ESTUDO BÍBLICO NA 19ª SEMANA COMUM ANO B 2021

ESTUDO BÍBLICO NA 19ª SEMANA COMUM ANO B 2021

Comunidade Católica Paz e Bem.

SEGUNDA-FEIRA

Mateus 17,22-27

Os filhos são livres

“Pega-o e entrega-o, por mim e por ti”

O texto de hoje começa com o segundo anúncio que Jesus faz de sua paixão, morte e ressurreição. Frente ao anúncio, os discípulos “se entristeceram muito” (17,23b). Desta forma, o Evangelho coloca em primeiro plano a divergência entre o caminho do Filho do Homem que vem propor Jesus e a atitude negativa dos discípulos. Aos discípulos é difícil “conectar-se” com o caminho de Jesus.

Com este pano de fundo Mateus nos apresenta uma cena esplêndida na qual se destaca a liberdade de Jesus e se faz um bonito gesto de comunhão entre o Mestre e o discípulo.

Uma catequese sobre a liberdade de Jesus

O contexto é a cobrança do imposto que todos os israelitas maiores de 20 anos pagam, anualmente, para a manutenção do templo (para entender melhor ver Ex 30,1-10 e Ne 10,33-34). Estamos diante de uma pergunta, à qual Pedro responde, apressadamente, que seu mestre paga o imposto (v.25). Quando chega em casa Jesus se antecipa e começa a falar-lhe do tema.

Tem alguma importância que Jesus pague, ou não, os impostos mencionados? O fato de Jesus pagar o imposto do templo levaria a supor sua aceitação da instituição cultual vigente e suscitaria a questão sobre onde está a novidade do Reino.

No diálogo com Pedro, Jesus aborda:

  • A pergunta que Jesus faz a Pedro (“os reis da terra, de quem cobram tributos ou impostos, de seus filhos ou dos estranhos?”;17,25), está baseada no comportamento habitual e conhecido dos reis da terra, que eram ímpios com seus súbitos, e os confronta com o comportamento de Deus, que é amoroso e generoso com seus filhos.

Este é um primeiro ponto que deve ficar claro: em Deus não há submetimento, mas relação amorosa.

  • Quando Pedro responde, Jesus mesmo diz: “Portanto, livres estão os filhos” (17,26).  Aparece o tema da liberdade. A liberdade constitui o vértice da pregação de todo o Novo Testamento (Gl 5,1: “Para sermos livres, Cristo nos libertou”).

Segundo essa passagem, a relação com Deus é como um viver em casa com Ele, ou seja, em uma ampla margem de liberdade (por exemplo: não paga aluguel na própria casa). Daí que Jesus não se considere obrigado a pagar o imposto.

  • Aqui vemos aparecer uma visão com relação ao Templo de Israel. A comunidade cristã tem uma nova relação com Deus que se estabelece, não por meio do Templo, mas da pessoa de Jesus.

Um belo gesto de comunhão entre o Mestre e o discípulo

No milagre do peixe, dentro do qual foi encontrada exatamente a quantidade referente à taxa do imposto devido por duas pessoas, se manifesta a preciosa comunhão que o Mestre está tecendo com seu discípulo: “paga-o por ti e por mim” (17,27b).

Esta moeda aparece como sinal do profundo afeto que os une, da unidade para a qual aponta sua relação. Por outro lado ao decidir fazer o pagamento do imposto Jesus argumenta: “para que não sirvamos de escândalo” (17,27a).

Jesus é livre e, como vimos, a liberdade do discípulo se apoia em sua relação com Jesus.  Porém, não é uma liberdade sem limites.

A frase sobre o escândalo poderia também ler-se positivamente: se bem que, por dentro, é completamente livre, por fora ele se permite assumir compromissos, isto é, sem perder seu espírito crítico com a sociedade, nem domesticar suas opiniões; é assim que um discípulo não deve deixar de comprometer-se com o que contribui para o bem comum.

A fé tem uma dimensão social que poderíamos chamar política, no bom sentido do termo: promover o bem comum, construir a sociedade.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Tenho consciência de que sou “filho de um Rei” e, portanto sou livre? Como se manifesta a minha liberdade em Cristo Jesus?
  2. Que relação há entre o anúncio da Paixão e o relato do pagamento do imposto?

Por que é importante a comunhão com Jesus em todos os aspectos?

  • Que formas de compromisso eu sou chamado a assumir com a minha comunidade/sociedade, sem perder a liberdade de coração?

TERÇA-FEIRA

João 12,24-26 (Dia de São Lourenço)

São Lourenço, o santo espanhol, também conhecido como Lourenço de Huesta ou Valência. Nasceu em 225 e morreu martirizado em 258, no dia 10 de agosto, em Roma. Está entre os diáconos do início da Igreja de Roma. Eles eram considerados os guardiões dos bens da Igreja e dispensadores de ajuda aos pobres. O nome Lourenço é o mesmo que Laureamtenens, que significa Coroa feita de Louro, como os vencedores recebiam após suas vitórias. Lourenço obteve a vitória em sua paixão. São Lourenço foi ajudante do Papa Sisto II e responsável por um centro dedicado aos pobres.

Diácono São Lourenço

No livro dos Atos dos Apóstolos, no capítulo 6, vemos a preocupação dos mesmos quanto ao crescimento do número dos discípulos. Eles convocaram uma reunião e expuseram suas angústias, dizendo: Não é razoável que abandonemos a palavra de Deus para administrar (Servir as mesas), pois muitos dos discípulos gregos queixavam-se que suas viúvas estavam sendo esquecidas e negligenciadas pelos hebreus.

Foram escolhidos entre os irmãos, homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, para administrar o cuidado com os pobres, órfãos e viúvas, ou seja, o tesouro precioso do Senhor. Estes homens foram chamados de Diáconos. São Lourenço era um deles.

Martírio: testemunho de fé

Em 257, os cristãos começaram a ser perseguidos e mortos por ordem do imperador Valeriano I. Em 258, o Papa Sisto II foi decapitado. Conta a história que, ao caminhar para o lugar da execução, São Lourenço caminhava junto ao papa e dizia: Aonde vai sem seu diácono, meu pai? Jamais oferecestes o sacrifício da missa, sem que eu vos acolitasse (ajudasse)! O papa, comovido com essas palavras de dedicação filial, respondeu: Não estou te abandonando, meu filho! Deus reservou-te provação maior e vitória mais brilhante, pois és jovem e forte. Velhice e fraqueza faz com que tenham pena de mim. Em três dias você me seguirá.

Depois da morte do Papa, o imperador exigiu que a Igreja lhe entregasse todos os seus bens, dentro de 3 dias. Vencido o prazo, São Lourenço apresentou os pobres que eram acudidos pela Igreja e disse ao imperador: Estes são os bens da Igreja. Valeriano, então, com muita raiva, ordenou que Lourenço fosse queimado vivo. O santo manteve a alegria no momento da execução, mostrando sua profunda fé na vida eterna, no encontro com Jesus Cristo. Por isso, no momento mais angustiante de sua vida – aos olhos do mundo – Lourenço, feliz, dizia aos soldados: agora podem me virar, este lado já está assado. Uma multidão acompanhava o martírio de São Lourenço. E, no meio do povo, grande foi o número dos que se converteram a jesus cristo ao verem o testemunho do jovem São Lourenço.

São Prudentius, contemporâneo de Lourenço, confirmou este fato quando escreveu que o exemplo de São Lourenço levou vários romanos à conversão. Ele foi sepultado no cemitério de Siriaca, em Agro Verão, na Via Tiburtina, em Roma, onde mais tarde foi erigida uma basílica em sua honra. A basílica, por graça de Deus, que honra seus santos, foi construída por um outro imperador romano: Constantino.

Devoção a São Lourenço

Por causa de seu martírio e maravilhoso testemunho de fé, São Lourenço é mencionado na Oração Eucarística número um e na ladainha de todos os santos. São Lourenço é o padroeiro da cidade de Huesca, na Espanha. Ele é também o padroeiro dos diáconos.

