14º Domingo do Tempo Comum (Estudo Bíblico ano C)

Lucas 10,1-12.17-20

Introdução

Continuamos o caminho para Jerusalém. O Evangelho deste domingo trata da evangelização. Uma semana atrás, ouvimos que Jesus disse a um candidato ao discipulado: Tu vai e anuncia o reino de Deus” (Lc 9,60b). Hoje vemos como esta missão se faz realidade.

Lucas, um evangelista missionário.

O Evangelho de Lucas tem uma preocupação especial pelo tema da missão. Esta consiste na realização do projeto salvífico de Deus para o mundo, anunciado pelos profetas, cumprido no ministério da misericórdia de Jesus e extendido por todo o mundo por meio da evangelização que a Igreja realiza com o poder do Espírito Santo.

Entre o início solene na sinagoga de Nazaré (O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para…”, 4.18) e a efusão do Espírito Santo sobre a comunidade apostólica em Jerusalém (Recebereis a força do Espírito Santo, que virá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra”, At 1,8), o Evangelho de Lucas traça um arco de intensa atividade missionária, que tem o seu ponto mais alto no seu mistério pascal realizado em Jerusalém, onde seu sangue derramado, como justo sofredor, alcança para a humanidade inteira o perdão dos pecados (ver a mensagem missionária em Lc 24,46-47).

Jesus não vive sua missão de qualquer maneira, tanto sua paixão pelo Reino (“Eu vim para lançar fogo sobre a terra e como gostaria que já estivesse aceso!”, 12.49), como sua fidelidade ao Pai (“que não se faça minha vontade, mas a tua”, 22,42) o impulsionam em todo momento. Esta paixão pela missão, junto com as atitudes e táticas necessárias para realizá-la, Jesus a vai transmitindo pouco a pouco a seus discípulos, os quais, definitivamente, se convertem em seus “enviados”.

Tão importante é o tema da missão que o evangelista Lucas nos apresenta não um como fazem os outros evangelistas, mas dois relatos de envio missionário: Lc 9,1-6 (Jesus envia os Doze) e 10,1-20 (Jesus envia Setenta e dois).

A preocupação de Jesus centra-se na formação para a missão, os detalhes realização mesma se verão nos Atos dos Apóstolos. Se bem que desde já se anuncia o êxito: “Regressaram os setenta e dois alegres, dizendo: ‘Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome’” (10:17).

Mas para que isso seja possível, devemos seguir fielmente as instruções de Jesus. Assim como existem exigências para a vocação (cf. Evangelho de domingo passado) também existe para a missão. Na passagem de hoje vemos como Jesus cuidadosamente educa para a missão.

  1. O Contexto

Para melhor abordar o texto que tenhamos em conta o seguinte:

  • A missão dos setenta e dois aparece imediatamente após uma passagem vocacional na qual são anunciados os temas que encontramos aqui:
  • O caminho (10.1; em 9,57 se dizia: “enquanto iam caminhando” na subida para Jerusalém);
  • A proclamação (10,9, em 9,60 se disse “vai a proclamar o reino” como tarefa prioritária do vocacionado);
  • O ser operários do Evangelho (10,2; em 9,62 se havia falado do “arado”, imagem daquilo no qual se põe toda a concentração).
  • É significativo o fato que coincida com a passagem de Jesus pelo território de Samaria (o mesmo que ocorre em Atos). Portanto, se está pensando na missão que terá lugar em Samaria (ver At 8).
  • Quando Lucas nos apresenta este episódio, não só recordando fielmente as instruções do Senhor (o ensinamento da comunidade está enraizado no do próprio Jesus), mas também está pensando em sua comunidade: nas necessidades e nas dificuldades próprias do último quarto do primeiro século. Portanto, dá a oportunidade de refletir sobre as condições e dificuldades que caracterizam qualquer missão cristã.
  • O texto

Entremos agora em alguns detalhes significativos do texto:

1. Jesus envia um grande número de missionários (10.1)

1.1. “O Senhor designou outros setenta e dois” (10,1a)

O número “setenta e dois” corresponde ao número das nações pagãs em Génesis 10 (70 no texto Hebreu chamado “Masorético” e 72 na versão grega chamada “Septuaginta”). Estes missionários simbolizam as nações do mundo e prefiguram a missão universal que se desenvolverá em At 13-28.

