ADVENTO: 3ª Semana ano C
ESTUDO BÍBLICO NA 3ª SEMANA DO ADVENTO ANO C
Comunidade Paz e Bem
SEGUNDA-FEIRA
Nm 24,2-7.15-17 – Mateus 21,23-27
A profecia da estrela
“No povo de Jacó brilha uma estrela, um chefe empunha o cetro de Israel”
- A profecia: Avança a constelação de Jacó (Nm 24,2-7.15-17)
Comecemos contextualizando a passagem
Conta-se, no livro dos Números, que quando o povo de Israel, liderado por Moisés, já estava a ponto de chegar à terra prometida, teve que acampar nas estepes de Moab (22,1; oxalá se lesse por conta própria todo o relato de Números, do 22 ao 24).
O então rei desta região, Balac, que tinha conhecimento do último combate e da vitória dos israelitas sobre os amorreus, decidiu, preventivamente, contratar um profeta independente, trazido do oriente (de Aram, cf. 23,7), a fim de que fizesse uso de suas artes mágicas contra o povo de Israel.
Deste modo, o profeta Balaão entra em cena. Tinha como tarefa, não só evitar a ruína de Balac, invocando bênçãos sobre o que o contratou e maldições sobre o inimigo, mas, em última instancia, impedir a completa realização do êxodo de Israel.
Agora sim, vamos direto ao texto
O profeta Balaão tenta, em quatro ocasiões, cumprir com sua tarefa, porém, não consegue. Trata de cumprir seu contrato, mas, em cada ocasião, Deus inverte as coisas: em lugar de maldizer, o que faz Balaão, inspirado por Iahweh, é enviar grandes bênçãos a Israel.
Apesar de ser um profeta saído da obscuridade, Balaão é um tipo honesto, deixa Iahweh tomar posse dele e diz a verdade, sobretudo, apesar de ter sido pago para que profetize segundo os interesses de quem o contratou. Por isso, é interessante notar, no texto de hoje, o respectivo credito profético que recebe, o qual se repete duas vezes na passagem: “profecia do homem clarividente que escuta palavras de Deus, e conhece os planos do Altíssimo; que tem visões do Todo poderoso, e cai em transe e se lhe abrem os olhos” (Nm 24,3-4 e 15-16).
No marco destas palavras se introduzem duas profecias, as mais altas das quatro que pronuncia Balaão, sobre o futuro de Israel:
- 1º oráculo (24,5-7). Balaão prediz prosperidade a Israel em todos os sentidos: a nível urbano o sinal são suas construções, a nível rural, a fertilidade das plantações. A gloria de Israel cruzará, inclusive, as fronteiras, já que, de sua descendência, anuncia a vinda de “um herói que dominará povos numerosos” (v.7);
- 2º oráculo (24,17). De novo Balaão prediz exaltação para Israel. Com a visão da estrela e do cetro aponta para a esperança futura de Israel e do mundo inteiro. Com estes dois sinais a profecia aponta para o surgimento da monarquia dravídica: Davi era a “estrela” que o profeta estrangeiro estava profetizando e o homem, ao qual se daria o “cetro” do reino unificado de Judá e Israel.
- Balaão, o Messias e João Batista: Mateus 21,23-27
O Batismo de João Batista, de onde vinha?
No judaísmo tardio esta profecia foi vista como um anúncio do Messias, que seria um rei, um ungido de descendência davídica, “um filho da estrela”. Está está no fundo do relato dos magos e na estrela que veremos em Mt 2,1-10, em especial na frase: “Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (v.2b). Para o rei moabita, Balac, não funcionou o plano de guerra, mais, ao contrário, Deus fez de seu inimigo um instrumento de bênção. Igualmente, no caminho de Jesus, já desde seu nascimento, como, efetivamente, aconteceu com o rei Herodes, apresentar-se-ão novos e perigosos adversários.
No Evangelho de hoje as máximas autoridades judias se põem no caminho de Jesus para questionar, hipocritamente, sua autoridade. Mas Jesus transforma o ataque a Ele em um serio questionamento à atitude religiosa dos líderes de Israel que não levaram João Batista a sério, dai que tenham desacreditado também de sua autoridade. De novo, hoje a figura de João Batista aparece em primeiro plano na pergunta de Jesus: “O batismo de João, de onde era, dos céus ou dos homens?”(v.25).
