23º Domingo do Tempo Comum (Estudo Bíblico ano C)
Lucas 14,25-33
Introdução
O evangelho de hoje nos surpreende com um chamado à responsabilidade e ao radicalismo no discipulado: ser discípulo de Jesus tem um preço e é preciso assumi-lo. No evangelho de hoje aprendemos que para seguir Jesus se requer sair do anonimato e comprometer-se em primeira pessoa.
Nos tempos do ministério terreno de Jesus, muitas pessoas o seguiam como admiradores seus, talvez atraídos por seu projeto. Aqui vemos como Jesus expõe claramente as condições para chamar-se “discípulo” seu:
- o desapego afetivo, total e imediato, para dar a prioridade a Jesus;
- a disponibilidade para a cruz e a renuncia a tudo.
Isto pressupõe um grande realismo e prudência ante o entusiasmo inicial na decisão pelo discipulado. Requer-se, como o ilustram as duas pequenas parábolas que lemos hoje, o realismo do arquiteto que constrói um edificio e a prudencia de um rei que enfrenta uma guerra.
Em outras palavras, é preciso evitar falsas ilusões, posto que não basta a boa vontade para ser cristão, e tem que ser suficientemente sábio, para poder enfrentar os riscos que este compromisso implica. Ser discípulo de Jesus comporta decisões e riscos que determinam a vida inteira de quem faz a opção.
Surpreendente, não é verdade? Pois retrocedamos um pouco neste evangelho de Lucas e vejamos que este ensinamento sobre as decisões e riscos do discipulado não é, de todo, nova. Recordemos, por exemplo como:
- Desde o primeiro dia, quando “deixaram tudo” (5,11) para seguir a Jesus, Simão Pedro e seus companheiros já o sabiam.
- Igualmente, ao começar a subida a Jerusalém, esta foi a primeira mensagem para os novos candidatos ao discipulado (ver 9,57-62);
E o mesmo tema será enfatizado mais adiante. Quando Jesus está a ponto de chegar a Jerusalém, depois da historia do jovem rico, o tema da radicalidade por meio da renúncia reaparece (ver 19,24-30).
- O texto em seu contexto e sua estrutura
O contexto imediato
Para situar melhor nosso evangelho de hoje, é bom que tenhamos presente a passagem imediatamente anterior.
Depois da parábola sobre “os convidados que se desculpam” (14,15-24), onde os interesses pessoais dos convidados (a fazenda, os negócios, o matrimonio) os levam a não fazer caso da participação no banquete, Jesus deixa de observar os fariseus e concentra sua atenção nos que lhe seguem (14,25-27). Assim passa à seguinte lição: que os que respondem, positivamente ao convite não o façam apressadamente.
Efetivamente, pelo entusiasmo de seguir a Jesus, como se dissessem: nós somos os que te dizemos “sim” (ver mais adiante 18,28), corre-se o risco de subestimar o valor do discipulado e embarcar-se em uma empresa, para a qual não se está devidamente preparado. Portanto, se é verdade que tem gente que diz “não” a Jesus, também é verdade que se deve ser prudente para dar o “sim”, ponderando bem aquilo, no qual vai se meter, antes de dar o passo. Só assim o compromisso com Jesus poderá ser total e a entrega, ao seu projeto, absoluta.
O texto:
São Lucas segue apresentando a viagem de Jesus para Jerusalém. Quase que podemos imaginar os caminhos poeirentos e solitários, em meio a um deserto pedregoso, como o de Judá, que sobe para o monte Sião, a desejada meta de qualquer peregrino judeu.
Como recordamos, Jesus acaba de sair da casa de um dos chefes dos fariseus, onde participou de um banquete, durante o qual deu seu ensinamento sobre o banquete do Reino e o convite para participar nele. Quando Jesus retoma o caminho, se dá conta de que muita gente o segue, então dá meia volta, os olha e começam então as palavras de Jesus. Leiamos atentamente a passagem: Lc 14, 25-33
O esquema do texto
A passagem, basicamente se ocupa de dar voz ao ensinamento de Jesus (não há nenhuma outra intervenção), que tem o seguinte esquema:
- uma breve introdução (14,25);
- duas afirmações paralelas sobre o discipulado (14,26-27).
- duas parábolas (ou afirmações parabólicas) com uma aplicação (14,28-30.31-32.33);
- e uma conclusão (14,34-35).
Propõem-se, sucessivamente, as exigências, as atitudes e as conseqüências, que devem adotar quem se dispõe a seguir a Jesus.
