LECTIO DIVINA NA 27 SEMANA COMUM

DOMINGO, 06 DE OUTUBRO DE 2019 – 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Lucas 17,5-10
(A fé do servidor; Servir com humildade) Lucas recolhe, no capitulo 17, uma série de
ditos de Jesus, do qual faz parte o texto que nos propõe, hoje, a liturgia. A primeira parte diz respeito à fé. Os
discípulos, ao longo de sua vida com Jesus, haviam ouvido muitas vezes, o Mestre exaltar a fé dos que lhe
pediam curas (cf., por exemplo, Lc 7,9; Mt 15,22). Agora que receberam a tarefa de anunciar o Evangelho, dão-
se conta da dolorosa desproporção entre a missão recebida e a pequenez de sua fé. Por isso, brota do coração a
invocação: “Aumenta a nossa fé” (v.6). A resposta de Jesus causa desconcerto. Não é ajustada ou consoladora,
mas uma hipérbole que parece cavar um novo e mais profundo abismo ante os discípulos. Bastaria um grãozinho
de fé, como uma semente quase invisível, para fazer possível uma ação dificílima como arrancar, com uma só
palavra, uma amoreira, cujas raízes profundas a arraigam firmemente ao solo. O segundo trecho proposto
projeta luz sobre isto, ainda que, a uma primeira leitura, resulte igualmente desconcertante. O dono não tem
obrigações com o servo que executou suas ordens com fidelidade. Neste momento, efetivamente, Jesus não está
fazendo um discurso tipo social sobre a dialética amo-escravo; limita-se, simplesmente, a usar uma imagem
tomada da vida diária. O que Jesus pede é, precisamente, uma atitude de profunda humildade, desprendimento
de si mesmo, de não ter pretensões; só assim o discípulo poderá dar espaço à onipotência do Senhor. É preciso
que o discípulo se aceite como pequeno, pobre, sempre insuficiente ante a grande tarefa que Deus lhe confia. O
Senhor quer que não nos creiamos importantes ou indispensáveis no Reino. Não contam as obras que nós
possamos fazer que acabam por tornar-nos, pouco ou muito, orgulhosos. Não é esta a lógica para a qual o
Senhor nos quer educar. Só Ele é, e nada lhe é impossível (Lc 1,37). Quando tivermos feito tudo que estava em
nosso poder; será uma graça que cresça em nós a consciência que “se o Senhor não constrói a casa, em vão se
cansam os construtores” (Sl 126,1), e seremos bem-aventurados, pois confiaremos no Senhor.
Hb 1,2-3;2,2-4 (Primeira lamentação do profeta; Segundo oráculo:o justo viverá de sua fidelidade) Até
quando? “Por que?”(1,2ss). Estas perguntas, que inquietam desde sempre o coração do homem, ressoam fortes nos
lábios de um profeta que viveu, provavelmente, no fim do séc.VII aC. Por que o desencadeamento do mal no mundo e
a violência? Por que nossa oração parece cair num vazio temeroso sem que volte nenhum eco como resposta? Pouco
importa que, neste caso, se trate dos caldeus que invadem a terra ou do quanto hoje vemos, cada dia, em nossas telas
de TV. A palavra do profeta se dirige segura ao Deus “dos olhos tão puros” (1,13), a “seu” Santo (cf.1,12), gritando-lhe
o escândalo dessa paradoxa indiferença. Mais eis que aqui o Senhor sai de seu silêncio e convida o profeta a escrever a
visão que lhe oferece, a gravar, claramente, a resposta em tábuas para que todos possam conhecê-las. É preciso
esperar que a Palavra de Deus (a visão), aqui personificada, se cumpra. Será cumprida, certamente. Se, se faz esperar,
é preciso seguir aguardando, porque, certamente, se cumprirá. “O malvado sucumbirá” (2,4ª). Esse malvado é o que,
ainda aceitando as prescrições divinas, não as põe em prática, e esta destinado à ruína; ao contrário, “o justo viverá
por sua fidelidade” (2,4a). Esta sentença, clara, lapidaria, eficaz, resume a teologia da aliança. De fato, significa que os
ímpios opressores caldeus perecerão, como também os judeus iníquos, enquanto que os judeus fieis sobreviverão. Sem
dúvida, o significado da afirmação vai muito além do momento histórico que a fez surgir. Não por nada tem retomado
esta fase Hb 10,36.39 e São Paulo (Rm 1,17 e Gl 3,11), que lhe confere um sentido, não só comunitário, quer dizer,
referido a todo o povo, mas a aplica à fé/fidelidade em Cristo, morto e ressuscitado para dar plenitude de vida a todos
os homens que crêem nele como salvador do mundo.
2 Tm 1,6-8.13ss (As graças recebidas por Timóteo) Paulo, “apostolo de Jesus Cristo por vontade de Deus”,
prisioneiro em Roma, dirige a seu amado Timóteo” uma segunda carta na qual lhe anima e exorta a lutar com coragem
pelo Evangelho. Quer que, também ele, seja capaz de sofrer no exercício do ministério ao qual foi chamado por graça, a
fim de guardar e transmitir com fidelidade os ensinamentos recebidos, “essa formosa tradição” (v.14), mediante a
ajuda do Espírito, sem envergonhar-se das cadeias com que Paulo está atado. Isso poderá acontecer se Timóteo
“reavivar” (isto é, tornar ativo e eficaz) o dom que lhe foi conferido mediante a imposição de suas mãos, gesto com o
qual o apóstolo lhe fez, no Espírito, idôneo para continuar sua missão de anunciar, a todos, a salvação operada em
Cristo. Isto só terá pagando o preço do sofrimento, porque não é possível viver autenticamente e transmitir a fé em
Cristo, morto e ressuscitado, se não se está disposto a morrer como Ele, a sofrer por Ele, a dar testemunho dele até o
sangue. Como também hoje se nos recorda com muita frequência, não há fé mais digna de crédito que a que está
disposta a dar-se inclusive com entrega total de si mesmo, pois o justo que vive da fé, também deve ser capaz de
morrer por esta fé.