A bela historia do profeta Balaão, cujo ministério oscila entre os interesses “dos homens” e os do “céu”, serve de pano de fundo ao ministério do último dos profetas que preparou o caminho ao Senhor e nos questiona sobre as reviravoltas que fazemos para não levar a serio a Palavra que vem de Deus.
- Entender a João para entender a Jesus
O texto de hoje nos mostra uma cena singular: Cristo responde uma pergunta com outra e junta sua resposta à de quem o pergunta. Parece um jogo ou modo elegante de fugir ao assunto comprometedor, mas deve haver algo mais profundo aqui. Jesus não pergunta qualquer coisa; pergunta-os por João.
É possível que o sentido de sua pergunta seja algo como: “entenderam vocês a mensagem de João?”. Pois quem não entende a mensagem do arrependimento não entende a mensagem da graça. A graça é indiferente a quem crer que não a necessita. O alimento não significa nada para quem não tem fome.
- Um cetro se levanta
Note bem, se o olhar inspirado de Balaão foi necessário para reconhecer, nesses israelitas esfarrapados, uma semente de majestade e realeza, necessita-se, do mesmo nodo, de um olhar inspirado para reconhecer, em Jesus, o Messias esperado.
Aquelas autoridades não podiam ver, em Jesus, o Messias e, por isso, o perguntam pela autoridade que preside e governa sua vida. Eles estabelecem o dialogo em termos de seu poder e querem saber que poder está ai em contraposição ao deles. Julgam a Jesus a partir de seus interesses, quer dizer, a partir do desejo e da convicção de possuir uma autoridade sem discussão. Isto é, precisamente, o que os faz cegos. Cegueira é buscar ver o que se quer ver.
Observemos que o apelativo que Balaão utiliza para referir-se a seus próprios olhos é um pouco forte a nossos ouvidos: “varão de olhos penetrantes”, diz uma tradução. Tirando a vaidade que podem conter estas palavras, isso é o que necessitamos para encontrar e descobrir Jesus: olhos penetrantes. Olhos que saibam penetrar o muro de nossas próprias conveniências e a barreira de nossos desejos míopes.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
- De vez em quando vemos como Deus faz giros estranhos, nos quais um inimigo pode converter-se em amigo, assim como Balaão. Posso constatar em minha vida ou comunidade algum caso?
_____________________________________________________________________________
- O rei Balac se valeu da religião para tentar abençoar a guerra e implorar o castigo contra os adversários. Isto é válido?
_____________________________________________________________________________
- Como entendemos o símbolo da “estrela” que se coloca nestes dias nos presépios, nos arranjos e em outras decorações natalinas?
____________________________________________________________________________
É um simples objeto decorativo?
_____________________________________________________________________________
- A serviço de quem está meu compromisso profético no mundo?
_____________________________________________________________________________
- Com alguma frequência se ouve dizer: “as coisas se tomam segundo a ótica dos que vêem”. De onde vem a Palavra que leio na Escritura e como devo recebê-la?
_____________________________________________________________________________
TERÇA-FEIRA
Sofonias 3,1-2.9-13 – Mateus 21,28-32
UMa granDE transformaÇÃO nO mundo a partir dos humildes
“Eu deixarei no meio de ti um povo humilde e pobre, e no nome de Iahweh se cobiçará”
Antes de concentrarmo-nos nos relatos evangélicos relacionados com o nascimento de Jesus, leiamos hoje a última da série de profecias que nos colocam ante o esplendor da vinda do Senhor, a qual ocorre discretamente em todos os momentos da história e a qual se consumará ao final dos tempos.
As profecias que temos lido desde o início do advento nos colocaram frente às grandes ações salvíficas, mas também nos mostram que nos corresponde fazer. Enquanto muita gente está agitada nestes dias, pelas festas, a nós corresponde pesquisar, com amor, os motivos da festa, pelos caminhos da Palavra.