Representação de São Lourenço

Na arte litúrgica da Igreja São Lourenço é representado como um diácono em uma grelha, com a Bíblia na mão. Sua paixão foi escrita um século após sua morte, mas desde o início a história de seu testemunho foi sendo passada oralmente nas igrejas e nas famílias cristãs. A igreja que o imperador Constantino construiu em sua homenagem, fica onde está hoje a igreja de São Lourenço Extramuros. É a quinta Basílica Patriarcal romana. A festa de São Lourenço é celebrada em 10 de agosto.

QUARTA-FEIRA (Santa Clara)

Mateus 18,15-20

A COMUNIDADE COMO “BOA PASTORA” DE TODOS SEUS MEMBROS.

“Se te escuta, terás ganhado teu irmão”

Continuamos com nossa leitura do Evangelho segundo Mateus. Já estamos no quarto grande discurso de Jesus, que poderia titular-se: “Instrução sobre a vida em comunidade”.

Ao fazer a “Lectio” destes textos, recordemos que o que mais interessa a Jesus em suas instruções – segundo o evangelista – é incutir princípios de vida, dos quais se desprende logo toda uma série de atitudes e comportamentos.

No texto de hoje, Mateus 18,15-20, Jesus nos disse como enfrentar situações difíceis na vida comunitária, particularmente quando se sabe que um irmão “chega a pecar” levando uma vida fora dos critérios de vida de um discípulo de Jesus.

1. O pressuposto: a comunidade se sente responsável por cada um dos irmãos (18,12-14)

Tal como vemos na passagem anterior, em 18,12-14, a comunidade é a “boa pastora” de cada um de seus membros. Em Mateus há uma pequena diferença do Evangelho de Lucas neste ponto. Em Lucas o bom pastor é Jesus que busca pressurosamente a sua ovelha perdida (Lc 15,4-7).

Mateus, por sua vez, dá um enfoque comunitário à parábola: toda a comunidade é responsável por cada um de seus irmãos. A ovelha perdida é denominada “pequeno”: “Não é vontade de vosso Pai celestial que se perca um só destes pequenos”(18,14).

Os “pequenos” são os frágeis, inclusive moralmente,na comunidade, que necessitam maior atenção e acompanhamento em seus processos de maduração.  Para Mateus, todos são responsáveis de todos e cada um como rosto de Pai celestial, responsável e amoroso com todos seus filhos.

2. Como se faz a recuperação do irmão que cai em pecado (18,15-17)

Depois de anunciar o princípio geral passa: Que fazer quando sabemos que um irmão está em uma vida de pecado?  No texto o primeiro que se recorda é que ele é um “irmão” e como tal há de seguir tratando-o como tal, por isso a repetição da frase “teu irmão” (18,15ª).

Logo se descreve o caminho recomendado para que um pastor traga de novo a ovelha a sua casa. Não percamos de vista que o que se busca, ante tudo, é sua salvação: “Se te escuta, terás ganhado a teu irmão” (18,15b). Porém a experiência mostra que existe casos difíceis que resistem à conversão, se trata daqueles que se fazem de surdos (notar a repetição do termo “escutar” ao longo do texto).

Propõe-se então o caminho da paciência e da firmeza comunitária:

  • Interpelar: se chama a atenção a sós, do qual se espera sempre o melhor dos resultados;
  • Objetivar: se a pessoa continua endurecida em seu comportamento, então se convida umas testemunhas para que fique claro de que não é má intenção contra a pessoa (uma visão subjetiva de quem quer ajudar), mas de algo objetivo;
  • Chamar a atenção formalmente: agora o assunto chega ao máximo nível de correção que é a comunidade inteira (talvez representada em seus líderes).

Agora, se todo o processo fracassa não resta mais remédio que dar-lhe o trato próprio de uma pessoa que ainda não tem se convertido – como os gentios e publicanos-, isto é: mandá-lo fazer todo o caminho cristão desde o princípio.