Sl 94/95 (Invitatório) Esta é uma oração de louvor à grandeza de Deus, que sempre surpreende os que o procuram. O
mais belo do Senhor é que Ele nos ama, mesmo quando decidimos não amá-lo e não permitir que Ele nos ame. Este
Salmo muda muitas vezes de direção; passa do louvor a advertência, chamando a atenção de todos que fecham os
corações ao amor de Deus, como o povo em Meriba. Esta lembrança histórica nos alerta e não nos permite fechar os
olhos à presença do Senhor. Cada vez nos tornamos surdos à Palavra do Senhor e cegos à sua mensagem. Que
saibamos resgatar a sensibilidade do coração e da fé.
Senhor, continua a chamar-nos a atenção, a repreender-nos sem medo e a fazer com que nós, em determinados
momentos da vida, experimentemos o peso de tua mão direita. Temos consciência de que Tu nos amas, e se nos
repreendes, é por puro amor, para que diante da dor, saibamos reconhecer a tua presença e te responder com nosso
sim. Fechar a inteligência e o coração é caminhar rumo ao abismo que impossibilita a salvação e a vida. Senhor, quero
ser dócil à tua graça, ao teu amor. Sei que somos um povo de coração transviado, sem caminho ou andarilhos de
caminhos errados, mas sabemos que com teu amor podemos reencontrar-te como caminho, verdade, vida. Amém.
MEDITATIO: Na primeira leitura e no evangelho sublinha-se um mesmo movimento de busca por parte do
homem e de resposta por parte de Deus. Em ambos os casos, deixa-nos perplexos o que Deus responde.
Podemos constatar, uma vez mais, a verdade das palavras pronunciadas por Isaias, em seu nome: “Vossos
pensamentos não são meus pensamentos, vossos caminhos não são meus caminhos” (Is 55,8). De todos os
modos, ao homem se pede uma só atitude: a fé, uma fé plena, total, incondicionada, uma fé que se fia de Deus
porque Ele tem saído de seu silêncio pronunciando a Palavra que se fez carne, que veio habitar na região de
nossa pobreza, de nosso sofrer. O Verbo do Pai segue suspenso para sempre no lenho da cruz, convertido em

“espetáculo” para os anjos e para os homens; ele é o Cordeiro imolado posto ante os olhos de nosso coração.
Não proclama resoluções para os problemas traçados por nossas rejeições ao amor do Pai; limita-se
simplesmente a mostrar-nos, com sua vida, e, ainda mais, com sua morte, qual o caminho para encontrar o
acesso ao coração do Pai, longe do qual tudo tem sabor de exílio. Esse é o amor humilde, o serviço silencioso aos
irmãos, o fazer todo o possível pelos outros sem sentir-nos, por isso, benfeitores da humanidade, revestidos
dessa humildade que ensina como dizem os padres, “a estar como se não estivéssemos”. Só assim seremos
capazes de transmitir aos que vierem após nós, como pede Paulo a Timóteo, “essa formosa tradição” da fé.
Seremos elos robustos dessa tradição que faz passar, de geração em geração, a possibilidade de viver uma vida
plenamente humana, rica, boa, porque habita nela a fé em Cristo Jesus, que, com sua morte e ressurreição, tem
enchido de sentido nossos viver e nosso morrer.
ORATIO: Senhor, és um amigo difícil. Pede-nos uma fé plena, total, absoluta, em ti, no mistério de tua pessoa,
e depois te escondes ou nos leva por caminhos nos quais parece impossível reconhecer as tuas pegadas. O mal
do mundo nos atormenta e inquieta; esse teu silêncio tão freqüente nos resulta ainda mais pesado, pois não é
fácil crer que um Deus bom vela por nós. Abre os olhos de nosso coração, para que te vejamos presente em
nossa vida e na história de cada homem. Concede-nos, sobretudo, a capacidade de abandonar-nos em ti, como
crianças que não te fazem perguntas, mas que estão quietas em seu lugar, seguras de que Tu sabes o por que,
de nossa dor e não te divertes submetendo-nos a provas, mas que se reduz a socorrer-nos, a fim de preparar-
nos para uma alegria maior.
CONTEMPLATIO: O Senhor nos convida a ir à festa, cujo tempo, nos disse, está sempre disposto. Qual é essa
festa? A festa mais elevada, a mais verdadeira, é a festa da vida eterna, quer dizer, a eterna bem-aventurança,
onde se dá, de verdade, a presença de Deus. Esta não pode ter lugar aqui embaixo, ainda que a festa que
podemos celebrar aqui já é uma antecipação daquela. Este é o tempo de buscar a Deus e ter sua presença como
ponto de mira em todas as nossas obras. Muitas pessoas querem saborear já semelhante grande festa e se
lamentam de que não se lhe conceda. E se não encontram nenhuma festa em seu coração quando oram, nem
sentem a presença de Deus, isso lhes aflige, e a fazem cada vez menos e de má vontade. O homem não deve
proceder nunca assim; não devemos descuidar nunca de nenhuma obra, porque Deus está presente, ainda que
não o notemos: veio de maneira secreta à festa. Onde está Deus, está à festa de verdade; Deus não pode
deixar de estar presente ali onde, com uma intenção pura, se busca só a Ele; ainda que esteja de maneira
escondida, ali está sempre. O tempo no qual queira e deva revelar-se e mostrar-se de uma maneira aberta é
um assunto que devemos deixar em suas mãos. Porém não há dúvida de que estar presente ali onde lhe
buscam; portanto, não temos de realizar nenhuma ação boa de má vontade, porque Deus está ai, ainda que
esteja escondido para ti. Este é o fundamento: amar a Deus com um coração íntegro e puro e nada mais, e
amar-nos, com uma caridade fraterna, uns aos outros, como a nós mesmos; ter um espírito humilde e
submetido a Deus e relações amáveis com os irmãos; despojar-nos de nós mesmos, de modo que Deus possa
possuir, livremente, nosso coração, no qual gravou sua imagem divina, e morar no lugar onde está toda sua
glória (Taulero, II fondo dell’anima).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
“Creio! Mas ajuda a minha pouca fé!” (Mc 9,24)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL Ter fé no Cristo significa optar de modo definitivo por confiar-se a Deus. Arquimedes
buscava o ponto de apoio no qual seu punho poderia levantar o mundo. Ser crente é fazer de Deus o ponto de apoio de
nossa própria vida, e o termo «rocha» que a Escritura aplica com tanta frequência a Deus: «Tu és minha rocha e meu
baluarte»; se converte no ponto de apoio que eu sei que não pode desaparecer. O Deus em quem confio não pode
enganar-nos nem pode decepcionar-nos, pois não seria Deus; não pode deixar de amar-nos, pois não nos haveria
criado. A todas as certezas que o Antigo Testamento aduzia para confirmar a Deus-nossa-rocha se acrescentava o que
Cristo havia prometido ao apóstolo Pedro, ao mudar seu nome de Simão para Pedro… Partindo desta ideia de rocha, a
inteligência não carece nem de argumentos nem de luz, porque a fé conduz à luz. Jesus Cristo não é uma invenção dos
homens; os homens não inventam coisas assim ou, mais exatamente, se as inventam não duram muito. Pensemos nos
dois mil anos transcorridos desde o nascimento de Jesus Cristo, pensemos também em todas as mediocridades,
debilidades, traições, que tem havido na Igreja… e veremos que deveria ter desaparecido, como tantos outros impérios
e organizações. Sem dúvida, através de algum santo, de algum acontecimento ou de alguma personalidade, a Igreja
volta a cobrar vida cada vez, se santifica de novo e a árvore que parecia morta, a ponto de ser cortada, volta a
florescer com nova vida (Jacques Loew, La felicita di essere uomo. Conversazione con Dominique Xardel, Milán).
