5º DOMINGO DO TC (Estudo Bíblico – ano C)
Lucas 5,1-11
(Vocação dos quatro primeiros discípulos )
Introdução
À margem do lago da Galileia, faz quase dois mil anos, algo extraordinário aconteceu para que alguns pescadores – o Evangelho nos destaca os nomes de Pedro, Tiago e João – abandonassem suas barcas, suas redes e os peixes acabados de pescar em incrível quantidade.
Tudo isto o fizeram para seguir perto da pessoa de Jesus.
Simão Pedro nos conta o porque do grande giro que teve sua vida: “Mestre, por causa de tua Palavra lançarei as redes”. Sim, foi por causa da Palavra de Jesus.
Vamos entrar hoje neste maravilhoso relato, tratando de descobrir o que aconteceu naquela manhã, tal como nos descreve Lucas.
- O contexto
Os textos de Lucas que lemos nos dois domingos anteriores nos apresentaram a jornada inaugural do ministério de Jesus em Nazaré.
Primeiro Jesus leu sua missão na Palavra de Deus, escrita no profeta Isaías, e anunciou o cumprimento das promessas de Deus na pessoa dele (ver Lc 4,16-22). Logo vimos a rejeição que ocorre na sinagoga (ver 4,23-30). Apesar da rejeição radical, nos segue dizendo Lucas, Jesus permanece fiel a sua missão de anunciar a Boa Nova do Reino em Cafarnaum e nas sinagogas da Judéia (ver 4,31-44).
Segundo, depois destes relatos “programáticos”, começa agora a narração da missão de Jesus na Galileia (Lucas 5,1-9,50). Em primeiro passo é o chamado de Simão Pedro e seus companheiros para ser colaboradores de Jesus na missão.
Como aparece Jesus no relato de Lc 5,1-11
Tudo parte da iniciativa de Jesus:
– Jesus vê duas barcas (5,2)
– Jesus escolhe a barca de Simão e sobe nela (5,3a).
– Jesus pede a Simão que afaste sua barca da terra para poder falar mais facilmente à multidão (5,3b).
– Jesus educa a multidão (5,3c)
– Jesus ordena a Simão remar mar adentro (5,4). Provoca-se então uma pesca milagrosa.
– Jesus lhe faz uma promessa a Simão (5,10), a qual provoca como reação o seguimento do primeiro apóstolo e de seus companheiros.
- O Texto
Entremos agora assim na leitura do texto.
- Introdução (5,1-3): a pregação de Jesus à beira do lago desde a barca de Simão
O contraste com o acontecido em Nazaré é notável: Jesus encontra pessoas dispostas a escutá-lo. Lucas nos fala de multidão que “juntava em torno dele”. Esta gente deseja “escutar a Palavra de Deus”.
A expressão nos remete ao episódio imediatamente anterior em Cafarnaum, em cuja sinagoga o povo aclama o poder da Palavra de Jesus: “Que palavra é esta!” (4,36).
Nesta circunstancia, Jesus busca apoio na barca de Simão. Nota-se já uma primeira eleição: “Viu duas barcas… subindo a uma das barcas, que era de Simão” (5,2-3). Simão recebe uma ordem de Jesus, a de afastar-se um pouco da terra, e logo, em qualidade de mestre (“sentando-se”) educa a multidão. Deixa-se entender que Simão escuta a pregação de Jesus.
O ensino parece ocorrer de forma continuada: “ensinava” (o tempo verbal grego chamado “imperfeito”, indica uma ação que continua no tempo). Este efeito permite estabelecer uma conexão entre esta cena inicial e a que segue.
- O chamado de Simão (Pedro) e seus companheiros (5, 4-11)
Todavia “sentado” como mestre na barca, Jesus ordena a Simão que introduza mais a barca no lago. Assim começa a parte central do relato. A dinâmica desta parte aponta para mostrar a natureza da relação que se estabelece entre Jesus e aqueles que Ele chama para ser seus colaboradores.
De fato, se põe em primeiro plano a experiência que Simão (Pedro) faz da pessoa de Jesus e também o que significa levar a cabo um encargo seu.
Notemos como tem relevância o diálogo entre Jesus e Simão. Há quatro intervenções:
- Jesus fala duas vezes:
- Primeiro dar-lhe uma ordem (5,4: “rema mar adentro e lançai vossas redes para pescar”)
- Segundo faz-lhe uma promessa (5,10: “Não temas. Desde agora será pescador de homens”).