- A Profecia: Sofonias 3,1-2.9-13
- A salvação messiânica é prometida a todos os pobres
Vale a pena ler cuidadosamente a profecia de hoje e alimentarmo-nos com ela neste dia, em nossa oração. O texto tem três partes:
De costas para Deus: o pecado (vv.1-2)
O “ai” inicial tem sabor de lamentação. A dor interna é profunda. Está a ponto de deixar que se veja as lágrimas de Deus nos olhos do profeta que contempla a ruína da cidade. O tecido urbano de Jerusalém, chamado a ser modelo das relações de justiça, foi descomposto pela corrupção de seus líderes. O profeta descreve, desde a ótica de Deus, a dolorosa situação da cidade com três apelativos (ver v.1):
- “Rebelde”: Como uma pessoa imatura que se move ao sabor dos impulsos, o critério de ação é o capricho, e não o projeto de Deus; no fundo há uma tremenda arrogância humana;
- “Manchada”: Seu distanciamento de Deus coloca o povo em situação de impureza, apta para qualquer tipo de pecado;
- “Opressora”: O pecado se mostra em diversas formas de egoísmo e nega o caminhar comunitário, predominam os interesses dos que detêm o poder e a fraternidade vira dominação de uns sobre outros. Atrás destes apelativos há uma realidade mais profunda que a origina: a rejeição a Deus.
O profeta a expressa com duas frases, cada uma com dois negativos:
- “Não tem escutado…”: Trata-se do “não” à Palavra de Deus, não há abertura nem docilidade;
- “Não tem colocado sua confiança… não tem se aproximado”: Trata-se do “não” à Pessoa de Deus, estabelece-se uma distância dele para não envolvê-lo na própria vida.
Este é o panorama inicial sobre o qual o profeta Sofonias, depois de assegurar o julgamento de Deus (ver os vv.3-8), proclama a obra salvífica de Deus.
Deus restaura seu Povo: a salvação (vv.9-10)
Apesar de seu pecado, Deus não abandona os que chamou e os ama. O profeta acentua três iniciativas de Deus que mudam situação inicialmente descrita:
- “purifica” (v.9);
- “extirpa” as causas da rebeldia (v.11); e
- “deixa” na cidade “um povo humilde e pobre”, no qual realiza seu projeto de comunidade (v.12);
A primeira ação positiva de Deus é o núcleo da segunda parte da profecia: “Tornarei puro os lábios dos povos” (v.9). Trata-se de uma obra realmente restauradora, pois da purificação sai um povo justo.
Lendo muito devagar os vv. 9 e 10 se nota como se reconstrói o povo de Deus:
- “Invocam o nome de Iahweh”: O povo, antes orgulhoso, agora confessa a fé; com os lábios purificados reconhece a Pessoa de Deus; confessa-o como seu Deus e suplica-o com confiança.
- “Servem-lhe sob um mesmo jugo”: como consequência da aceitação do senhorio de Deus, aceitam seu projeto. Já não há interesses de uns sobre outros, mas “comunhão” de interesses em Deus.
- “Da dispersão me trarão oferendas”: A “dispersão” se torna “congregação” em Jerusalém; neste vir os dispersos não regressam só, mas trazem com eles os povos pagãos. A conversão do povo atrai a todos que o rodeiam. “A oferenda” é sinal externo da comunhão de todos em torno de Deus.
A soberba torna-se humildade, pela entrega total a Deus. A dispersão causada pelo conflito de interesses torna-se comunhão, graças à purificação profunda que remove todos os distanciamentos.
O novo povo, cujo modelo são os humildes e os pobres que apreendem… (vv.11-13)
As iniciativas de Deus seguem, como indicado acima. Mas, na terceira parte da profecia a ênfase se põe na nova situação do povo restaurado por Deus; o profeta retrata “Aquele dia” (v.11ª).
A frase principal é “… já não terás que envergonhar-te de todos os delitos que cometeste contra mim” (v.11b). A “vergonha” que se fala aqui é como o que sente um pai de família quando um filho comete uma falta grave e pública, convertendo-se em motivo de escárnio e comentário por parte de quem o conhece.
Segundo a palavra profética “Aquele dia” (o dia esperado), não há lugar para vergonha nem confusão no meio do povo de Deus. Não deve haver motivo de queixa nem lamentação de ninguém contra ninguém, nem sinais de obscuros e humilhantes quadros de pecado. O profeta aprofunda, em seguida.
Há dois “porque”, nos quais o ouvinte da Palavra de Deus deve reparar: “Porque tirarei” (v.11c); e “Porque deixarei” (v.12). Observemos, sobretudo, a contraposição dos verbos.
O primeiro verbo, “tirarei”, na realidade é “extirparei”
Porque não se trata tanto do tirar do meio alguém (a Bíblia de Jerusalém traduz: “tirarei teus alegres orgulhosos”), mas de ir às causas dos comportamentos maléficos para a sociedade (“extirparei tuas soberbas bravatas”, como soa literalmente em hebraico).