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SEGUNDA-FEIRA, 07 DE OUTUBRO DE 2019 – 27ª SEMANA DO TEMPO
Lucas 1,26-38 (A anunciação) A devoção do rosário tomou como primeira estação de sua meditação a
passagem do São Lucas, que informa sobre o anúncio a Maria: a denominação de “mistérios gozosos” oferece
uma chave de leitura do acontecimento. O desenlace do colóquio entre Deus, através da mediação do Arcanjo
Gabriel e a jovem Maria é a serena e gozosa disponibilidade de obediência da “escrava do Senhor”. O itinerário
que leva a semelhante disponibilidade serviçal ou diaconal é a reflexão sobre as palavras do enviado divino,
ouvidas pela mulher. Maria tenta entender a mensagem verdadeiramente surpreendente, em virtude de
semelhante compromisso singular. A contemplação do primeiro mistério da aventura evangélica e messiânica,
por parte de Maria, está iluminada pela disponibilidade a dar explicações, ainda necessitadas de uma progressiva
ruminação meditativa da parte do próprio Senhor, que não impõe tarefa absurda, mas acelera a convencer.
Atos 1,12-14 (O grupo dos apóstolos) Uma vez terminada a quaresma pascal, (os 40 dias que viveram os discípulos
com Jesus ressuscitado) e período de espera de Pentecostes; quando todos haveriam de receber o Espírito Santo
prometido, a pequena comunidade dos onze, junto com outros discípulos e familiares de Jesus, entre os quais se
encontra Maria, sua mãe, aguarda hospedada na casa de alguns deles. O cronista Lucas antecipa recapitulações sobre o
estilo de convivência da primitiva comunidade eclesial de Jerusalém que desenvolverá mais adiante. Esta comunidade
pré-pentecostal brilha por uma característica essencial: a oração é partilhada por irmãos assíduos e concordes. Depois
de Pentecostes, onde também esteve presente Maria (At 2,1), a comunidade desenvolverá sua própria identidade e
diaconia;de fato, a oração precedente foi como uma preparação indispensável; a assiduidade e a concórdia são como a
gestação do futuro.
Lc 1,46-55 (O cântico de Maria) Maria dirige o louvor a Deus que fez tudo. Na passagem prodigiosa da virgindade à
maternidade ela descobre o estilo e esquema da renovadora ação de Deus, manifestada também na esfera política e
econômica: não para mudar os lugares, deixando as coisas como estão, mas no espírito messiânico das bem-
aventuranças (felicidades, venturas). A ela felicitarão todos os que reconhecerem esses valores. Ela é a “serva” que
representa Israel, “servo” desvalido e socorrido por Deus (e também a igreja das bem-aventuranças). O hino é de puro
estilo bíblico, cheio de citações e reminiscências do Antigo Testamento.
Lembrai-vos, ó piedosíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer, que algum daqueles que a vós tem recorrido;
implorado a vossa assistência, e implorado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, com igual
confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como minha Mãe recorro, de Vós me valho e, gemendo sob o peso dos
meus pecados, me prostro a vossos pés. Não rejeiteis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo encarnado, mas dignai-Vos
de ouvi-las propícia, e de me alcançar o que vos rogo. Amém.
MEDITATIO: A sequência histórica dos acontecimentos referidos por Lucas, evangelista, cronista digno de
crédito, discípulo convencido, oferecidos à meditação dos devotos de Maria, na memória de N. S. do Rosário,
começa pelo texto evangélico e passa à Atos. São duas estações ao longo da peregrinação da devoção do
rosário: a primeira, que dá início aos cinco “mistérios gozosos” e o segmento entre a segunda e a terceira
estação, na meditação sobre os “mistérios gloriosos”. Tal colocação representa uma mensagem e proporciona
uma metodologia para a meditação. Estes mistérios podem se circunscrever na passagem da individualidade à
comunidade, da contemplação à ação. O anúncio constitui uma personalíssima experiência de Deus para a
Virgem Maria, uma estação na abismal contemplação da Palavra junto a Deus: é um acontecimento vivido na
solidão. Essa solidão ou experiência individual não equivale a isolamento; de fato, a “anunciada” compartilha as
jornadas da comunidade, a espera da manifestação poderosa e gloriosa do Espírito. Põe em comunhão sua
própria experiência de Deus. O anúncio constitui, para Maria, como uma subida às alturas da contemplação dos
mistérios de Deus, um aproximar guiado pela luz da Palavra ao conhecimento do projeto que Deus pretende
realizar mediante sua disponibilidade. Essa contemplação sustenta sua obediente consciência. A “anunciada” não
fica imóvel em seu lugar com o livro entre as mãos, não fica passiva e recolhida no recôndito imaginado pelos
pintores: opera em si mesma segundo a palavra recebida, meditada, contemplada e, certamente, orada;
também ela, como os outros discípulos de então e de sempre, atua na comunidade, nascida do amor de Jesus e
da fé em Cristo ressuscitado, de modo assíduo e num clima de concórdia, através da indispensável oração.