3. A prudência nas decisões da comunidade com relação às pessoas (18,18)

O v.18 deixa entender que com uma pessoa que intencionalmente persiste em sua situação de pecado se pode chegar à mais dolorosa e drástica das decisões: a excomunhão, quer dizer, deixará de ser considerado “irmão” na comunidade.

Porém, vemos que agora Jesus põe sua atenção nas pessoas encarregadas de tomar esta decisão:

  • Segundo esta passagem trata-se da comunidade inteira que tem a autoridade de “atar e desatar”;
  • Recorda-lhes que qualquer decisão que tomem é séria (o que façam na terra ficará feito no céu);

dai que não se devam tomar decisões precipitadas, mas sempre com cautela.

4. A comunhão na oração como expressão da solidariedade em tudo na vida (18,19-20)

É a presença de Cristo em meio de sua Igreja que lhe dá valor e peso a suas decisões. Isto é o que agora se aprofunda: quando a comunidade está bem unida e compacta em uma mesma fé, acontece nela o que o Antigo Testamento chama a “Shekináh”, quer dizer, ela é espaço habitado pela glória do Senhor, que em nosso caso é o Senhor Ressuscitado.

A unidade da comunidade expressa a comunhão perfeita com Jesus vivente no meio dela. Chama a atenção que em uma comunidade assim, é tal a solidariedade entre os irmãos, que todos são capazes de pedir o mesmo (“põem-se de acordo para pedir algo”, 18,19), renunciando a seus interesses pessoais, os quais normalmente aflorariam à hora de fazer petições.

Em uma comunidade que chega a este nível profundo de solidariedade, tendo um mesmo “sentir” profundo, pode ressoar com força as palavras de Jesus: “ali estou no meio deles” (18,20). Esta sim que é uma verdadeira comunidade!

Aprofundemos com os nossos pais na fé

São Cipriano (c.200-258), bispo de Cartago e mártir 

«Eu estou lá no meio deles».

O Senhor disse: «Se dois de entre vós na terra unirem as suas vozes para pedir o que quer que seja, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus.

Quando dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou lá no meio deles».

Mostra assim que não é o grande número dos que rezam, mas a sua unanimidade, que obtém mais graças.

«Se dois de entre vós na terra unirem as suas vozes»: Cristo põe em primeiro lugar a unidade das almas, põe antes de tudo a concórdia e a paz.

Que haja plena concordância entre nós, eis o que Ele constante e firmemente ensinou.

Ora, como pode pôr-se em concordância com outro quem não está em concordância com o corpo da Igreja e com o conjunto dos irmãos?…

O Senhor fala da Sua Igreja, fala àqueles que estão na Igreja: se estiverem de acordo entre si, se orarem em conformidade com as Suas recomendações e os Seus conselhos, quer dizer, mesmo se só dois ou três rezarem numa só alma, mesmo sendo apenas dois três, podem obter aquilo que pedem à majestade de Deus.

«Onde quer que dois ou três estejam reunidos em meu nome, eu estou com eles»: quer dizer, ele está com os pacíficos e os simples, com os que temem a Deus e observam o seus mandamentos.

Ele diz que está com dois ou três, apenas, como esteve com os três jovens na fornalha; porque permaneceram simples em relação a Deus e unidos entre si, reconfortou-os com um sopro de orvalho no meio das chamas (Dn 3,50).

O mesmo aconteceu com os dois apóstolos fechados no cativeiro; porque eles eram simples, porque eram unidos de coração, Ele acudiu-lhes, quebrou as portas do seu cárcere (At 25,25)…

Quando, portanto, Cristo inscreve, entre os seus preceitos, esta palavra: «Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles», não separa pessoas da Igreja que Ele próprio instituiu.

Mas reprova aos dissidentes a sua discórdia e recomenda a paz aos seus fiéis. 

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Sou consciente das graves consequências de um mau manejo da disciplina em uma comunidade?
  2. Que comportamentos de domínio ou prepotência de minha parte tem fragmentado a unidade de minha família e de minha comunidade?
  3. Que passos e recursos pedagógicos deve assumir a comunidade para que haja nela a vida do Ressuscitado?

QUINTA-FEIRA

Mateus 18,21-19,1

UMA ESCOLA DE PAIS SOBRE O PERDÃO.

Perdoar de coração a seu irmão”

Façamos hoje uma Escola de Pais, releitura desde a perspectiva familiar, a partir do Evangelho do dia. Para ilustrar o ensinamento sobre o perdão “setenta vezes sete” ao irmão que nos ofende, Jesus contou a parábola do servo que não teve compaixão do seu companheiro.

Esta parábola fala da relação patrão-empregado e também companheiros de trabalho. Hoje poderíamos ler mudando os personagens pelo esposo e a esposa.

Recriemos o momento central da parábola

Uma pessoa disse a outra: “Paga o que deves!” (18,28ª). Um denário corresponde à paga de um dia de trabalho. Por isso pode acontecer que ter que pagar cem denários pareça uma cifra bastante alta, ao menos para quem recebe um salário mínimo: se trata de cem dias de trabalho!

Agora, aquele que está esperando que lhe paguem esse dinheiro, porque está necessitado, só pode irritar-se se o devedor se nega a dar-lhe de volta o que generosamente foi dado em empréstimo.

Como acontece com o servo da parábola, quando se nota que o outro está se fazendo de louco, dá vontade de estrangulá-lo. Há hora que a paciência se acaba, parece que já não vale a pena seguir esperando e então pomos nos lábios as palavras da parábola: “É hora de que me pagues o que me deves”.

Um caso familiar

Uma senhora dizia bastante irritada com seu marido: “Já são vinte anos que estou esperando que mudes!”. Logo, com profunda dor, lhe acrescenta: “Pelo que vejo não te interessas verdadeiramente por mim, não tens iniciativas, nunca tens tempo para os de tua própria casa, é mais importante teu trabalho, teus amigos ou quem sabe que mais terás pela rua”.

Pode acontecer que uma esposa que já chegou a este extremo, se sinta tão ferida com o marido que tempo atrás amava com tanta intensidade comece a sair do coração. O amor começa a mudar em raiva e em ressentimento. É possível que o coração desta esposa, de repente, vá se tornando duro e pense inclusive em por fim a esta situação – triste situação!- com a ruptura de seu matrimonio. Precisamente isto faz um dos servos da parábola quando toma a decisão de mandar ao cárcere seu velho amigo que lhe devia cem denários.

Aqueles cem denários se tornaram uma dívida insolvente. Como no caso daquele casal, chega o momento da ofuscação em que não se ver caminhos de solução ao problema, então tomam atitudes arrogantes e passa ao plano jurídico, deixando de lado a misericórdia. Como quem disse: “Tu me deves, me pagas e pronto!”.

E pode acontecer que se nesse momento o outro tenta recapacitar-se, dá as costas, seja porque o que quer fazer, todavia é muito pouco ou porque chegou demasiado tarde (“para que, se quando necessitei não apareceste”) ou simplesmente porque já perdeu toda credibilidade.

Porém um cônjuge sem misericórdia, que não é capaz de inclinar-se ante a debilidade de seu par, tão pouco será capaz de captar –vendo além da ferida do próprio ressentimento- as boas intenções de seu par, mas que se instalará no ponto de que “tem direito”.

Por que perdoar?

No caso dos servos da parábola valeria a pena perguntar-se: Por que aquele servo afetado teria que sentir por dentro uma grande compaixão por seu companheiro?  A razão é: porque Ele é consciente de que foi perdoado pelo único Senhor (18,27). Nenhum de nós é perfeito, todos temos nossas debilidades, e com relação a nosso lado fraco, muito provavelmente mais de uma vez outros tiveram misericórdia conosco.

Segundo a parábola, aquele servo que exigiu seus direitos ao outro servo, havia recebido da mão de seu patrão o perdão de uma dívida, que era quase um milhão de vezes mais alta (dez mil talentos) em relação, àquela que seu companheiro lhe devia. Enquanto um devia cem denários, o cobrador por sua parte devia dez mil talentos. Cem denários contra dez mil talentos é uma desproporção enorme.