Segundo isto, não há mais motivo de “vergonha”, pois houve “perdão” real. Por trás desta afirmação profética está à noção bíblica do perdão, que não consiste na desculpa por uma falta cometida, mas em uma transformação de fundo daquilo que a origina, em uma purificação do mal. Assim, não há lamentação, simplesmente porque não há pecado.
O segundo verbo, “deixarei”, descreve a ação criadora de Deus
Tira luz da escuridão, reconstrói a comunidade e restaura sua vitalidade a partir de um “grupo semente”, que é modelo e força de transformação. O profeta chama “Resto de Israel” (v.13ª).
Trata-se do povo humilde que, acima de tudo, se mantém firme em sua fé, que encontra em Iahweh seu refúgio. Sua fé tem mais força que o poder dos líderes que, apoiados na rocha firme do “monte santo” (v.11d) de Deus, encontravam força para cometer seus delitos.
Ao contrário dos que se aferram ao poder que controlam no “monte santo”, o “Resto de Israel” se apóia no próprio “nome de Iahweh”, o qual indica uma abertura a suas exigências éticas. A partir do exemplo deste “povo humilde e pobre” (v.12b), todo o povo é chamado a mudar sua conduta.
Ao início desta profecia, exatamente por seu orgulho, o povo não aceitava a correção (vv.1-2). Agora, em três “não” se aponta a comunhão com o querer de Deus: a vida e a comunidade fraterna: “Não cometerão mais injustiça”; ”Não dirão mentiras”; “Não mais se encontrará em sua boca língua embusteira”.
A ênfase na eliminação da mentira faz referência aos “lábios purificados” (v.9), o qual tem uma consequência positiva na vida social: do ponto de vista negativo (não há projetos ocultos que favoreçam os interesses de poucos); do ponto de vista positivo (a transparência da comunicação edifica a comunidade; ver o contrário em Gn 11,1-9 (torre de Babel) e o contrário em At 2,1-13 (Pentecostes)).
A comunidade se forma na aprendizagem de uma linguagem comum. Ao ser purificado de sua soberba, o povo aprenderá uma linguagem comum (=projeto de vida compartilhado), viverá caminhos de crescimento comunitário, sem encontrar obstáculos em sua realização histórica: “Apascentar-se-ão e repousarão, sem que ninguém os perturbe” (v.13c).
- João Batista e o resto de Israel: (Mateus 21,28-32)
- Veio João, e os pecadores creram nele.
O texto do Evangelho de hoje faz eco à profecia de Sofonias. Jesus diz que “Veio João por caminho de Justiça” (v.32). O evangelista Mateus, em sintonia com o pensamento do Antigo Testamento, entende por “justiça” a comunhão de vontade com Deus, de onde se desprende todo comportamento “justo” nas relações sociais e no uso dos bens da terra.
João se deparou com a parede insustentável do orgulho das autoridades religiosas que se mantiveram em sua soberba (apoiada na religião) e não se abriram à conversão. A rejeição do profeta (“nem vendo-o vos arrependestes depois, para crer nele”), foi o modo que encontraram de esquivar-se ao chamado à mudança de comportamento que lhes era exigido.
Ao contrário, um povo novo, que percorre caminhos de justiça, aberto à vinda do Messias pregada pelo Batista, surge como criação de Deus. Trata-se de um povo cuja “semente” é “publicanos e rameiras” que deixaram seu orgulho de lado para entrar, humildemente, em um caminho de conversão e viver segundo o querer de Deus.
Um punhado de gente pobre e humilde
Às portas da celebração da vinda de Cristo é bom recordar duas coisas: primeiro, que tipo de pessoas estarão prontas a recebê-lo: “um punhado de gente pobre e humilde”, conforme a descrição de Sofonias; segundo, que espiritualidade implica este fato e que significa para nós como Igreja. Observemos que o povo se viu dizimado por fatores essencialmente externos, sobretudo o desterro. Mas uma leitura profunda desse fato externo levou-os à consciência de um fator interno, o pecado. Assim vieram a entender que haviam sido infiéis, como expressamente o denuncia Sofonías.
E é interessante notar que esta mesma realidade do pecado vem como a “irmanar” os judeus e os não judeus, quer dizer, o povo eleito, o povo da aliança, com os demais povos. Pois, se chamamos Israel “infiel”, aos que desterraram Israel se chama “cidade potente e opressora.” Não são melhores os judeus, porque foram infiéis, nem são melhores os pagãos, porque oprimem. Esta espécie de irmandade no barro do pecado será muito importante como elemento de pregação para Paulo, por exemplo, quando diz: “E daí? Levamos vantagem? De modo algum. Pois acabamos de provar que todos, tanto os judeus como os gregos, estão debaixo do pecado” (Rm 3,9).