Um dos pontos chamativos no texto de hoje é precisamente que há outras pessoas além dos Doze envolvidos na obra missionária. Nisso há uma lição nova. De fato, Lucas é o único evangelista que menciona a missão dos setenta e dois.

Como se nota ali, a missão que simboliza a universalidade não é levada adiante pelos Doze, embora sempre esteja em comunhão com as diretrizes dos Doze.

Isso nos faz perceber que a vocação para a missão é ampla. Na Igreja primitiva já se notava como muitos membros das pequenas comunidades, que não pertenciam ao grupo dos Doze, estavam ativamente envolvidos na missão universal.

1.2. “Dois a dois… onde havia de ir Ele” (10,1bc)

Note-se também que na missão a experiência de Jesus e da comunidade caminham lado a lado:

  • A dimensão comunitária e testemunhal aparece sublinhada desde o início no dado “os enviou dois a dois” (10,1b), ou nenhum vai só. Este fato específico lembra-nos que para a validade de uma declaração ante um tribunal, por exemplo, se requeria pelo menos outro (testemunho) para validar ou negar o que fora dito. A isto podemos acrescentar a importância do apoio mútuo e ainda, se é o caso da correção fraterna durante a missão.
  • Apesar das múltiplas atividades que implica uma missão, nunca se perde de vista que o essencial é a pessoa de Jesus, por isso, salienta-se que eles vão “adiante dele” ali “onde Ele havia de ir” (10,1c, ver também 9.52ª).
  • O que se deve ter em conta na hora de realizar a missão (10,2 a 12)

Ao mesmo tempo em que os envia, Jesus dá uma série de instruções aos missionários. Vejamos.

  • Oração pela provisão dos missionários: primeira atividade apostólica

“A messe é grande e os operários poucos. Rogai, pois, ao Senhor da messe que envie operários a sua messe “(10.2)

A primeira indicação prática que Jesus dá é a oração: “Orai”. O olhar é colocado, como sempre fez o próprio Jesus, no Pai, que é o “Senhor da messe”. A fonte da missão é o próprio Deus (ver o início da primeira missão de Paulo e Barnabé em Atos 13:1-3).

O missionário deve ter sempre presente que é um “operário”, que está a serviço de um campo de trabalho que não é seu, que nele gastará todas as suas energias, mesmo no momento em que chegue a sentir que a tarefa o ultrapassa (“a messe é grande”). O retrato de “operário” que aqui é mostrado está muito próximo da imagem de um camponês que trabalha de sol a sol com suas próprias mãos e que em cada jornada põe toda a sua vida no trabalho (ver 2 Cor 11:13, Fl 3.2, 2 Tm 2:15).

Um primeiro desânimo surge: mesmo os setenta e dois serão insuficientes para a imensa tarefa da evangelização. Mas a atitude de confiança em Deus e responsabilidade com o encargo os acompanharão em todo momento: os missionários orarão com forte súplica, repetindo a breve oração que Jesus os ensinou, pois tudo vem de Deus e é para Deus. Então, a primeira ação apostólica é a oração.

2.2. Consciência da fragilidade, mas também de onde provém a fortaleza.

O próprio Jesus responde a oração pelo envio à missão: “Ide” (10,3a). E, em seguida, descreve em uma só frase o clima de hostilidade que aguarda os missionários: Eis que vos envio como cordeiros no meio de lobos” (10,3b). A metáfora dos lobos e dos cordeiros manifesta a dolorosa desproporção.

A susceptibilidade dos discípulos já havia sido notada na recente fracassada missão em Samaria (9,53-54), onde os missionários quiseram responder com agressividade e vingança. Mas, o que virá é ainda pior: os missionários resistirão? Sua personalidade não entrará em colapso diante dos problemas? Enfim, uma vez que a missão não é fácil, se tem que estar preparado até mesmo para o fracasso. Portanto, os missionários, conscientes de sua fragilidade, devem ter bem claro onde está sua fortaleza. Como se apresentarão, então, ante o mundo?

Jesus o diz em seguida. Os setenta e dois, assim como os Doze (9,3), são totalmente dependentes de Deus para sua proteção e sustento. Eles são enviados para a missão sem nenhum equipamento como sinal de sua fé em que Deus para suprirá suas necessidades: Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias” (10,4a). Essa pobreza, que na verdade é liberdade de coração, se notará não só ao longo da viagem, mas em seu comportamento, tanto nas casas (comer o que ali tenham) como na cidade inteira. Quem vai brilhar diante do mundo não será o missionário, mas Deus, fonte de todo bem.

2.3. Três locais de exercício da missão: o caminho, a casa e a cidade.

Jesus descreve em seguida o comportamento do missionário nestes três ambientes: o caminho (10,4b); a casa (10,5-7) e a cidade (10,7-12).

(1) O caminho (10,4b) Só a figura do missionário no caminho, à vista de todos, já é significativo: é uma pessoa despojada das bagagens necessárias para a viagem (o dinheiro, a mochila e outro par de sandálias), que não tem ambições pessoais e que, pelo contrário, está completamente abandonada à providência de Deus. Se parece então a Jesus (ver 9,58); se anuncia, assim, a beleza da filiação. A proibição não saudeis a ninguém pelo caminho” se refere ao deter-se com amigos e familiares, em conversas que no antigo oriente se prolongavam indefinidamente, portanto, é um modo de voltar atrás, às preocupações mundanas, e perder a concentração no serviço da Palavra de Deus. A missão tem urgência, não espera nem admite distrações nem perca de tempo.

(2) A casa Se no caminho não se deve deter-se, em uma casa tem que fazer isso. O próprio Jesus exemplifica isso várias vezes no Evangelho, por exemplo, a passagem pela casa de Marta e Maria (cf.10,38-42). Nos Atos dos Apóstolos isso é uma constante (ver, por exemplo Atos 5,42). Sobre o comportamento na evangelização da casa entenda-se de família. Jesus faz duas afirmações:

  • “Diga primeiro: “Paz a esta casa” (10,5) Não se trata de uma saudação qualquer (Jz 6,23), mas das bênçãos de Deus sobre esse lar: as bênçãos do Evangelho que trará prosperidade. É a “paz”, anunciada desde a noite de Natal: já no auge do evangelho esta é um efeito do mistério pascal de Jesus e refere-se à salvação, que é oferecida àqueles que estejam abertos para recebê-la (2,14.29;19,42, At 10,36). Uma vez que é “dom”, a bênção salvífica pode ser aceita ou rejeitada. Como sabem a resposta não era idêntica em todos os membros da casa, portanto, por isso em seguida Lucas recorda aquilo de que uma única ovelhinha vale uma missão inteira: “se houver ali um filho de paz”. O “filho de paz” é a pessoa aberta à Palavra e aos dons que provêm de Deus.
  • “Permanecei na mesma casa” (10,7a). A evangelização da família requer dedicação e inserção completa: se compartilha a vida de família. Quando o missionário encontra uma resposta (ainda que seja mínima) deve permanecer nessa casa a serviço do bem do povo. As regras da hospitalidade mandam que a acolhida do hóspede inclua a alimentação e a dormida, e isso já é “seu salário”. Não deve sentir escrúpulos pensando ser um “fardo” para a família, se se está ao serviço dela, nem deve ser escrupuloso em matéria de alimento (“é o que tenham”, e que inclui a possibilidade de violar as leis judaicas quando se anda no mundo pagão, ver 1 Cor 10,27).

Com estes dois comportamentos se mostra todo o processo de evangelização. É preciso fazer processos de evangelização completos, não deixar tarefas inacabadas, por isso: “Não andeis de casa em casa” (10,7b, ver o caso de Paulo na casa de Lida: Atos 16:15).

(3) A cidade. Duas possibilidades estão previstas: a acolhida (10,8-9) e a rejeição (10,10-12).

Em caso de acolhida, se repete em larga escala o que foi dito sobre a evangelização da família. A acolhida se expressa na oferta de alimentos (regra oriental) talvez na porta da cidade. Os discípulos devem aceitar (10,8). Os missionários fazem ali o mesmo que Jesus: pregou a chegada do Reino (de 10,9-11, ver 4.43: “para isso fui enviado), com palavras e obras. Eles usam a autoridade que Jesus os dá (10,19) para realizar os sinais poderosos desta proximidade do Reino: curar (10,9) e exorcizar (ver 10.17). Quando os missionários são rejeitados durante a missão (10,11), são lembrados de uma instrução semelhante que já foi dada aos Doze (em 9,5): Dizei: ‘até mesmo o pó da vossa cidade que ficou preso aos pés, o sacudimos’” (10,11a).

Sacudir as sandálias era um modo oriental de mostrar que não apoia a injustiça reinante. Com isto quer dizer “entre vós e nós, não há nenhuma responsabilidade, assumirão o rigor das consequências negativas de sua equivocada decisão”. A referência à cidade de Sodoma, símbolo da cidade pecadora, é aqui um aviso do destino infeliz que espera a quem recusou conscientemente a salvação (ver 10,12, mas Deus sempre oferece a vida, veja Dt 30:19). Assim, o missionário exige uma decisão e fá-los perceber a gravidade da resposta. Não vai mudar sua mensagem para agradar a multidão: a pregação segue valendo. No entanto, deixa uma porta aberta para a conversão em qualquer momento: “Porém sabei, contudo, que o Reino de Deus está próximo” (10,11b).

3. O regresso da missão: toda uma festa (10,17-20)

Lucas não nos dá detalhes sobre a maneira como os discípulos exerceram a missão (fará isso nos Atos), mas recolhe os dados fundamentais do regresso.

Como regressam os discípulos da missão? A nota dominante é a euforia: Regressaram os setenta e dois alegres…” (10:17). O tema da alegria aparece quatro vezes (vv.10.17.17.21), duas vezes se referiu aos discípulos e, finalmente, a Jesus. A alegria deve caracterizar o missionário.

A alegria pelo êxito da missão é uma alegria diferente. Basta observar a atmosfera de alegria, admiração, louvor e bênção, que se encontra nos relatos de infância (ver 1,14.28.46.58; 2.10) e, inclusive, através de todo o Evangelho (5,25-26, 6,20-23,15,4-32,19,37-44,24,50-53) e dos Atos (2,26-27.42-47; 13,48. 52;15,3.31).

O discípulo se maravilha por três razões:

(1) Pela obra de Deus na história humana – a destruição do mal e o destronamento do maligno (10,17b-18) foram superadas as forças da morte;

(2) Por haver sido instrumento desta vitória (10,19), Jesus deu seu “poder” e, portanto, possuem um poder mais forte do que o de Satanás;    

(3) Porque seus nomes estão escritos nos céus” (10,21): eles têm se ocupado com a obra de Deus, porém Deus também tem se ocupado com eles (Ele tem “escrito” seus nomes) lhes assegurando sua salvação na comunhão definitiva com Ele na eternidade (ver 13,23-24).

Definitivamente, não só pelo que fizeram, mas por haver recebido o dom da salvação: a comunhão com Deus, que é a alegria de Jesus (ver 10,21-22). Há uma certa complementaridade entre o que acontece dentro e o que ocorre fora; entre os outros e si mesmo. Este é um aspecto fundamental do ser testemunha e anunciador do Reino, podendo chamá-lo de “a vitória da perseverança”(ver 22,29-30). Os missionários da “paz” entram em ambientes difíceis, como cordeiros no meio de lobos”, levando a reconciliação aos caminhos, às casas e às cidades.

Seu anúncio do Reino ao mesmo tempo, que cura o homem destrói o poder do maligno. Eles não só trabalham arduamente, mas também celebram gozozamente na alegre doçura de Jesus. E esta certeza os acompanha sempre. Recuperemos hoje o gosto pela missão.  O mundo hoje mais do que nunca precisa dele. Como é belo ser um missionário do Senhor!

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:

  1. De acordo com o Evangelho de hoje, o que se deve ter em conta na hora de realizar a missão?
  2. Pessoalmente, como homem ou mulher de fé, eu me sinto missionário, ou seja, enviado por Jesus para propagar seu Reino ou penso que isso é exclusivo para sacerdotes e religiosos?
  3. Em que faço, ou fazemos consistir nossa  oração e acolhida aos missionários?

Esperamos que cheguem ou somos capazes, a partir de nossa generosidade e solidariedade, de ir ao encontro de suas necessidades, partilhando com eles nosso tempo, nossos bens? Que propósito concreto poderíamos ter a respeito?

  • De que maneira, em nossa pátria tão golpeada pela perca dos valores cristãos e pelo sofrimento podemos ser missionários que levam a paz e alegria de Jesus à nossa sociedade?
  • Recordo algum momento de minha vida no qual eu tenho feito alguma coisa pelos demais: uma ajuda, uma palavra de consolo, uma palavra de fé, uma oração? Como tenho me sentido depois e que certezas há deixado em mim?

Autor: Pe. Fidel Oñoro, cjm – Centro Bíblico del CELAM

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