- Simão também fala duas vezes. Estas duas intervenções se dão no meio, entre a primeira e a segunda palavra de Jesus.
- Primeiro Simão faz uma afirmação (5,5: “Mestre, temos lutado toda a noite e não temos …”);
- Segundo lhe faz um pedido (5,8: “Afasta-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador”).
Vejamos também a maneira como Simão se dirige a Jesus: a primeira vez o chama “Mestre” e a segunda “Senhor”. Sigamos o fio do relato:
(a) O mandato de Jesus (4,4)
Jesus pronuncia uma palavra com autoridade. A ordem de ir a pescar antecipa o que se dirá na promessa: a tarefa apostólica do “pescador de homens”. Simão vai a aprender agora o que significa executar uma missão encomendada por Jesus.
(b) A ação de Simão e a pesca milagrosa (5,5-7)
Pedro mostra sua surpresa. Haviam trabalhado toda a noite e não havia pescado nada. E tinha feito isso durante o tempo no qual era possível capturar muitos peixes.
Quando chega o dia, as possibilidades de êxito são praticamente nulas. Para um conhecedor da pesca no lago, como é Simão, é claro que Jesus está pedindo um impossível.
A objeção de Simão tem sentido. Sem dúvida, Simão crer na Palavra de Jesus e arrisca a uma empresa que, se analisada desde o ponto de vista humano, é despropositada.
O importante é que Simão o faz com uma declaração de confiança no poder da Palavra de Jesus, à maneira das invocações do Salmo 119: “Confio em tua Palavra… Em tua Palavra esperarei”.
Simão chama Jesus “Mestre” (aqui se usa o termo grego “epistates”) que pode ter vários significados:
- Na boca de um estudante, designa o instrutor, o qual dispensa um saber. Jesus é, efetivamente, um “mestre”; assim tem se comportado nos vv.1-3. onde é descrito como mestre que, da barca, ensina o Reino de Deus à multidão sentada na beira do mar.
- Designa, ainda, alguém que dispõe de um poder, como tem o chefe de uma equipe. Neste sentido, Jesus dá ordens e dirige a ação dos pescadores de modo tal que supera todas as expectativas.
O efeito do poder da Palavra de Jesus se constata imediatamente. Lucas nos dá detalhes do efeito: (a) “grande quantidade de peixes”…; (b) as redes ameaçavam romper-se”… e (c) “as duas barcas quase se fundiam”.
Todo isto é o ponto de partida da impressão que leva Simão de Jesus e do assombro dos companheiros. Vale anotar que a ajuda que prestam os companheiros da outra barca insinua a eclesialidade que implica o trabalho apostólico.
- A reação de Simão e seus companheiros frente ao poder da Palavra de Jesus (5,8-10a)
Simão Pedro cai (de joelhos) ante Jesus e nos dá uma preciosa lição sobre o que é a oração de um discípulo. De fato, o discipulado de Simão Pedro começa oracionalmente. Todavia, Jesus parece estar sentado na barca (por isso também a frase “caiu de joelhos”).
Simão Pedro reconhece a Jesus como “Senhor”. Este segundo título supera o primeiro, o de “mestre”. Em poucas palavras, o chefe da barca e seus marinheiros admitem que a eficácia da pesca não provém somente de suas forças. Sem o “Senhor”, seu trabalho haveria sido infrutuoso.
Escutando a Palavra do Senhor e executando sua vontade, eles se convertem em servidores eficazes do Reino. Ante a presença do “Santo de Deus”, Simão se reconhece como pobre pecador, reconhecendo assim sua indignidade.
A verdade de Jesus leva Simão a descobrir sua própria verdade. Um excelente exemplo de caminho penitencial. Mas Jesus não fará caso da solicitude de “afastar-se”, mais acontece tudo o contrario.
- A promessa de Jesus a Simão (5,10b)
A promessa de Jesus tem relação estreita com a experiência que Simão acaba de fazer do poder e da validez da Palavra do Mestre. Pouco antes, Simão havia conhecido a Jesus como aquele que quer que a gente acolha sua Boa Nova.
Agora, ainda que de modo, todavia, impreciso, Jesus lhe faz entender que sua missão será participar nesta ação: anunciar a Boa Nova da salvação a todos os homens.
Três anotações importantes é necessário fazer na frase de Jesus:
- A expressão “Não temas” pode ser entendida como uma expressão de perdão. Jesus assume a Simão como ele é, ainda sabendo de sua fragilidade.
- A expressão “pescador de homens” nos remete a Jeremias 16,16, onde se refere ao que congrega o povo de Deus disperso depois do exílio. Aponta, pois, à missão de apóstolo de formar a comunidade.
- Lucas é cuidadoso ao escolher o termo grego com o que traduzimos pecador. Posto que pescar na prática é matar o pescado, Lucas muda o termo habitual por “sacar vivos” (em grego “zōgréō”).
- Conclusão: o seguimento de Jesus por parte de Simão e seus companheiros
Finalmente Simão e seus companheiros abandonam suas barcas. Parecem fazê-lo de modo definitivo, como o insinua a expressão “levar a terra” (quer dizer, tirar da água por não voltarem a ser utilizadas).
Quando comparamos o começo do seguimento de Simão e seus companheiros com o relato dos outros evangelhos, vemos como Lucas acentua a radicalidade com a expressão “deixando tudo” (e o mesmo acontece logo com Levi: “Deixando tudo, se levantou e lhe seguiu”, 5,28; 14,33;18,22.28;21,3-4).
O abandono dos bens, a partir daqui se converte em um pré-requisito para o discipulado. O desprendimento do discípulo é total, quer dizer, sua confiança no novo guia de sua vida é absoluta. Por ele se deixa tudo, dele se recebe tudo.
“E lhe segui”… O discipulado, segundo Lucas, toma a forma de uma viagem. Ser discípulo de Jesus implica ir atrás dele ao longo de seu caminho, desde Galileia até Jerusalém e, finalmente, até Deus. O discipulado não é estático, implica esta dinâmica, esta mobilidade.
Além do mais, a metáfora do acompanhamento físico é uma alusão a uma realidade mais profunda: a adesão pessoal a Jesus, a seu estilo de vida e a sua missão.
Começa assim uma nova etapa na vida de Simão. O seu agora é o “seguimento” do Mestre deixando-se educar por ele, reaprendendo a vida a seu lado, pondo cada passo de suas vidas em suas pegadas.
Desta maneira, pouco a pouco, aprenderá a lançar as redes da Palavra criadora de Deus, até sua morte martirial em Roma, congregando a comunidade de Jesus na pregação missionária e no ensino permanente e nos demais serviços que lhe competem em meio da comunidade (ver Atos 2).
3. Releiamos o Evangelho com um Padre da Igreja
Se Cristo tivesse escolhido um orador para dar inicio a sua obra, este diria: foi por minha
eloquência que fui escolhido.
Se tivesse escolhido a um senador, este poderia dizer: fui escolhido por minha dignidade.
Se tivesse escolhido a um imperador, este poderia dizer: fui escolhido graças a meu poder.
Que se cale e esperem todos estes, calem-se um pouco.
Não é que devam ser deixados de lado ou desprezados; mas que se mantenham de alguma
forma aparte quantos se possam vangloriar de si mesmos.
Dá-me, disse ele, aquele pescador; dá-me aquele ignorante, aquele despreparado;
Dá-me aquele com quem o senador não se digna falar, nem sequer enquanto compra o peixe.
Quando o tiver transformado, ficará claro que sou eu quem atua.
Se bem, também no senador, no orador e no imperador, também eu atuo.
Porém, ainda quando eu atue no senador, isso será muito mais evidente no pescador.
O senador pode gloriar-se de si mesmo, tal como o orador e o imperador;
o pescador só de Cristo pode se gloriar.
Venha, venha em primeiro lugar o pescador, para ensinar-nos a humildade que salva;
depois dele até o imperador poderá passar melhor”.
(Santo Agostinho, Sermão 43,5)
- Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração.
- Quais são os cinco elementos chaves do discipulado que nos descreve o evangelho de Lucas?
- Por que a consciência do próprio pecado e o pedir perdão são condições para seguir Jesus?
- Sou consciente de meu ser pecador/a? De que forma peço a Deus o perdão de meus pecados?
- Quais são as coisas que possuo, pequenas ou grandes, das quais não me desprenderiafacilmente?
- Que me pede Jesus no evangelho de hoje a esse respeito?
Pe. Fidel Oñoro, cjm – Centro Bíblico del CELAM