Não para ficarmos na amargura de uma desgraça universal, mas para mergulharmos em uma graça que a todos se prega em Cristo, pois o próprio Paulo disse pouco mais adiante: “Portanto, sustentamos que o homem é justificado pela fé, sem a prática da lei. Ou acaso ele é Deus só dos judeus? Não é também das nações? É certo que também das nações, pois há um só Deus, que justificará os circuncisos pela fé e também os incircuncisos através da fé” (Rm 3,28-30).
Por outra parte, notemos como esta gente humilde e pobre, porém ao mesmo tempo capaz de verdade, é uma verdadeira ponte entre o Antigo e o Novo Testamento. Sofonias anuncia que este “Pequeno Resto” será a herança de Deus e, se miramos o Evangelho o que encontramos é que Maria, José, Ana, Simeão e todos eles, e também a maior parte das multidões que se apertam para escutar o Mestre são claros representantes desse grupo de humilhados e, ao mesmo tempo, fiéis.
E a nós, como Igreja, que nos ensina tudo isto na fase final do Advento? Ensina qual a espiritualidade dos que aceitam o Senhor e compreendem sua mensagem. Cristo não será um mestre que domina com sua lógica, nem um tecnocrata que pretende aplicar as conclusões de sua fria análise. Cristo não será um líder de sedutora eloquência, nem um comerciante de sonhos. Será humilde entre os humildes, pobre entre os pobres, e também o verdadeiro fiel entre os que buscam ser fiéis a Deus.
O que conta verdadeiramente
O Evangelho de hoje é uma bela oportunidade para meditar no sentido da fidelidade. Ensina-nos que há uma fidelidade de palavras e outra de obras. E que a que conta é a de obras. Esse ensino fica claro. Mas há outro que está sugerido e que pode também nos servir muito. Observe que o segundo filho teve a fidelidade das obras, mas também a rebeldia nas palavras. Que indica isto? Pelo menos duas coisas:
- Primeira, Jesus não está falando de modo abstrato ou geral. Os que dizem ‘sim’ ao apelo do pai e não o fazem são os fariseus e os escribas, pois conhecem muito bem o que Deus quer e fazem alarde de cumpri-lo. Jesus os está denunciando com esta parábola. Ao invés, os pecadores, os quais o Senhor exemplifica com o mais baixo da sociedade de seu tempo, ainda que não digam que fazem coisas boas acabam sendo melhores crentes e se abrem mais à graça que o próprio Senhor traz com sua pregação e obras. Onde entendemos que o objetivo primordial da parábola não é opor obras e palavras, mas denunciar a mentira dos que crêem que aparentam ser bons, mas por dentro não são.
- Segunda, deste exemplo podemos aprender que os tempos maus na vida não são necessariamente tempos malditos ou desperdiçados. De uma atitude tão rebelde como a do segundo filho pode sair um momento de reabilitação e conversão. Por ter dito com força e aparente segurança “não quero”, não quer dizer que já estamos condenados. Deus pode dar o arrependimento. De fato, se pode pensar, inclusive que essa mesma rebeldia explícita pode servir como um meio para conhecer-se alguém e para descobrir a verdade, horrenda, porém certa, da própria insolência. Quantos ateus e quantos hereges conheceram a bondade de Deus depois de aterrar-se um dia da feiúra de seu coração perverso? Por isso não devemos desesperar de nossos erros passados nem das conversões que Deus possa fazer em outros e em nós.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
- Quais são os motivos de “vergonha” em minha vida pessoal, em minha comunidade e em meu país?
______________________________________________________________________________
Qual é o quadro obscuro do pecado que emerge da soberba humana?
______________________________________________________________________________
- Em que consiste o “orgulho” e em que consiste a “humildade” na profecia de Sofonías?
______________________________________________________________________________
Como submete Deus ao “orgulhoso” e exalta ao “humilde”?
______________________________________________________________________________
- Neste advento que mudanças profundas esperamos que opere a vinda do Senhor?
______________________________________________________________________________
Que esperamos poder viver em nossa família, em nossa comunidade eclesial e em nossa sociedade?
______________________________________________________________________________
- Como entender o “Resto de Israel” hoje?
______________________________________________________________________________
Que pista nos dão os Evangelhos?
______________________________________________________________________________
Há alguma luz a respeito nos relatos da natividade?
______________________________________________________________________________
- Que interpelação me fazem os “humildes e pobres” cuja força é a fé, e também os “publicanos e rameiras” que deram seu “sim” à Palavra de Deus?
______________________________________________________________________________
Qual é o primeiro passo para participar da obra de Deus no mundo?
QUARTA-FEIRA
Is 45, 6b-8.18.21b-26 – Lucas 7,19-23:
Um Messias com credibilidade
“Ide e contai a João o que tende visto e ouvido”
Isaias 45 é uma das profecias de Isaias que o Advento teve mais em conta. A renovação messiânica é anunciada como uma «primavera». A natureza inteira se renova e participa da eclosão do Messias.
Uma vez mais, ouvimos essa revelação constante da Bíblia. A humanidade não pode ser feliz, sem que a natureza obtenha dela um benefício. A terra ressequida recebe um «orvalho» que a faz “fecunda” e as ramagens brotam de todas as partes.
Assim se apresenta Deus em Isaias, quando se declara “criador” para garantir-nos o cumprimento de suas promessas: “Eu sou Yahweh, não há nenhum outro! Eu formo a luz e crio as trevas… sim, eu, Yahweh, faço tudo isto” (vv.6c-7).
Uma pessoa que se apresenta em primeira pessoa e dá conta de suas obras é uma pessoa acreditável.
“Eu, o Senhor, criei tudo isto!”. Assim fala o Senhor, o Criador dos céus. Que modelou a terra e a formou. “Não a criou como deserto, mas modelou-a para ser habitada”.
Isto fundamenta o convite feito ao final deste mesmo relato do profeta Isaias: “Voltai-vos a mim e sereis salvos” (45,22a). Em termos similares se apresenta Jesus Cristo, quando é interrogado pelos discípulos de João Batista, em seu nome.
Com efeito, João Batista, chamando a dois de seus discípulos, enviou-os a Jesus para que o fizessem esta pergunta: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?”
É necessário captar primeiro o drama profundo que encerra esta pergunta. João Batista é um homem que, como muitos de seus contemporâneos, esperava com ardente intensidade um Messias triunfador e purificador pelo fogo.
Dizia: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo. A pá está em sua mão; limpará a sua eira e recolherá o trigo em seu celeiro; a palha, porém, ele a queimará num fogo inextinguível” (3,16b-17). Estas eram as palavras cheias de ardor com as quais João Batista havia anunciado anteriormente o Messias.
Sim, Ele é o Messias, “o que há de vir” (Lc 7,19).
A carta de apresentação de Jesus Cristo são suas obras.
A lista das façanhas de Jesus termina com o fato de que “anuncia aos pobres a Boa Nova” (7,22). No meio deles está se realizando uma obra criadora que manifesta o poder do Deus do Reino.
Jesus podia ter continuado a lista, porém, o enunciado era apenas um sinal. Em cada ação de Jesus se fazem verdadeiras as palavras de Isaias: “Gotejai, céus, como orvalho do alto, derramai, nuvens, a vitória. Abra-se a terra e produza salvação” (45,8).
A bem-aventurança final, “É feliz aquele que não ficar escandalizado por causa de mim!” (Lc 7,23), felicita a todo aquele que se abre, sem resistências, ante a revelação da salvação de Deus através de Jesus de Nazaré.
Sendo esta a primeira vez que João Batista e Jesus se cruzam por palavra, desde o batismo no Jordão, notamos que até mesmo o profeta do Advento necessitou da consolação do Messias.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Quais os sinais que posso constatar hoje e, pelos quais, Jesus pode ser reconhecido como o Messias?
- Qual é minha carta de apresentação como cristão?
- Quais são os sinais distintivos de que estou no caminho do Senhor?
- Jesus foi, alguma vez, motivo de escândalo para mim? Por quê?
QUINTA-FEIRA
Lucas 7,24-30:
A fidelidade de Deus permanece.
“Ao não aceitar o batismo de João frustraram o plano de Deus sobre eles”
A profecia de amor e de dor que Isaías expõe (54,1-10), termina com uma declaração de fidelidade a seu povo rebelde: “Com amor eterno te amei… Meu amor de teu lado não se apartará e minha aliança de paz não se moverá – diz Iahweh, que tem compaixão de ti” (54,8.10b).