Aprofundemos…
- A introdução: com Jesus no caminho (14,25)
O lugar onde Jesus dá a nova lição é o caminho, e o auditório é uma grande multidão que parece candidatar-se ao discipulado: “Caminhava com ele muita gente” (14,25a). O evangelista Lucas nos recorda que estamos em meio da viagem de Jesus a Jerusalém, ali onde se dão as lições fundamentais sobre o discipulado. Insiste-se que não é só a viagem de Jesus: há um “caminhar juntos”.
O acompanhamento das multidões é grande. Esta é uma constante do evangelho (ver, por exemplo: 5,15; 7,11.17). Jesus não anda como um desconhecido. A atração que exerce sobre o povo é grande. Porém, e como já o havia anunciado Lucas desde a introdução do evangelho, há uma seria preocupação pela “estabilidade” destes seguidores (1,4; 8,11-15). Não está mal que se siga Jesus com grande entusiasmo, porém se corre um grande risco quando não se o faz com um sentido da realidade, para a qual o evangelho os está conduzindo.
“E voltando-se lhes disse…” (14,25b). Jesus não se dirige só ao grupo dos doze, dirige-se a todo o que, caminhando com ele, quer chegar a ser verdadeiro discípulo (o termo “discípulo”, na obra lucana, é uma expressão que abarca todos os crentes em Jesus). Estes serão os futuros proclamadores da mensagem da salvação. Não está em jogo somente o presente do discipulado, mas também o futuro da evangelização.
- As exigências do discipulado: duas afirmações paralelas (14,26-27)
Jesus pronuncia, com muita força, duas frases que delineiam as condições para ser seu discípulo: Observando-as atentamente vale destacar que Jesus:
- está no centro e o discípulo define sua identidade com relação a ele. Chama atenção a repetição “mim” “meu”.
- fala com frases condicionais: “se isto, então isto”. Há uma condição a cumprir para ser discípulo.
- deixa à pessoa em liberdade para escolhê-lo.
- entende que a opção por ele implica um desprendimento interior e exterior da pessoa para Ele: “vem a mim”, “venha após mim”.
- repete a frase “não pode ser discípulo meu”, não no sentido de não ser admitido, mas “não ser capaz” de viver o discipulado como deve ser.
Vejamos as duas frases cujas idéias centrais poderiam resumir-se assim: por os outros amores após Jesus.
- Por após Ele os outros amores (14,26)
“Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo” (14,26).
“Se alguém vem a mim”. Temos uma primeira imagem positiva da resposta vocacional. Mas, a quem dá o primeiro passo, na reposta ao chamado de Jesus, se o pede que “ouça” a palavra que dá firmeza a sua opção. Lemos no sermão da montanha: “Todo o que vem a mim e ouve minhas palavras e as põe em prática… é semelhante a um homem que, ao edificar uma casa, cavou profundamente e pôs os alicerces” (6,47).
“Não odeia…”. Assim soa literalmente em grego. Porém sabemos que se o está fazendo eco a um giro idiomático da língua hebraica, onde o termo “odiar” não é o mesmo que repulsa interior do afeto, mas sim prioridade no amor (“amar menos”/ “amar mais… acima de”; ver por exemplo 16,13; Gn 29,31-33).
Seguindo a linguagem do Antigo Testamento, o que se está dizendo é que há que colocar todos os valores deste mundo em um segundo plano, visto que os interesses de Deus estão em jogo.
Dai que se trata de uma renuncia a colocar no centro a uma pessoa diferente de Jesus. Por isso o melhor é traduzir esta dura expressão com o termo “pospor” (porque o “odiar” é contrario ao “antepor”), entendendo que não se trata de um descuido dos legítimos amores da vida, mas de uma subordinação de todos eles ao amor primeiro e fontal de Jesus.
Logo se faz a lista dos “sete amores” do coração de todo ser humano: (1) Pai, (2) Mãe, (3) Esposa (detalhe que nos remete a 14,20), (4) Filhos, (5) Irmãos, (6) Irmãs, (7) A própria vida.
Vemos o que implica a opção por Jesus para o mundo da família. Observemos que a lista termina com o próprio “eu” (ver também Jo 12,25): até esta profunda raiz afeta a opção por Jesus. Todos, absolutamente todos os interesses, ficam em segundo lugar quando se compromete com Jesus.