Não é necessário que o cônjuge que já esgotou a paciência com seu par tenha cometido algum delito monstruoso, pode ser inclusive que nunca tenha sido infiel a seu par, porém esta pessoa sabe muito bem quantas ingratidões, quantas más contestações e imprudências, quantos pecados pequenos ou grandes também ela cometeu.

Esta pessoa sabe que cada vez foi perdoada. Ou melhor, alguma vez pôde dizer no Templo: “Meu Senhor me acolhe, me assume como sou, não me lance nada na cara, me abraça com sua ternura”, e assim chorou por seus pecados e viveu a grata emoção de sentir o perdão. Haverá que por em prática a oração: “Perdoai-nos nossas dívidas como também nós perdoamos nossos devedores” (6,12).

Na parábola que estamos lendo hoje, este ensinamento é muito mais incisivo. O Senhor disse: “Não devias tu também ter misericórdia com teu companheiro do mesmo modo que eu tive misericórdia contigo?” (18,33). Pois esta mesma frase se pode pronunciar no matrimonio: “Não devias tu também ter misericórdia com teu par?”.

Enfim… Perdoar é o mais específico do matrimonio como também de toda relação. Pode-se pedir a graça de perdoar porque o nosso misericordioso Deus já nos pôs no coração esta capacidade desmedida quando perdoou nossos pecados. Este é o verdadeiro “perdão de coração” de que fala a parábola na última linha.

Aprofundemos com os nossos pais na fé

São João Crisóstomo (c.345-407), bispo de Antioquia e Constantinopla, doutor da Igreja 

«Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido»

Cristo pede-nos, pois, duas coisas: que condenemos os nossos pecados, que perdoemos os dos outros; que façamos a primeira coisa por causa da segunda, a qual nos será então mais fácil, pois aquele que pensa nos seus próprios pecados será menos severo para com seu companheiro de miséria.

E devemos perdoar não por palavras apenas, mas «do fundo do coração», para que contra nós não se vire o ferro com que pensamos bater nos outros.

Que mal te pode fazer o teu inimigo, que seja comparável àquele que a ti próprio fazes? […]

Se te deixas chegar à indignação e à cólera, serás ferido não pela injúria que ele fez contra ti, mas por esse teu ressentimento.

Portanto não digas: «Ele ultrajou-me, caluniou-me, fez-me coisas miseráveis.»

Quanto mais disseres que te fez mal, mais mostras, afinal, que te fez bem, pois deu-te ocasião para te purificares dos pecados.

Assim, quanto mais ele te ofender, mais te põe em estado de obteres de Deus o perdão para as tuas faltas.

Porque, se nós quisermos, ninguém nos poderá prejudicar;  e até os nossos inimigos nos prestarão assim um grande serviço […]

Considera portanto a vantagem que retiras das injúrias, se as sofreres com humildade e mansidão.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Passei ou estou passando situação difícil com um membro de minha família ou comunidade? Como poderia relê-la a partir da parábola de hoje?

2) Aconteceram experiências similares em minha vida comunitária?

3) Por que devo perdoar? De onde vem a “graça” para fazer?

SEXTA-FEIRA

Mateus 19,3-12

A VIRGINDADE CONSAGRADA.

“Nem todos entendem esta linguagem…”

Já dizemos e mostramos que o Reino dos céus é o descobrimento da outra cara da realidade. É neste marco que Jesus fala de exigências que a primeira vista parecem impossíveis de viver.

Existe uma virgindade consagrada que é escolhida voluntariamente –e não porque se impôs à natureza- como expressão do definitivo do Reino dos Céus. Esta virgindade é o exercício concreto da fidelidade no amor a Deus, fonte e plenitude de toda relação autêntica.