Jesus, em seu último pronunciamento sobre João Batista no Evangelho de Lucas, mostra como em torno de sua palavra profética o povo se dividiu em dois: (a) os que o aceitaram; e (b) os que o rejeitaram.
As consequências não são idênticas em cada caso:
- Os primeiros “reconheceram a justiça de Deus” (Lc 7,29);
- Os outros “frustraram o plano de Deus sobre eles” (7,30).
No primeiro grupo pode-se reconhecer “o povo que o escutou” (7,29), dentro do qual se menciona explicitamente “os publicanos”;
No segundo grupo estão “os fariseus e os legistas” (7,30), precisamente aqueles que deviam estar mais comprometidos com o plano de salvação de Deus.
Tão importante é a presença e a palavra de João Batista que Jesus o descreve como um verdadeiro e autêntico porta-voz de Deus, que não fala segundo sua conveniência, mas que se põe a serviço do projeto de Deus. Por isto, “justiça de Deus” e “plano de Deus” estão relacionados com pregação.
O mais grave é que a rejeição de João Batista é também a rejeição de Jesus. Ainda assim, frente à dureza de coração do segundo grupo mencionado, o coração de Deus não se fechará para eles.
Seu Filho Jesus irá até as últimas consequências como testemunho do amor fiel de Deus que não se retrata. O plano de Deus seguirá seu curso.
Desgraçadamente, hoje, como nos tempos de João e de Jesus, a realidade de um profeta é uma novidade rara demais e se terá que ir ao deserto para encontrar-nos com este.
Sem dúvida, para Jesus o menor membro do Reino de Deus supera João em sua condição de
profeta. Este ideal de Jesus se dá em nossa comunidade?
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Ante a pregação de João Batista o povo se divide em dois grupos. Em qual deles me situo?
- Qual é o plano de Deus para mim?
- Que estou fazendo nestes dias de Advento, ou que eu vou fazer, para que a Palavra profética de Deus, que renova a esperança, chegue aos que me rodeiam?
SEXTA FEIRA
Mateus 1,1-17
As origens de Jesus (I): na historia da salvação
“Jacó gerou a José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo”
A partir de hoje a leitura da Palavra de Deus no Advento toma um novo rumo. Nas primeiras leituras seguiremos escutando textos do Antigo Testamento que estão relacionados com a vinda do Messias e no Evangelho de cada dia, de hoje até o dia 25 de dezembro, seguiremos, passo a passo, os eventos relacionados, diretamente, com o nascimento de Jesus.
1. Por que uma genealogia?
O Evangelho de hoje nos remete até as origens de Jesus dentro da história. Partamos desta base: no oriente ― como acontece também, ainda hoje, nos povos africanos ― uma pessoa que não conhece sua árvore familiar (genealógica) é uma pessoa perdida no mundo. A família e a tribo à qual se pertence é uma referência importante para construir a própria identidade.
A genealogia que acabamos de ler afirma a identidade de Jesus, enquanto Messias, em meio de seu povo. Como quem disse: Jesus não veio ao mundo como um “meteorito” caído do céu, mas, muito bem inserido dentro da história humana, que é uma história de famílias.
Por isso, neste caminho de preparação imediata, para o Natal, a primeira coisa que devemos fazer é situar Jesus no meio de seu povo, no amplo contexto histórico, ao qual pertence e, dentro do qual, Ele tem um posto especial.
2. O colorido da genealogia de Jesus:
A leitura soa, à primeira vista, um pouco monótona ―ao menos 39 vezes se repete a frase: “tal pessoa gerou a tal pessoa”, porém, na realidade, não é assim, na lista dos descendentes se apresenta uma série de acentos que dão colorido à leitura.
Ao ler, sem pressa, a genealogia, vamos descobrindo que está feita de muitas gerações, de pessoas concretas com destinos concretos, de conexões e de sucessos, algumas vezes, irregulares, porém, é do jeito que é toda história humana.
Chama-nos a atenção, por exemplo, a presença de algumas mulheres, o que não é habitual nas genealogias, bem como as suas cartas de apresentação, que não são lá muito regulares:
- Tamar (a nora incestuosa de Judá),
- Rajab (a prostituta de Jericó),
- Rute (uma estrangeira),
- a mulher de Urias (com quem Davi cometeu adultério).
Vemos que não é, necessariamente, o ideal de família que qualquer um queria ter. Porém, tudo se compreende melhor quando chegamos ao ponto final da lista. O Messias, que coroa esta lista de gerações e pessoas, cura a história familiar de seu povo. Ele brota de um terreno histórico-familiar no qual não falta um ou outro pecado, porém, é ai que Ele é o Salvador.