Desde o mais profundo se reordenam, como na revolução copernicana, os afetos do discípulo; o centro é Jesus: amar a Jesus acima de todas as coisas; isto implicará, visto que se está fazendo um exercício de subordinação, amá-los a todos desde o amor de Jesus. Desde então o seguidor de Jesus compreende que sua vida já não é a mesma de antes. Tal como acontecia aos que consagravam sua vida a Deus no Antigo Testamento para dedicar-se completamente a serviço da Torá. O vemos nesta bela expressão da devoção dos filhos de Levi à Torá, na benção de Moisés: “O que diz de seu pai e de sua mãe: “Nunca os vi. O que não reconhece a seus irmãos e a seus filhos ignora. Pois guardam tua Palavra, e tua aliança observam” (Dt 33,9).
- Antepor Jesus como prioridade desde a qual se refaz todo o tecido relacional do discípulo (14,27)
A lista das renúncias terminou com a “da própria vida”. Esta renúncia não se compreende se não é à luz do mistério da Cruz, por isso a frase seguinte: “O que não carrega sua cruz e não vem apos mim, não pode ser discípulo meu” (14,27).Centrar-se em Jesus, é centrar-se em sua Cruz. Ali onde o amor se purifica e alcança sua mais alta intensidade. Compreendemos agora que a primeira frase de Jesus não estava pedindo a seus seguidores ser impiedosos com os seus, mas precisamente o contrario: amá-los, porém desde o amor aprendido na escola da Cruz; ali onde não há traições, nem fingimentos, nem deficiências no amor.
- “O que não carrega sua cruz…”
Trata-se de “carregar” a própria cruz, quer dizer, o discípulo se coloca no lugar de Jesus. Isto indica uma apropriação, com esforço e compromisso, das diversas realidades da vida tratando de reproduzir (pondo cada passo da vida sobre suas pegadas) as atitudes daquele que nos precedeu na Cruz. Dai a frase: “e venha após mim”. Isto o tem que recordar o discípulo cada vez que vá fazer algo, em cada instante da vida. horizonte da Cruz dá ao discípulo uma nova visão da vida. Recordando que esta frase sobre o tomar a cruz já havia sido dita depois da confissão de fé de Pedro, em 9,23 (onde se acentuou: “cada dia”), vemos agora o que implica o seguimento de Jesus, digamos, de modo perfeito.
A imagem de uma pessoa que carrega o instrumento do suplicio até o patíbulo da crucifixão, representa a atitude de quem está preparado para morrer. Não se exclui a possibilidade do martírio, literalmente uma morte cruenta, arrebatada pela feroz violência de outro, porém, o importante é que o discípulo está disposto, em todo instante, a entregar a vida, com a atitude de auto-negação de quem considera que já não tem mais negócios nesta vida (ver 1 Cor 15,31; Rm 8,36).
- “… E vem após mim”
Acentua-se que a cruz se carrega com o olhar posto em Jesus, se não, não tem sentido. A frase “Vir após mim” nos recorda o modo de falar no Antigo Testamento para referir-se à renuncia aos falsos deuses com o fim de pôr-se confiante, com amor total, nos caminhos de Yahweh (ver Dt 13,4; 1ª Re 14,8). O que chama a atenção é que esta opção por Deus recai sobre a pessoa de Jesus: trata-se de seguir a Jesus com a atitude de despojamento que se acaba de descrever, sabendo que nele estão os caminhos de Yahweh.
Na literatura rabínica é conhecida a expressão “vir após mim…” para descrever o serviço do discípulo ao seu Rabbí, sem dúvida este não é o caso aqui pois a idéia importante não é propriamente a do serviço ao mestre, mas do “arriscar tudo por Jesus”; o serviço é consequência. Então, a Jesus não se pode seguir sem a cruz, sem esse despojamento total que identifica totalmente com o Mestre – agora ressuscitado – pelos caminhos da vida.
Estar incondicionalmente em comunhão com Jesus constitui a essência mesma do ser discípulo. Este desapego e comunhão com os sofrimentos do Mestre exigem que se vá até o limite dos esforços, em um dar-se a fundo, que mais adiante vai se resumir na frase: “renunciar a todos os bens” (14,33). Para sublinhar a importância desta forma radical de adesão, agora Jesus, nas duas pequenas parábolas seguintes, nos faz uma severa advertência para que evitemos qualquer promessa superficial. Este caminho não se pode tomar sem “discernimento”.
- As atitudes necessárias: duas parábolas para não tomar as coisas às pressas mas aprender a discernir com realismo e sabedoria (14,28-32)
Jesus anuncia duas parábolas que não encontramos senão neste evangelho. Ambas apontam à mesma idéia: a necessidade de uma correta avaliação da situação antes de iniciar uma aventura.
As duas histórias terminam levando à mesma moral: uma pessoa que não conta com suficientes recursos não deveria embarcar-se em uma empresa que de antemão sabe que vai fracassar e que porá seu nome em ridículo frente a seus conhecidos.
Jesus ensina que um compromisso pela metade é pior que uma rejeição total. Mas isto não disse para desanimar, mas pelo contrario, para dar coragem. De fato o discípulo tem com que inverter, o problema é se está disposto a pagar o preço. Se não se quer ser “discípulo pela metade”, mas coroar o caminho com Jesus, graças à “perseverança (nas) provas” (22,28), então há que parar um pouco e refletir sobre as implicações da decisão inicial por Jesus, como faz o construtor antes de começar o edifício ou o rei antes de empreender a guerra.
Vejamos a dinâmica das duas parábolas (ou mais exatamente ditos parabólicos), sabendo de ante mão que são somente situações hipotéticas (“Quem de vós…?”; 14,28a).
- A parábola do construtor (14,28-30)
Em torno ao exemplo de uma pessoa que se dispõe a iniciar uma construção, Jesus mostra quatro momentos: traça-se um desafio; diz-se qual é a atitude lógica que tem que tomar; coloca-se um “porém”; e anuncia-se a consequência de uma má decisão.
- O desafio
“Porque, quem de vós, que quer edificar uma torre…” (14,28b). Provavelmente se refira à edificação de uma casa de campo em uma fazenda, a qual suponha medidas (e inversões) consideráveis (ver 12,18; e 13,4), já que é o tipo de construção não pública cujos fundamentos poderia custar ao proprietário todos seus recursos.
- A atitude lógica
“Não se senta primeiro a calcular os gastos, e ver se tem como acabá-la?” (14,28c). O primeiro que normalmente se faz é “sentar-se para calcular o custo”, quer dizer, elaborar o pressuposto. A imagem é a duma pessoa que se senta a fazer contas e isto supõe um esforço de reflexão, de discernimento.
- O possível “porém”
“Não seja que, tendo posto os alicerces e não podendo terminar…” (14,29a). Há uma ênfase na situação negativa que espera a quem não faça o correto. Há que temer e tremer. A grande preocupação deve ser alcançar os objetivos (isto nos recorda a catequese de 8,14: é preciso buscar a maturidade nos caminhos de Jesus).
- A consequência de uma má decisão
“Todos os que o vejam se põem a caçoar dele, dizendo: “Este começou a edificar e não pôde terminar” (14,29c-30). Quem tome uma má decisão se exporá à vergonha pública: o ridículo, a desonra. Recordar-lhe-ão sempre seu fracasso: “não conseguiu realizar seus propósitos”.
A mensagem é que quem empreenda uma tarefa sem estar preparado para assumir até as últimas consequencias será considerado louco. Relacionando-o com o dito na primeira parte desta passagem, compreendemos melhor porque os discípulos devem estar preparados para a máxima auto-negação.
- A parábola do rei que vai à guerra (14,31-32)
O esquema e a moral da segunda afirmação parabólica sobre o rei que vai à guerra, é bastante parecido ao do primeiro. Há leves diferenças que vale a pena notar.
- “Qual rei, que sai a enfrentar-se com outro rei…” (14,31a). A referencia é clara: o esforço de um rei que deve enfrentar a outro em uma batalha. A situação suporá uma medição de forças: “opor-se”.
- “…Não se senta antes e delibera se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil?” (14,31b). O momento reflexivo e o “porém” aparecem fundidos na mesma frase: se acentua mais o momento da “deliberação” e a tomada de decisões. Se quer dizer que o delicado da situação implica reunir, comprometer e recrutar um grande número de soldados; mas, supõe, também, a elaboração de boa estratégia. Deixa-se ver a ridícula situação de quem, de repente, se ver cercado e leva sua armada à destruição completa.
- “E se não, quando está ainda distante, envia uma embaixada para pedir condições de paz” (14,32). Aqui há uma leve diferença com a parábola anterior: a lição é que é melhor chegar a um bom acordo com o inimigo antes que seja demasiado tarde, quando sofra uma esmagadora derrota. Enfatiza-se o “ainda está distante”, quer dizer, o rei ainda está a tempo para mudar a estratégia. Mais que uma trégua, o envio dos embaixadores parece referir-se a uma possível homenagem que se faz ao opositor, como expressão de rendição incondicional (ver, por exemplo, I Sm 30,21).
Em síntese, os dois ditos parabólicos da construção da torre e do rei que deve enfrentar uma guerra, nos põe em guarda sobre o tomar decisões não bem ponderadas. A decisão de seguir a Jesus, que exige um compromisso total e sem voltar atrás, quer dizer, perseverante.
- O espírito da radicalidade (14,33)
Uma nova frase completa a lista das exigências da primeira parte da passagem: “Pois, de igual maneira, qualquer de vós, que não renuncie a todos seus bens, não pode ser meu discípulo” (14,33). Na lista das exigências não haviam aparecido os “bens”. Agora a idéia fica completa: quem não se liberta de todos seus laços terrenos, não pode ser seguidor de Jesus.
A frase “não pode ser meu discípulo” conecta com 14,26.27 e deixa bem marcados os dois ditos parabólicos. O discípulo deve estar pronto em todo momento para dar tudo o que tem a fim de seguir a Jesus. Sem esse desprendimento e liberdade de coração o discipulado será um fracasso.
Conclusão: as consequências da opção (14,34-35)
Finalmente se apresentam as consequências da opção. Para isso se recorre à imagem do sal. “Bom é o sal; mas se tembém o sal perde o seu sabor, com que se salgará? Não é útil nem para a terra nem para o monturo; a atiram fora. O que tenha ouvidos para ouvir que ouça” (14,34-35).
A afirmação conclusiva expressa em última instância a inutilidade do discípulo que se compromete pela metade e não está em condições de sustentar seu compromisso até o fim, a ele não o resta mais que esperar o juízo. É como o sal que perdeu seu sabor.
Segundo Eclo 39,6 o sal é tido como indispensável para a vida, está na lista dos elementos “de primeira necessidade para a vida do homem”. Era preservante e condimento para a comida, e também era um ingrediente nos sacrifícios.
Estritamente falando o sal não pode perder seu sabor. Por isso a frase: “se o sal perde o seu sabor” (14,34b) tem que entendê-la a partir de um fato constatável: o sal na Palestina era obtido por evaporação do mar morto; posto que a água do mar morto contém diversas substâncias, a evaporação produzia uma mescla de cristais de sal comum e outros minerais (como o gesso). Pela contaminação, é provável que estas substâncias se mesclavam umas às outras. O sal é bom quando pode ser purificado de todas as escórias, se não “não é útil nem para a terra nem para o monturo; a atiram fora” (14,35ª). Igualmente um discípulo pela metade não serve para nada, é inepto para transformar o mundo.
Enfim… Jesus hoje nos põe contra a parede, como se tratasse de dizer-nos: ou todo ou nada. Não são suficientes as conversões momentâneas nem superficiais, levadas pela emoção do primeiro momento, há que apontar-lhe ao duradouro e estável que se garante a partir da obediência aos ensinamentos que o Mestre pede “ouvir”, não importa quais sejam os altos e os baixos de suas exigências.
Releiamos o Evangelho com um Padre da Igreja
Reconhece, ó cristão, a sublime dignidade de tua sabedoria e compreende a excelência de seus caminhos e a admirável recompensa à que és chamado. Aquele que é a misericórdia quer que sejas misericordioso. Aquele que é a justiça quer que sejas justo, para que, mediante a imitação de suas obras divinas, o Criador se manifeste em sua natureza e a imagem de Deus resplandeça no espelho do coração humano. Nunca será frustrada a fe dos que praticam as boas obras; se assim o fizeres, se cumprirão teus desejos e gozarás eternamente os bens que amas.
E posto que através da esmola tudo se faz puro para ti, chegarás também àquela bem aventurança prometida pelo Senhor com estas palavras: ‘Bem aventurados os puros de coração, porque verão a Deus’. Grande é a felicidade, irmãs queridos, daquele para quem está preparado tão grande prêmio. (San León Magno, Sermón 95)
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Quais as duas frases que Jesus pronuncia e nas quais nos assinala as condições para ser seus discípulos?
- Jesus nos pede hoje dar o primeiro lugar ao amor para Ele. Em minha vida isto é uma realidade? Posso dizer que existem em minha vida pessoas que ocupam um posto mais importante que o que ocupa Jesus? Em que o constato? Que fazer a respeito?
- Nos momentos em que me sinto ou nos sentimos (família, grupo, comunidade) carregando uma cruz muito grande, o fazemos com a certeza de que Jesus vai caminhando a nosso lado? Por que será que as vezes nos desesperam tanto os momentos difíceis, as cruzes que nos chegam e não sabemos que fazer?
- No momento de iniciar um projeto ou um trabalho o faço pensando só em minhas capacidades? Que lugar tem Jesus em meus projetos e realizações? Somente o chamo quando as coisas começam a pôr-se difíceis?
- Qual foi a última vez que fiz algo pela metade? Que deixei de terminar? Como me senti? Que devo fazer para evitar que isto se repita? Sou um cristão pela metade ou o sou totalmente? Por que?
Autor: Pe. Fidel Oñoro, cjm