Esta relação com Deus, escolhida como prioridade, tem o valor de um anúncio profético do definitivo (Is 56,4-5) porque, em última instância, a vocação de todo ser humano é a comunhão eterna com Deus Para entender melhor isto entremos no texto bíblico. Os discípulos ficaram desconcertados ante a exigência de Jesus de que não se rompam os vínculos nas relações (v.10).

Porém Jesus não entra no julgo da reflexão que fazem os discípulos. Mas o fato de que surgiu a ideia de que ante a exigência de indissolubilidade do matrimonio o melhor seria não casar, lhe dá a ocasião para falar do celibato.

Jesus menciona casos que alguns homens não estão capacitados para o matrimonio (os eunucos) já que lhes falta à possibilidade de procriar, seja porque nasceram assim ou porque outros os castraram (isto acontecia na antiguidade). Também fala de pessoas que vivem como eunucos sem ser.

Com a imagem daqueles que escolheram por vontade própria tendo em vista o Reino dos Céus, Jesus nos remite ao caso de personagens concretos que optaram pelo celibato, como João Batista. Vale recordar que Jesus mesmo fez esta opção.

Em seu ensinamento exposto neste mesmo Evangelho, Jesus pede a todo o mundo que seus esforços e aspirações estejam sempre e prioritariamente orientados para o Reino e para o agir justo, querido por Ele (6,33). Todo o mais fica em um segundo plano e se insere neste marco. Porém, dá-se o caso no qual orientar toda a vida para o Reino pode ser tão forte que inclusive os valores de segunda ordem podem integrar-se também naqueles maiores.

Assim acontece no celibato pelo Reino dos Céus: quem opta por ele não deixa de contrair matrimonio – que é um valor – pelo fato de que tenha medo do compromisso com outra pessoa; precisamente, o que se busca é dar a máxima prioridade à relação de comunhão profunda com Deus que o impulsiona para dar-se completamente e com um amor fiel a todos aqueles a quem Deus, por meio dele, quer servir. Contudo, Jesus deixa claro que este caminho requer uma vocação especial (19,11).

Aprofundemos com os nossos pais na fé

São Pedro Crísólogo (c.406-450), Bispo de Ravena, Doutor da Igreja 

«É grande este mistério» (Ef 5,32)

Ante o Senhor, a mulher é inseparável do homem e vice-versa, diz o apóstolo Paulo (1 Cor 11,11).

Através do Evangelho, o homem e a mulher caminham em conjunto para o Reino.

Cristo chama conjuntamente, sem os separar, homem e mulher, que Deus une e a natureza junta, fazendo-os, por uma admirável conformidade, partilhar os mesmos gestos e mesmas funções.

Pelo laço do matrimónio, Deus faz com que dois seres não sejam senão um, e que um só ser seja dois, de modo que assim descubra um outro de si, sem perder

a sua personalidade, nem se confundir no casal.

Mas, por que nas imagens que nos dá do Seu Reino, Deus faz intervir deste modo o homem e a mulher?

Porque sugere Ele tanta grandeza através de exemplos que podem parecer fracos e despropositados?

Irmãos, um mistério precioso esconde-se debaixo desta pobreza.

Segundo a palavra de São Paulo, «É grande este mistério, pois que é o de Cristo

e Sua Igreja» (Ef 5,32).

Isto evoca o maior projeto da humanidade. O homem e a mulher puseram fim ao processo do mundo, um processo que se arrastava há séculos.

Adão, o primeiro homem, e Eva, a primeira mulher, são conduzidos da árvore

do conhecimento do bem e do mal para o fogo do fermento da Boa Nova.

Esses olhos que a árvore da tentação fechara à verdade, abrindo-os à ilusão

do mal, a luz da Boa Nova abre-os fechando-os. Essas bocas tornadas doentes pelo fruto da árvore envenenada são salvas pelo sabor…

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Que valor e fundamento tem o celibato pelo Reino dos Céus?
  2. Que razões descubro de hoje para viver com maior seriedade a castidade em minhas relações?
  3. Considero que é possível viver hoje um caminho de fidelidade no amor? Que o faz possível?

SÁBADO

Mateus 19,13-15

DESDE A ÓTICA DAS CRIANÇAS

“Dos que são como estes é o Reino dos Céus”

Da vida de casal, ao mundo dos adultos, passamos à visão do Reino desde a ótica das crianças.  Surpreende a simples e profundidade do texto de hoje. Mateus segue mostrando a centralidade do Reino na práxis de Jesus e, portanto na vida de seus discípulos.

Em torno à figura da criança hoje o Evangelho nos apresenta duas atitudes opostas:

  • Os discípulos “lhes impedem” (19,13).
  • Jesus os acolhia: “lhes impõe as mãos” (19,15).

Frente ao comportamento tosco de resistência dos discípulos que – claramente fora da nova ótica do Reino – seguem vendo as crianças como aqueles inquietos que com frequência estão impedindo ou sendo impertinentes (além do mais, a sociedade antiga os via como insignificantes e irrelevantes na vida social). Jesus lhes concede o gesto de benção que suplicam seus pais.

“Para que lhes impusesse as mãos e orasse… Depois de impor-lhes as mãos, se foi dali” (19,13.15). A Jesus se pede que faça, e efetivamente o faz, um gesto de oração que encerra atitudes de receptividade, respeito, aceitação, proteção e comunhão com os pequenos.

Este comportamento do Mestre inaugura o compromisso que caracterizará a sua Igreja com os indefesos, os vulneráveis e todos aqueles que estão vivendo todas as etapas de seu desenvolvimento sob a proteção e apoio dos maiores.

O ensinamento de Jesus se desenrola nas duas frases que estão no coração do texto:

  • “Deixai que as crianças venham a mim, não as impeçais” (19,14ª). Jesus corrige o mau comportamento –discriminatório- de seus discípulos. Ao mesmo tempo lhes pede que se ocupem de aproximar as crianças a Ele. O Mestre veio incluir e superar toda exclusão.
  • “Dos que são como estes é o Reino dos Céus” (19,14b). Jesus lhes dá um bom argumento que explica o porquê de seu novo comportamento: a criança é modelo de quem está se preparado para acolher as bênçãos do Reino dos Céus.

As atitudes próprias da terna idade, em que se necessita todo tipo de ajuda, que não tem méritos dos quais orgulhar-se, que depende do outro, constituem o estado ideal de um discípulo, já que se dispõe da máxima abertura para acolher a novidade do Reino, que faz desenvolver a vida na direção do projeto para que foi criada, de maneira total e como um dom.

Aprofundemos com os nossos pais na fé

Santa Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade

“Um Caminho Simples: Vir até Deus como uma criança”

Comecem o dia e acabem-no com a oração.

Vão até Deus como uma criancinha se volta para sua mãe.

Se palavras não vêm espontaneamente, digam por exemplo:

“Vem, Espírito Santo, guia-me, protege-me, ilumina minhas

ideias para que eu possa rezar.

Ou então, se se dirigem à Virgem Maria, digam: “Maria, Mãe

de Jesus, sê agora uma mãe para mim, ajuda-me a rezar”.

Quando rezem, agradeçam a Deus todos os seus dons:

Porque tudo lhe pertence, tudo é um dom que ele nos faz.

A alma é um dom de Deus.

Se és cristão, podes rezar a Oração do Senhor; se és católico,

além do Pai-Nosso, tuas orações são a Ave-Maria, o terço, o Credo.

Se tua família ou tu mesmo tens devoções particulares, reza segundo tuas próprias tradições.

Se tiverem verdadeiramente confiança no Senhor e no poder da oração, ultrapassarão as dúvidas, os temores e aquela impressão

de solidão que tantos sentem.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Em minha experiência cristã, que traços tenho de uma espiritualidade de pobreza, pequenez e necessidade absoluta de Deus?

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  • Há em mim atitudes de soberba, orgulho, autossuficiência?

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  • Por que as crianças são sujeitos preferenciais da misericórdia de Deus?

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  • Qual é a tarefa de toda família e de toda comunidade cristã?

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Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM

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