3. A conexão familiar com Abraão e com Davi
O Evangelho inicia dizendo: “livro das origens de Jesus”, a quem confessamos como o Messias (Mt 1,1). E aprendemos, em seguida, que é através de toda esta longa história do povo de Israel, que Jesus se liga com Davi e com Abraão, respectivamente, o rei do qual parte a dinastia e o patriarca do qual origina o mesmo povo.
Jesus e Abraão
A lista dos antepassados de Jesus, que começa no versículo 2, coloca a raiz desta no patriarca Abraão, já que se trata da origem de um povo que foi criação de Deus, nascido da fé na promessa do Senhor.
Com o chamado de Deus a Abraão começou um novo caminhar histórico de Deus na história da humanidade e, por meio dele bendiz a todas as nações da terra (cf. Gn 12,1-3). Jesus é o filho de Abraão, no qual se realiza esta promessa da bênção. Em seguida segue uma lista de quatorze gerações (sete + sete: duas vezes a plenitude)
Jesus e Davi
A lista toma impulso pela segunda vez a partir do rei Davi (v.6b). Começa assim a genealogia dos reis. A conexão não é estranha porque Jesus é confessado no Evangelho como “o Cristo” (que significa “ungido”). O termo “Cristo” tem que ver com uma das designações do rei de Israel (cf. 1 Sm 9,26-10,1).
Porém, claro que isto não quer dizer que Jesus seja qualquer tipo de “rei”. Recordemos que a Davi Deus havia feito a promessa de que sua casa e seu reino permaneceriam para sempre (cf. 2 Sm 7,16). Esta promessa se realiza em Jesus, enquanto filho de Davi. Jesus, então, é o último e definitivo Rei e Pastor (cf. Mt 2,6) do povo de Israel, prometido e enviado por Deus, esperado pelo povo.
O cálculo final:
Na genealogia de Jesus, segundo Mateus, não basta fazer uma enumeração de nomes, muitos deles desconhecidos para nós, também o número das gerações tem um sentido. Se observarmos os versículos 12 a 16, notamos que, depois das listas que seguem a Abraão e a Davi, o evangelista coloca uma terceira lista que parte do exílio da Babilônia e culmina com Jesus.
Resultam assim três pequenas listas, cada uma de quatorze gerações. E se temos em conta que o número “quatorze” é a soma de duas vezes sete, e que sete indica perfeição, vemos, claramente, que Mateus está dando uma mensagem com números (sete + sete = plenitude).
Jesus é a plenitude da historia da salvação:
Este cálculo que o evangelista faz ao final da lista das gerações (1,17), nos faz-nos notar que esta história não é algo disposto pelo acaso, mas uma série de acontecimentos dispostos por Deus. O curso desta história foi querido por Deus e Ele mesmo a orientou, até sua culminação no Messias (1,16).
Portanto, toda a história tem seu sentido maior em Jesus de Nazaré. Tudo o que vem antes, prepara sua chegada e, com sua chegada, começa o tempo da plenitude e o cumprimento da promessa. Jesus é o ponto culminante, e o cumprimento do agir de Deus, com seu povo.
Notemos ainda que a série de gerações interrompeu-se de repente em Jesus. Não se disse: “José gerou Jesus”, mas “Jacó gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo” (1,16). Quer dizer, que José, esposo de Maria, não o pai carnal de Jesus. Portanto, a genealogia termina com um enigma: de onde vem Jesus, se não é o filho de José? Este enigma se resolve na leitura de amanhã.
Enfim, hoje aprendemos que Deus realiza suas promessas em Jesus. O que começou com Abraão, Deus o levou a término com Jesus. Jesus está profundamente enraizado na história de Deus com seu povo porque provém dele na carne.
Precisamente, nessa carnalidade estão assumidos e redimidos os pecados desta história. As buscas mais legítimas do povo que, progressivamente, foi compreendendo o plano de Deus, encontram o repouso n’Ele, porque Ele é seu fim e seu cumprimento!
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
1. Por que lemos a genealogia de Jesus neste contexto de preparação para o Natal? Qual a mensagem?
2. Como foi minha história familiar? Que Jesus vem a salvar?
3. Que relação tem Jesus com Abraão e Davi? Que tem que ver esta conexão familiar comigo?
Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM