com os comportamentos e atitudes do Pai celestial: uma vida de Filhos de Deus: “sede perfeitos como é perfeito vosso Pai celestial” (5,48).
Aqui já não se fala de um valor específico e, sim, da fonte de todos os valores: a perfeição do Pai. Mesmo que Deus Pai seja perfeito em tudo que possamos imaginar, aqui se está aludindo ao que mais o caracteriza com relação a nós: o amor (ver Lc 6,39, como aparece claramente o termo “misericórdia”).
As bemaventuranças levam a viver segundo o Coração do Pai. As boas obras, que refletem a luz da vida nova dos discípulos, são aquelas que fazem notar uma vida de “filhos”, filhos que levam em si a marca da personalidade do Pai: “para que vendo… glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (5,16).
Os bons filhos honram seu nome. Portanto, o critério último de ação não é a “Lei” escrita e, sim, a maneira de ser do Pai, que se refletiu, nitidamente, na prática de misericórdia de Jesus de Nazaré.
- A situação
Tenho um inimigo. A princípio, ou seja, no tempo de Jesus, quando se cita o antigo mandato de “odiar ao inimigo” e, também, de limitar as relações com o próximo, pensa-se no irmão israelita. Agora, anos após, já no tempo das comunidades, provavelmente se está pensando nos inimigos da comunidade.
Recordemos que, ao final das Bem aventuranças, se ressalta que as comunidades estavam sendo perseguidas (5,10-12).
É dentro deste horizonte que se descreve a última lição, onde o “ódio ao inimigo” (5,43) pode ser válido para quem conhece a “Lei” (Lv 19,18), mas, não mais para quem fez a experiência de Jesus ressuscitado. Não mais para quem já vive na esfera do Reino.
- O Coração do Pai como modelo que inspira a vida do discípulo
O homem velho costuma pensar assim: “de um lado, os meus amigos e, do outro, os meus inimigos. Aos primeiros eu me dirijo, aos outros não”. Deus Pai não é assim: ele “faz brilhar seu sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos”. No coração de Deus, Pai de Jesus, cabe todos.
- Aplicação: um amor sem limites e com capacidade de regenerar
A menção do “sol” e da “chuva” é uma referência às bênçãos que Deus providencia aos seus: com elas Deus mantém e faz prosperar o que criou. Que Deus ilumine e conceda prosperidade a uma pessoa “má” ou “injusta”, indica que – assim como acontece com o sol e a chuva – o amor do Pai não se limita aos que o amam, mas o oferece, gratuitamente, e sem distinções, mesmo a quem não o merece.
Assim age o discípulo de Jesus com quem o persegue e o causa dano, a ele e à comunidade. Por isso Jesus muda a frase “odiar o inimigo” por “amar o inimigo”. A maneira concreta de amá-lo é incluí-lo em sua própria vivência do Deus Pai, no Reino: “rogai pelos que vos perseguem” (5,44b). Então o Deus do Reino o transformará com suas bênçãos.
Realiza-se, assim, o segundo passo na maneira de enfrentar uma inimizade: transformar o inimigo com o poder regenerador do Reino. A atitude fundamental de um discípulo de Jesus é o amor, que só deseja o bem, faz o bem, e, assim, torna o outro bom.
Como afirma São Paulo: “Não te deixes vencer pelo mal; antes, vence o mal com o bem” (Rm 12,21). Assim se corta o mal pela raiz. Enfim, uma maneira de ser diferente e fazer a diferença.
Enfim, uma maneira de ser diferente e especial. Uma pessoa que age assim, evidentemente, é diferente de outra que não “conhece” o que é viver sob a graça da filiação divina. Exemplos claros são: o publicano, que vive em seu pecado, e o gentio, que adora outros deuses (ver 5,46-47).
Eles amam (nada mais) aos que os amam e saúdam (não mais que) aos de seu estrito círculo de amizades. Por outra parte, o discípulo é claramente diferente porque, o motivo fundamental que inspira seu agir, é o amor perfeito, primeiro e criador do Pai celestial.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Por que sinto antipatia ou aversão?
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Há alguém que “não me entra” no coração ou que tenho decidido excluir dele?
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- Meu coração é capaz de acolher a todos, como o de meu Pai celestial?
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- Parece que o Senhor me pede demasiado? Isto me desanima?
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Qual fundamento que me leva a pensar que amar é possível, ainda que tudo pareça adverso?
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“Deus de meu coração,que o amor que te levou a morrer por mimme faça também morrer por ti” (São João Eudes, “Chamas de amor”).
Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM