2º DOMINGO DO TC (Estudo Bíblico – ano C)
João 2,1-11
Introdução
Depois do nascimento de Jesus, a Igreja celebra três festas que têm em comum o ser uma “epifania” de Jesus, quer dizer, uma manifestação de sua condição divina.
- A primeira é a que toma o nome de Epifania. Nela se contempla a manifestação de Jesus a povos distantes, representados nos magos de Oriente, por meio de uma estrela que apareceu no céu.
- A segunda é a festa do Batismo de Jesus. Nesta a voz do céu declara: “Este é meu Filho, o amado, em quem me complazo” (Mt 3,17).
- A terceira é este domingo, que celebramos a manifestação de Jesus nas bodas de Caná.
Nas duas primeiras é outro que manifesta a identidade de Jesus: a estrela e a voz; já nas bodas de Caná é o próprio Jesus que manifesta sua glória, conforme conclusão do relato: “Manifestou sua glória, e creram nele seus discípulos” (Jo 2,11b).
O Papa João Paulo II quis agregar aos mistérios do Rosário uma nova série de cinco mistérios que ele chama de “mistérios da luz”. O Papa enuncia o segundo desses mistérios assim: “A auto revelação de Jesus nas bodas de Caná” (Rosarium Virginis Mariae, 21).
Todos conhecemos o fato. Numa boda que se celebrou em Caná de Galileia faltou o vinho e por intervenção da Mãe de Jesus, este converteu seis talhas de água em excelente vinho.
O evangelista chama a este milagre um “sinal” e comenta com certa estranheza: “Este princípio de sinais Jesus o fez em Caná de Galileia” (Jo 2,11a; tradução textual).
Se tal é o começo dos sinais, vejamos quais são os outros sinais que nos transmite o Evangelho de João. Por sua ordem são:
- A cura do filho de um funcionário real (Jo 4,46ss);
- A cura de um enfermo na piscina de Betesda (Jo 5,1ss);
- A multiplicação dos pães (Jo 6,1ss);
- A caminhada de Jesus sobre o mar (Jo 6,16ss);
- A cura de um cego de nascimento (Jo 9,1ss),
- A ressurreição de Lázaro (Jo 11,1ss).
No total são sete, que é o número da perfeição. Porém o evangelista declara: “Jesus realizou na presença dos discípulos outros muitos sinais que não estão escritos neste livro. Estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo tenhais vida em seu nome” (Jn 20,30-31).
Para iniciar os sinais se esperaria um fato e um lugar mais relevantes, como a ressurreição de Lázaro, que revela o triunfo de Jesus sobre a morte e, em Jerusalém, a cidade santa.
Qualquer que seja o número e a importância desses sinais, será sempre o primeiro deles – a conversão da água em vinho nas bodas de Caná – o que tem caráter de primeira epifania. Os demais sinais estão ai para confirmar este poder e esta glória de Jesus manifestado nas bodas de Caná.
O sinal das bodas de Caná se justifica como começo precisamente por seu valor de sinal: significa que começaram os tempos do Messias, tempos do gozo salvífico, representado pelo vinho novo, abundante e excelente providenciado por Jesus.
Não podem jejuar os convidados a uma boda, enquanto está com eles o esposo. Nas bodas de Caná estava Cristo mesmo, o Messias. Não podia faltar ali o vinho, pois “o vinho alegra o coração do homem” (Sl 104,15).
Por outro lado, se esses sete sinais os registrou o evangelista para que creiamos que Jesus é o Cristo, o sinal das bodas de Caná cumpre essa condição, pois, por meio dele, Jesus “manifestou sua glória e creram nele seus discípulos” (v.11b).
+ Felipe Bacarreza Rodríguez, bispo
- O texto
É muito significativo que a Igreja nos proponha, hoje, esta passagem, na qual Maria aparece em primeira pessoa sempre atenta a nossas necessidades para dar-lhes uma solução efetiva.
O texto começa anunciando as bodas que se celebrava em Caná da Galiléia e sublinhando a presença de Maria (v.1) como se o evangelista João quisesse pôr em primeiro plano, antes de falar de Jesus, a figura daquela que, em certo modo, seria protagonista do que se iria acontecer ali.
Além do mais, para o evangelista João, a presença de Maria em sua vida deve ter sido muito significativa e profunda porque o tempo de vida de Maria após a morte de Jesus na cruz o viveu ao lado dela.
João nos disse em três versículos (vv.1-3) como foi esta presença de Maria. Ela não esteve ali somente como uma convidada a mais desfrutando da festa.
A sua foi uma presença ativa, atenta àquilo que se poderia oferecer.
Ela, seguramente, notou o ir e vir angustiado dos serventes, anunciando ao dono da casa que as provisões de vinho haviam se esgotado, coisa que os demais comensais e até o próprio Jesus, parece não ter notado.
Maria, não espera que lhe peçam o favor, se adianta, “sai ao encontro”. Sabe muito bem que o único que pode remediar a situação é seu filho e sem muitas palavras lhe expõe a situação: “Eles não têm mais vinho” (v.3).
Ela não se perde em explicações, nem sequer pergunta a Jesus que pode fazer. Sabe que essas poucas palavras são suficiente entre ela e seu Filho para salvar a situação.
Ainda que a resposta de Jesus não tenha sido muito alentadora, ela não desanimou. É possível que para Jesus não tivesse chegado sua hora, porém quando se trata de ajudar ao outro, de dar uma mão, as coisas podem e devem mudar.
Maria não insiste. Simplesmente age. Algo há a fazer! Ela ajuda a preparar tudo, o resto Ele fará.
E pronuncia uma das frases mais belas que em muitos momentos podem ressoar em nossas vidas: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (v.5).
Quer dizer: agora tudo é com Ele, tudo depende d’Ele, eu já fiz a minha parte. Essas duas frases pronunciadas por Maria em uma situação difícil fazem que Jesus, em certo sentido, ‘adiante sua hora’.
E assim faz Jesus. Comprometido pela palavra de sua Mãe ordena aos serventes que encham as talhas de água.
Eles as enchem até a borda e até a borda se realiza o milagre. Como para insinuar que, quando se trata das coisas do Reino é necessário dar tudo e não meias medidas.
A festa pôde continuar ante a admiração dos convidados com o dono da casa que, contrariamente à tradição, havia deixado para o final o melhor vinho.
- Aprofundando
O interesse “materno” de Maria em Caná.
A propósito do milagre das bodas de Caná, está claro, por todo o relato, que o evangelista quer por de relevo a figura de Cristo; é como a primeira epifania de sua glória e de seu poder messiânico (v.11).
Mas, por outra parte, é obrigado a recordar que, se Jesus é o protagonista de toda a cena, a que põe em marcha o mecanismo do milagre, ainda que seja de modo muito discreto, é Maria, chamada a “mãe de Jesus” até quatro vezes (vv.1.3.4.12).
Leia-se só o começo e o final do relato:
- “Três dias depois houve uma boda em Caná da Galileia, na qual se achava a mãe de Jesus” (v.1);
- “Depois desceu a Cafarnaum com sua mãe, seus irmãos…” (v.12).
Assim, pois, o episódio inteiro está sob o sinal de Maria enquanto mãe de Jesus. Porém o interessante é que Maria parece até mais preocupada com os outros que com seu Filho, o qual permanece sempre, sem dúvida, como o ponto de referência.
Ela, de fato, é a que intervém e indica a Jesus a situação embaraçosa dos jovens esposos, que desconhecem a penosa situação em que encontravam (v.3).
Não sabemos se se trata de uma petição ou uma recomendação; certamente, não é um gesto de mera informação. Maria, como se vê, sabe pôr-se no lugar dos outros, como uma mãe e mais que uma mãe.
Interprete-se como queira a enigmática resposta de Jesus:”Que queres de mim, mulher?” (v.4ª); como negação, incerteza, acolhida.
O certo é que Maria deixa abertas todas as portas e se preocupa de dispor os servidores para qualquer intervenção de seu Filho (v.5).
“Fazei tudo o que Ele vos disser”.
Nestas palavras de Maria há um duplo aspecto da maternidade: o interesse pela situação de apuro material dos esposos e a urgência inteiramente espiritual para que os servidores atendam a qualquer palavra do Filho.
Neste sentido, João nos apresenta Maria como a mãe dos cristãos, porque coopera para que se abra a flor da fé no coração dos homens e, portanto, ao nascimento dos filhos de Deus (cf. Jo 1,12).
A Mãe de Jesus
É significativo o fato de que João coloque “a Mãe de Jesus” (assim sempre a denomina João, nunca “Maria”) em situações chaves no começo e no final da vida pública de Jesus, e, ao mesmo tempo, a mantém ausente de todo o resto do Evangelho. Vejamos:
- No começo (nas bodas de Caná: Jo 02,01-11);
- No final (ao pé da cruz: Jo 19,25-27),
Este fato obriga a relacionar ambos os episódios: nos dois, o estranho apelativo “mulher”. Vejamos:
- Nas bodas de Caná da Galiléia: É questionada a intervenção de Maria na obra messiânica, por não havia chegado a Hora de Jesus.
- Na Hora de Jesus: Mas, quando chega esta Hora para Jesus, chega também a Hora de Maria, de sua intervenção na Obra Messiânica.
O texto começa chamando-a “mãe de Jesus” e acaba em “mãe tua”, do discípulo que representa aqui os autênticos discípulos de Jesus. “Mulher”, nova Eva junto ao novo Adão, sob a árvore da Cruz, junto a um jardim, Mãe dos crentes.
No texto das bodas de Caná, três vezes João denomina a Maria de “sua Mae”: a ela, o mesmo que ao discípulo, não se a designa por seu nome humano, mas por seu nome de graça, quer dizer, por sua função na ordem da salvação. Esta insistência em denominá-la “sua Mae” indica a estranheza do título com que Jesus se dirige a ela: “Mulher”.
Ora, se olharmos bem, este é o nome com que Adão havia saudado a Eva, em sua comum inocência (Gn 02,23); como em Caná, este nome muda o nível das relações puramente humanas.
Apresentado solenemente como o “Homem” por Pilatos (Jo 19,05), Jesus na cruz reconhece em sua Mãe “a ajuda adequada” (Gn 02,18), completamente igual à “mulher” que dar a luz com dor para dar ao mundo um Homem (Jo 16,21) (…)
Pede a Maria que aceite sua morte, que já não espere nada terreno, que converta em oração os sarcasmos dos judeus: “que o salve agora, se é que de verdade o quer” (Mt 27,40.43).
O Pai quer fazer dela a Mãe da Igreja; ao notificá-la, Jesus, esta grandeza, fruto da Graça, indica com que terrível preço há de pagá-lo, por assim dizer.
Desse modo confirma Jesus a fé de sua Mãe, ajudando-o a entrar na plenitude de sua glória, que é o mistério da unidade de todos em um único Cristo (Ef 1,20ss).
Nesta perspectiva adquire maior ressonância também o apelativo que Jesus dirige a sua mãe: “Mulher” (=guynai), como já havia feito em Caná (2,4), que não indica em absoluto separação ou algo genérico, mas, ao contrario, universaliza a figura de Maria, fazendo dela a nova Eva.
Neste momento Maria, com o Filho moribundo na cruz e com os novos filhos que nasceram daquele sacrifício de amor infinito, cujo símbolo é João, é, também ela, a primeira Eva.
É, verdadeiramente, a primeira Eva, em virtude do mesmo sacrifício de Jesus como a primeira Eva, “mãe de todos os viventes” (Gn 3,20) e obtém a grande vitória sobre Satanás, já prometida à primeira mulher depois de seu pecado (Gn 3,15).
É preciso destacar que João, ao contrário dos sinóticos, emprega dois níveis de formulação: (a) o nível superficial para os personagens que estão ao redor de Jesus, e (b) o nível profundo no qual se move Jesus mesmo. Assim é como se explica a aparente falta de entrelaçamento entre pergunta de Maria e resposta de Jesus nas bodas.
O sentido da resposta de Jesus escapa a este texto concreto e só é compreensível na perspectiva global de todo o evangelho. Com efeito, a hora não é o momento do milagre, mas o da paixão (17,1;12,27). A paixão, por sua vez, é o momento da glorificação de Jesus, porque é a expressão suprema de seu amor.
“Não há amor maior que dar a vida pelos amigos” (15,13).
Por este motivo, a paixão é, em João, a glória de Jesus; sua Hora, a hora exuberante do amor. Esta exuberância de amor tem em nosso relato um símbolo: o vinho bom que aparece com profusão ao final da boda. De onde provém este vinho? “Das talhas de pedra para a purificação dos judeus”.
João capacita, assim, o leitor para que leia entre linhas algo muito concreto: a ordem religiosa judaica fica superada por Jesus. Água e vinho funcionam no relato como símbolos das duas ordens distintas: a lei (judaísmo); o amor (Jesus)
- Aprofundemos com os nossos pais na fé
Santo Efrém (c. 306-373), diácono na Síria, doutor da Igreja
«Guardaste o vinho bom até agora»
No deserto nosso Senhor multiplicou o pão, em Caná transformou a água em vinho. Habituou assim a boca dos homens ao Seu pão e ao Seu vinho, até ao momento em que lhes deu o Seu corpo e o Seu sangue.
Fê-los saborear um pão e um vinho transitórios, para fazer crescer neles o desejo do Seu corpo e do Seu sangue vivificantes… Atraiu-nos com coisas agradáveis ao paladar, para nos conduzir àquilo que vivifica plenamente as nossas almas. Escondeu a doçura no vinho que fez, para mostrar aos convidados que tesouro incomparável se esconde no Seu sangue vivificante. Como primeiro sinal, deu um vinho agradável aos convidados, para manifestar que o Seu sangue alegraria a todas as nações. Se o vinho intervém, com efeito, em todas as alegrias da terra, da mesma forma todas as libertações se prendem com o mistério do Seu sangue. Ele deu aos convidados de Caná um vinho excelente que transformou os seus espíritos, para lhes mostrar que a doutrina
de que os iria abeberar transformaria os seus corações. Este vinho, que no princípio não era senão água, foi transformado nos cântaros, símbolo dos primeiros mandamentos enviados por Ele com vista à perfeição.
A água transformada é a Lei levada ao seu cumprimento. Os convidados beberam o que tinha sido água, mas sem saborearem essa água. Do mesmo modo, quando ouvimos os antigos mandamentos, saboreamo-los, não
no seu antigo sabor, mas no novo.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração.
- Por que podemos dizer que Maria, nas Bodas de Caná teve uma presença ativa?
- Sinto que eu sou uma pessoa detalhista e que percebo as necessidades dos demais
para logo ajudar? Qual foi a última vez que o fiz?
- Que podemos propor como família para sermos mais atentos e serviçais pensando
mais cada um no outro que em si mesmo?