ORATIO: Santa Maria, íntegra na fé, firme na esperança, sincera na caridade, salve. Virgem, alegre no fiel
serviço a Jesus: mantenha nossa fé nos dias da desolação e nos dias de desejo de dilatá-la. Mãe dolorosa, na
participação na paixão de Cristo, benéfica para nós, obtém misericórdia para a pequenez de nossa caridade e
para todo aumento das dores alheias, ocasionadas por nossos pecados. Rainha gloriosa, na participação na vida
nova com o Senhor do universo, conserva firme nossa esperança de um novo céu e uma nova terra, para os
quais nos encaminha esta existência terrena. Virgem de Nazaré, Mulher do Calvário, Senhora de Pentecostes:
acolhe a oração de teus servos.
CONTEMPLATIO: Depois de ter-lhe prometido o filho, perguntou como podia acontecer isso, pois não conhecia
homem. De fato, só conhecia um modo de conceber e dar a luz; ainda, pessoalmente, não o havia
experimentado, havia aprendido de outras mulheres, a natureza é repetitiva, que o homem nasce do homem e
da mulher. O anjo lhe deu por resposta: O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua
sombra; por isso, o que nascer de ti será santo e será chamado Filho de Deus. Após estas palavras do anjo, ela,
cheia de fé e tendo concebido a Cristo, antes, em sua mente que em seu seio, disse: Eis aqui a escrava do
Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra. Cumpra-se, disse, que uma virgem conceba sem sêmen; nasça do
Espírito Santo e de uma mulher virgem aquele em quem nascerá do Espírito Santo, a Igreja, virgem também.
Chame-se Filho de Deus àquele santo que há de nascer de mãe humana, porém sem pai humano, visto que foi
conveniente que se fizesse “filho do homem” o que de forma admirável nasceu de Deus Pai, sem mãe alguma;
desta forma, nascido naquela carne, quando era pequeno, saiu de um seio fechado, e na mesma carne quando
era grande, já ressuscitado, entrou por portas fechadas. Estas coisas são maravilhosas, porque são divinas; são

inefáveis, porque são também inescrutáveis; a boca do homem não é suficiente para explicá-las, porque,
tampouco, o é o coração para investigá-las. Maria creu, e se cumpriu, nela, o que creu. Creiamos também nós,
para que possa ser-nos proveitoso o que se cumpriu (Santo Agostinho).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
“Salve, Maria, cheia de graça: o Poderoso tem feito grandes coisas em ti” (Lc 1,28;1,49)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL Surge de maneira espontânea passar da oração do angelus à do rosário. As ave-
marias formam sua trama. O método de meditação dos mistérios, evocados brevemente e que formam a base do
rosário, está estreitamente ligado ao modo com que as três pequenas frases do angelus voltam a evocar o mistério da
encarnação. Entre as orações e as devoções em honra de Maria, é certamente o rosário a mais popular e, ao mesmo
tempo, uma das devoções na qual mais se ressalta o sentido da Igreja. A oração do rosário orienta a Cristo por meio de
Maria. A Virgem nos ajuda a penetrar e a viver o mistério de Cristo tal como ela o viveu. A simplicidade [do rosário],
sua atmosfera de pura e autêntica contemplação, quando se medita os mistérios como partes de um só todo, fazem do
rosário uma via fácil para estender a contemplação litúrgica a toda à vida diária e para conduzir continuamente toda
nossa vida a sua fonte celestial (V. Noé,… «le devozioni mariane in armonia con Ia liturgia»).

TERÇA-FEIRA, 10 DE OUTUBRO
Lucas 10,38-42 (Marta e Maria)
Esta passagem tem suscitado grande interesse ao longo dos séculos.
É possível que o motivo de fundo seja ter “cristializado” em Marta a figura-tipo da vida ativa e em Maria a da
vida contemplativa. Sem dúvida, não se trata de dois estados de vida; a chave de leitura do texto se encontra
mais no captar duas atitudes interiores. Jesus vai de viagem com os seus para Jerusalém. O seu é um caminhar
para o fim dramático de sua própria missão, para o mistério pascal de nossa salvação. O texto diz “segundo iam
a caminho” e, depois, “entrou”. Quando chega a Betânia, entra só na casa de Lázaro, onde Marta, a irmã de
Lázaro e de Maria, lhe recebe. Há uma audácia inovadora neste entrar de Jesus em uma casa, onde o homem
nem sequer é nomeado. Verdadeiramente, para Jesus “não conta ser judeu ou grego, homem ou mulher”; conta
a “nova criatura” (cf.Gl 6,15) que se firma na relação com ele. Marta recebe Jesus; Maria se senta a seus pés e
escuta sua Palavra. O tom descritivo não se refere, aqui, ao Senhor que fala, mas à mulher “mulher verdadeira
discípula”, que está agachada aos seus pés com um esquecimento de tudo o que não seja Ele e sua Palavra.
Marta, ao contrário, “estava atarefada com os muitos serviços” (v.40). O verbo do texto original se emprega
unicamente aqui. Lucas o utiliza para expressar a grande tensão e agitação, digamos também a alienação, que
há nas coisas por fazer. Marta “se aproximou” (v.40, ao pé da letra em grego: “interrompeu”), interveio com
certa petulância, quebrando à quietude contemplativa das palavras de Jesus e da escuta de Maria. O seu falar é
quase uma recriminação dirigida ao Senhor, que, segundo seu restrito ponto de vista, não se preocupa de seu
“afogamento” entre as muitas tarefas das quais se ocupa. E é aqui onde Jesus aproveita a oportunidade para
censurar, não sua utilíssima entrega à tarefa, mas o afã e a preocupação que marcam de maneira negativa seu
serviço. Acaso Jesus já não havia dito em outro lugar: não vos preocupeis, nem pelo vestir nem pelo alimento,
não vos afaneis por nada (cf. Mt 6,25-34). Ao contrário, a propósito de Maria, afirma o Mestre que sua escolha
tem que ver com o único que conta. Esta única coisa é a escuta da Palavra (que em outro lugar é comparada
com a semente sufocada pelas sarças das preocupações e da avidez ansiosa). A melhor parte que nunca será
tirada ao que ama é o amor mesmo: o Senhor-Amor.
Gl 1,13-24 (O apelo de Deus) Após ter declarado, com uma cerrada argumentação, que seu evangelho é o de Cristo,
Paulo apresenta, por assim dizer, suas credenciais de apóstolo. Trata-se de um texto importante, de cunho
decididamente autobiográfico. O apostolo recorda aos gálatas o quão repentino e radical que foi sua mudança. De tenaz

defensor da Lei (como via de salvação) e de furioso perseguidor da Igreja de Cristo, se converteu em seu audaz
defensor. O Evangelho que Paulo prega agora, não encontra, em seu passado de judeu, raízes psicológicas e
sociológicas razoáveis. Não “floresceu” de suas profundas convicções, nem de sua prática de fariseu mais zeloso que
seus mesmos correligionários (v.14), aferrados em sua adesão à Lei. A revelação a caminho de Damasco (cf. At 9,1-19;
22,1-21; 26,9-18) dá, literalmente, um giro em seu pensamento e em sua ação. Não teve nisso nenhuma mediação,
nenhuma intervenção humana; Este é o “X” da questão. Paulo é consciente de que o Pai o elegeu e o chamou desde o
seio de sua mãe, em vista a um acontecimento absolutamente gratuito: anunciar aos pagãos a revelação de Jesus (cf.
vv 15-16). A tradução literal diz: “revelar seu Filho em mim”, e expressa melhor a revolução existencial que, a partir de
sua interioridade, experimenta Paulo, ainda que seus olhos tenham ficado cegos pela luz de Cristo ressuscitado. A sua
é, portanto, uma vocação profética (como a de Jeremias), à qual não opõe resistência. “Sem consultar homem algum”
(literalmente, o v.16 diz “sem consultar carne e sangue”), Paulo vai a Arabia, deixando-se comprometer, de imediato,
na aventura de anunciar a Jesus. A absoluta independência do Evangelho de Paulo com respeito a qualquer influencia
judia ou da Igreja de Jerusalém aparece destacada pelo fato de que, só em um segundo momento, sentiu a
necessidade de “conhecer a Pedro”, quando foi a Jerusalém, onde só ficou quinze dias (v.18). O que Paulo disse tem
todo o sabor da verdade profundamente acolhida e toda a luz de um acontecimento vivido em plenitude.
Salmo 138/139 (Homenagem ao Deus onisciente)
MEDITATIO: Na argumentação de Paulo aos Gálatas há um aspecto que toca, profundamente, meu viver.
Também eu fui eleito, chamado “desde o seio materno”, para viver a realidade batismal de minha opção como
filho, com tudo o que esta eleição e este chamado comportam: como inestimável dom da parte de Deus e como
compromisso perseverante de minha parte. Em um mundo marcado por uma grande confusão e por uma
sufocante e desesperada perda de “sentido”, em um mundo cuja realidade midiática (tão positiva em si mesma,
ainda que manobrada, a qualquer preço, pelas forças mais cegas da eficiência materialista) “imita” os “caminhos
da paz”, falsificando a vida e a morte, se faz urgente acolher a Palavra de Jesus. É em mim, em primeiro lugar,
onde a acolho; é em mim onde, dentro da prioridade contemplativa sugerida pela atitude de Maria no Evangelho
de hoje, escuto-a em tempos e espaços de indispensável quietude de todo meu ser. Urge anunciar. Hoje, mais
que nunca. Sem dúvida, a armadilha consiste em que os crentes mais comprometidos se deixem envolver por
um modo de fazer inquieto e preocupado. Precisamente o que Jesus censurou em Marta. É como se alguém
quisesse pescar agitando continuamente as redes, em vez de lançá-las ao mar aberto firmeza e serenidade.
Chegou o tempo de viver, na vida diária, a atitude de escuta orante de Maria, ainda que sem desatender o
genuíno serviço de Marta; ao contrário, animando-o e vivificando-o com esta tranqüila acolhida da Palavra. Sem
uma tenaz e humilde fidelidade à Palavra, orada pela manhã e vivida em cada serviço durante o dia, não há real
autenticidade, nem de vida cristã, nem de anuncio comprometido. É importante que esta persuasão invada todo
meu ser.
ORATIO: Senhor, nesta época, cujo sinal é o atordoamento produzido pela inflação de excessivas palavras
humanas, ajuda-me a ter um coração adorador e à escuta, como Maria, agachada a teus pés. “Tu me sondas e
me conheces”, tu me amaste e elegeste, já, “quando, ainda não habitava no seio de minha mãe”. Que eu o
perceba no coração, que eu viva sua força irradiadora e, dirigindo, o mais frequente possível, o olhar a ti, que
habitas no mais profundo de mim, possa, eu, anunciar, com a vida, que é formoso conjugar a contemplação de
Maria com o serviço de Marta, a escura da Palavra com a Palavra convertida em vida no curso dos dias.
CONTEMPLATIO: Escuta, filho, meu ensinamento e põe fim ao sono que pesa sobre ti. Sai do atordoamento
que te inunda de trevas. Por que seguir em trevas se está a tua disposição a luz? Por que beber a água turva, se
está ao alcance de teu coração a pura? […]. Não ames o ouro nem a prata e, se te agarra o afã, a preocupação,
lança-te só em Deus e reveste-te da sabedoria como um manto. Volta sempre ao Pai; não tenha um coração
altaneiro, mas sê, tu mesmo, um homem plasmado pelo logos (a Palavra de Deus). Vence a hipocrisia, a cobiça
e a vanglória. Não digas palavras arrogantes nem más, ao julgar, porque todo homem mau faz mal, antes que
nada, a seu próprio coração. Filho, vira tuas costas ao teu “homem velho” e, em Cristo, toma altura como águia.
(Abbá Silvano,El Egipcio)
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
Tenho confiança em ti, Senhor: tu operas através de mim”
PARA A LEITURA ESPIRITUAL Jesus não responde a nosso estilo de vida, marcado pelas preocupações, dizendo que
não deveríamos dedicar-nos tanto aos assuntos deste mundo. Não tenta afastar-nos dos acontecimentos, das
atividades e das pessoas que formam parte de nossa vida. Não disse que tudo o que fazemos é insignificante, carente
de valo ou inútil. Nem sequer nos sugere que nos retiremos de todas as atividade nas quais estamos comprometidos,
para viver em quietude distante das tensões do mundo. A resposta de Jesus às preocupações que cumulam nossa vida
é muito diferente. Pede-nos que transfiramos o centro de gravidade, que traslademos o centro de nossa atenção, que
mudemos a ordem de nossas prioridades. Jesus quer que nos traslademos desde as “muitas coisas” à única coisa
necessária”. É importante que nos demos conta de que Jesus não quer em absoluto que abandonemos nosso mundo,
tão complexo. Sua vontade é que vivamos nele, firmemente arraigados no centro de todas as coisas. Jesus não fala de
que mudemos de tipo de atividade o de que modifiquemos nossas relações, nem sequer de que diminuamos o ritmo.
Jesus nos fala de uma mudança de coração. De uma disposição diferente do coração que faça tudo diferente, ainda
quando tudo pareça seguir como antes. Isso significa: “Buscai primeiro o Reino de Deus… e todas estas coisas se vos
darão por acréscimo”. O que conta é o emprego de nosso coração. Quando nos assaltam as preocupações, nosso
coração se encontra no lugar equivocado. Jesus nos pede que traslademos o coração ao centro, ali onde todo o mais
está em seu lugar (H.J.M. Nouwen, Invito alla vita spirituale).

QUARTA-FEIRA, 09 DE OUTUBRO DE 2019
Lucas 11,1-4
( O Pai nosso) Fala-se aqui de um tempo e lugar indeterminados, onde Jesus está orando.
De fato, é possível orar em todo lugar e em todo tempo, ainda que tenha tempo e lugar expressamente próprios
para a oração. Apenas acabou, um dos discípulos lhe pede que os ensine a orar. O que surpreende, comparando-
se com Mateus, é a invocação de abertura: ”Pai” e não “Pai nosso”. Lucas põe, assim, o acento na palavra Pai,
que no texto original é Abba, termo arameu muito terno que significa “papaizinho”, hoje. Não é casual que este
termo apareça 180 vezes nos Evangelhos. Introduz, pois, um modo de relacionar-se com Deus marcado pela
maior confiança, típica da criança seus pais. Dirigir-se a Deus chamando-o “Pai” é deixar-se fundir com Jesus, o
Filho por excelência; é entrar em sua ímpar relação de amor com o ternissimo Abbá. Para nós cristãos, isto é a
oração por excelência. “Santificado seja teu nome” é pedir que Deus, Criador e Pai, seja glorificado por todos e
em todos: tanto pelos que são inteligentes e cultos como pelos que não o são, no mundo dos homens e em todo
o cosmo. É potenciar o homem, que, só buscando a glória de Deus e não a sua, realiza a si mesmo e entra em
comunhão com Deus, com os homens, com o cosmo. “Venha o teu Reino”: toda a história, de modo consciente
ou não, é aspiração ao Reino, que “não consiste no que se come ou bebe; consiste na força salvadora, na paz e
na alegria que procedem do Espírito Santo” (Rm 14,7). Vem, a seguir, a petição do “pão que necessitamos”. O
pão é o elemento vital. Se ele permanece só “meu” se torna fonte de morte. Mas, se, ainda que tenha sido ganho
com o suor do rosto (cf. Gn 3,19; 2 Ts 3,6-13), é compartilhado, faz crescer. Tanto mais quando se trata do pão
“supersubstancial” que se levanta no memorial da assembléia eucarística (cf. At 2,14), alimentando em todos a
espera da volta de Cristo. “Perdoai-nos nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo o que nos
ofende”: o perdão de Deus se liga à nossa atitude de perdão, como a raiz da arvore. A raiz de nossa capacidade
de perdoar está em saber-nos perdoados sempre por Deus, com uma misericórdia que ultrapassa tudo o que nos
é possível imaginar e desejar. Por outra parte, só nossa atitude de perdão para com os irmãos faz possível que a
vida de Deus flua em nós.“Não nos deixe cair em tentação” é uma expressão tipicamente aramaica. Deus é Pai e
não cabe imaginar que queira colher-nos na armadilha da tentação. Nossa petição é mais para não sucumbir
quando somos provados e tentados em nosso estado de grande debilidade. Sabemos que o Pai nos escuta
porque “podeis confiar que Deus não permitirá que sejais postos à prova acima de vossas forças” (1Cor 10,13).
Gl 2,1-2.7-14 (Assembleia de Jerusalém; Pedro e Paulo em Antioquia) No texto de hoje continua o tom
autobiográfico. Passados 14 anos, Paulo se dirige a Jerusalém, acompanhado por um levita de Chipre chamado José, a
quem os apóstolos puseram o nome de Barnabé (= filho da consolação). Este acompanhou depois a Paulo durante todo
o primeiro período de sua atividade evangelizadora. Aqui o apostolo leva consigo, também, Tito, um grego cristão que
reconciliou Paulo com a Igreja de Corinto (cf. 2 Cor 3,13;7,6.13ss) e que não estava circuncidado. A espinhosa questão
da circuncisão, que Paulo dizia que não havia que impor aos novos cristãos, enquanto que em Jerusalém havia quem
dizia o contrario, encontra nele sua expressão fundadora: liberdade em tudo aquilo que não faz parte do ensinamento
de Cristo. Em consequência, Paulo expõe aos chefes de Jerusalém seu Evangelho. O expõe porque não quer “cansar-se
inutilmente” (v.6). É um grave momento o que vive a Igreja das origens quando da vinda de Paulo a Jerusalém. É
tempo de consolidar comunhão. O texto o expressa com o fato de dar-lhe a mão, Pedro, Tiago e João, chamados
“colunas” (styloi: v.9) talvez porque governavam, colegiadamente, a Igreja-mãe, que estava em Jerusalém. Existe,
portanto, um pleno acordo no repartir das áreas de evangelização: para as “colunas”, os circuncisos; para Paulo e seus
companheiros, os pagãos. Se existe uma recordação, é a relacionada com mostrar-se atento com os pobres, coisa que
Paulo teve muito em conta (v.10). Vem, agora, a acalorada discussão do convertido de Damasco. Não pode aceitar que
Pedro, chegado depois a Antioquia, se deixe dominar pelo medo dos cristãos judaizantes e comece, deixando-se quase
escravizar com isso, a não frequentar a mesa dos cristãos convertidos do paganismo, que se consideravam justamente
livres de tomar qualquer tipo de alimentos. Também aqui emergem duas realidades: a primeira é a tomada de posição
de Paulo, franca e livre de toda simulação, na hora de dizer sua verdade, ainda que seja a Pedro, o qual “vacila”, nesta
ocasião, quanto a sua prática de crente; a segunda é a esplêndida realidade da mensagem de Cristo, que é sempre
liberdade, com respeito a todo formalismo, exterioridade, hipocrisia e contrição.
Salmo 116/117 (Convite ao louvor) – Este pequeno Salmo confirma o ditado popular: “os melhores perfumes estão
nos menores frascos”. Podemos dizer que nesta oração, que manifesta a alegria do homem de fé, está a síntese de toda
a Escritura. Nossa vida foi feita para louvar a misericórdia, a fidelidade e a misericórdia de Deus. Tais palavras devem
estar sempre presentes na nossa oração. Nunca devemos nos esquecer que Deus é misericórdia e verdade. Hoje há
quem faça confusão com relação a isso; não é possível ter um coração grande que encobre a injustiça e o pecado. A
misericórdia nunca esconde a verdade. Este Salmo de aleluia era cantado na ceia pascal e manifesta a necessidade da
Igreja de missionar. Nenhum povo ou indivíduo é excluído do anúncio da verdade e do Evangelho.
Senhor, quero poder cantar este Salmo de cor, rezá-lo cotidianamente para me lembrar que tu és misericórdia e
verdade e que nos envias para sermos teus missionários, para anunciar que o teu amor não pode permanecer
escondido, mas deve ser revelado a todos. Amém.
MEDITATIO: O que mais me impressiona no texto da carta aos Gálatas é a liberdade com respeito a tudo o que
não seja o Evangelho de Cristo e seu ensinamento, precisamente, libertador. Todo formalismo, opressão e
oportunismo ou tradicionalismo vazio de alma são queimados por seu fogo. Existe em Paulo uma apaixonada
adesão a Cristo e à sua verdade. Nada, nem ninguém, lhe ata. Nem sequer o temor de perder seu prestigio em
sua confrontação com Pedro. Exerce, sem mais, a correção fraterna com o próprio Pedro, não para fazer triunfar
sua idéia, mas para que triunfe o esplendor da coerência entre o Evangelho e a vida. Também é urgente que
instauremos no interior de nossas comunidades cristãs e religiosas esta parresia, esta franqueza de relações,
esta busca da verdade de Cristo, como escuta das urgências do Reino e não de nossos pequenos e mesquinhos
interesses. Está claro que só em espaços e tempos preciosos de oração se consegue a coragem necessária para
fazer soltar travas, vínculos, assim como velhas incrustações e confusões que contaminam a verdade pura do
Evangelho e escravizam nosso coração. Se oro ao Abbá, ao ternissimo Pai, meu e dos irmãos, se peço que seja
glorificado, como convém, e que seu Reino de justiça, de amor e de paz venha, também, por meio de minha
pequena vida, terei, certamente, a força para chegar a ser cada vez mais, na parte da Igreja em que vivo, o que

hoje estou chamado a ser. Por certo, não um ponto de polêmica soberba destruidora, em si mesmo e nos outros,
mas uma pessoa tão unida a Jesus, tão embebida de todo seu humilde amor, que não teme o possível
ressentimento de quem é corrigido por amor. Repetir, também, com frequência, durante o dia: “Venha teu
Reino”. Esta ardente petição do Pai- nosso é um segredo de energia espiritual para querer o Reino e buscá-lo em
toda atitude pessoal e de relação.
ORATIO: Ó Jesus, dissestes que se escutamos e vivemos tua Palavra conheceremos a verdade, “e a verdade nos
fará livres” (cf. Jo 8). Concede-nos, pois, orar e viver a ardente petição: “Venha teu Reino”, que é verdade e
liberdade, tanto de Deus como do homem. Concede-nos pedir com tal perseverança que se converta, não só na
inspiração-desejo do coração, mas, também, na coragem e no compromisso libertador de todo nosso modo de
agir e de relacionar-nos com aqueles que, como nós, serão Igreja em caminho para os esplendores do Reino.
CONTEMPLATIO: Os fundamentos espirituais do futuro devem encarnar-se num novo estilo de vida, feito,
simultaneamente, de humildade sem orgulho, de ascese sem fantasia, de verdade em meio da caridade mais
incondicional. Um estilo real, ainda que sem esquecer que ser cristão no mundo, tal como é e tal como será,
exigirá sempre certa “loucura” […]. Um estilo que exigirá a mais elevada ascese, porque será preciso toda a
força do Espírito para que o homem possa ter poder sobre seu próprio poder […]. Um estilo no qual se respire o
Espírito Santo, no qual se dance a vida, pois Cristo ressuscitou (O. Clemente, Fundamento espiritual do futuro)
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra: “Venha teu Reino” (Lc 11,2c)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL Quando a sós ou com outros, não sabemos como orar, nos tranquiliza saber que se
pode orar com quase nada. As vezes nossos lábios permanecem fechados, ficamos em silêncio, mas nossa alma está
aberta ante Deus, lhe fala, e o Espírito ora em nós. Há outros valores que façam bela a vida? Está a simplicidade do
coração, que leva à simplicidade da vida. Um dia ouviu Cristo a um crente que dizia: “Creio,mas aumenta a minha fé”.
Cristo compreende estas duvidas e este pedido de ajuda, já que havia dito no evangelho: “Quem de vós, por mais que
se preocupe, pode acrescentar uma só hora a sua vida?” Assim compreendemos que o essencial é viver com toda
simplicidade o pouco, o pouquíssimo que tenhamos colhido do evangelho. Com meus irmãos, tanto os que vivem aqui
em Taizé como os que vivem entre os mais pobres em distintas partes do mundo, tenho consciência de que nossa
vocação nos chama a ser simples, como pobres do Evangelho. Isso significa não impor-nos, não ser mestres espirituais,
mas homens que escutam para entender os outros e discernir neles a beleza profunda do espírito humano. Uma das
afirmações mais luminosas de nosso tempo foi pronunciada no ultimo concilio:“Cristo está unido a todo ser humano
sem exceções, ainda que estes não tenham consciência disso”. De fato, há na terra multidões de pessoas que ignoram
que Deus nos busca incansavelmente. O sabemos bastante? Todos podemos fazer a vida àqueles que estão próximos
ou distantes de nós. Como? Com nossa acolhida, com a simplicidade de nosso coração e de nossa vida (de Taizé).
QUINTA-FEIRA, 10 DE OUTUBRO DE 2019
Lucas 11,5-13
( O amigo importuno; a eficácia da oração) Não é casual que Lucas insira esta
reflexão de Jesus sobre a oração imediatamente depois do Pai-nosso, a oração por excelência do cristão. Em
efeito, agora se trata de aprender qual deve ser a atitude interior do que se dirige a um Deus que é Pai e
profundamente amigo do homem. O ensinamento está colorido com duas pequenas, ainda que vivazes,
parábolas: a primeira é a do que vai a meia noite a casa de um amigo. A petição a essa hora, em condições
incomodas para quem deve abrir a porta de sua casa, não pode ser atendida de imediato. O acento do relato
está posto na insistência de quem sabe que chama ao coração (mais que à porta) de um grande amigo com
confiança, com a certeza confiada de obter.A mensagem está aqui. A segunda parábola aprofunda na
categoria da paternidade usando vivas imagens de contraste: pão/pedra, peixe/serpente, ovo/escorpião. O
peixe, como o pão é símbolo de Cristo; a serpente evoca a serpente de Gn 3, o inimigo por excelência do
homem. O ovo é símbolo da vida; o escorpião, que leva o veneno na cauda, evoca a morte. A serie de verbos,
fortemente correlacionados entre si, que aparecem depois da primeira parábola – “Pedi e recebereis; buscai e
encontrareis; chamai e vos abrirão” – quer persuadir-nos de que a oração nunca é uma perda de tempo nem um
desafio a um deus distante e surdo. A oração tem sempre uma resposta positiva. Contudo, deve ser
perseverante (cf. Lc 18,1). A pergunta de Jesus que aprece depois da segunda parábola supõe uma interpelação
a nossa sensibilidade mais profunda. Sabemos que não somos bons por natureza; sem duvida, o vinculo da
paternidade é tal que um pai, pelo fato de ser, não pode mais que dar coisas boas e positivas a seu filho.
Atenção! O mais positivo, o bem por excelência, é o dom dos dons: o Espírito Santo, que se concede sempre a
quem ora. Isso é o que diz Lucas, diferente de Mateus, que fala ao contrário, de “coisas boas” (Mt 7,11). Ainda
que a oração pareça não ter resposta segundo nossa lógica, sempre excessivamente “terrena”, na realidade
sempre é escutada. O fato de que Deus dê seu Santo Espírito a quem ora significa que o dom inclui todo
verdadeiro bem em ordem à salvação.
Gl 3,1-5 (A experiência cristã) – Para compreender a invectiva de Paulo, tão irritado com os gálatas, é preciso
recordar que este pai e mestre de sua fé vive para comunicar sua convicção fundamental: “Sabemos, sem dúvida, que
Deus salva ao homem não pelo cumprimento da Lei, mas através da fé em Jesus Cristo. Assim que nós temos crido em
Cristo Jesus para alcançar a salvação por meio dessa fé em Cristo e não pelo cumprimento da Lei. Em efeito, pelo
cumprimento da Lei nenhum homem alcançará a salvação” (2,16). Paulo interpela aos gálatas para que reflitam sobre
sua insensatez: a de voltar a ser devedores da Lei como se não tivessem conhecido a “Jesus Cristo cravado em uma
cruz” (3,1), fonte única da salvação. Paulo sabe que é possível viver neste mundo, que é possível viver na carne (ou
seja, plenamente encarnados na própria realidade física, psíquica e sócio-cultural), ainda que vivendo ao mesmo tempo
“crendo no Filho de Deus, que me amou e por mim se entregou” (2,20). E o horizonte muda por completo. É como
passar de uma câmara na qual estamos obrigados a acionar uma manivela para poder respirar em um lugar aberto
inundado pelo sol e pelo vivificante ar do mar. Precisamente por isso o Deus que concede o Espírito e opera maravilhas
(cf. 3,5) também entre os gálatas opera em ordem a um crer que se torne operativo, a continuação, na caridade, ainda
que nunca em virtude de um voluntarista “justificar-se” pelas obras prescritas pela Lei. Está claro que o fato de que os

gálatas creiam em Cristo e em seu Evangelho, anunciado por Paulo, não significa que devam omitir o cumprimento dos
mandamentos da Lei (não roubar, não levantar falso testemunho, não atentar contra nossa própria vida nem contra a
dos outros, etc). Crer significa – como disse Paulo – ser crucificados em nossa própria parte egoísta até poder dizer: “Já
não vivo, mas que é Cristo quem vive em mim” (2,20). É evidente, portanto, que, em virtude dele e com ele, não só
omitiremos fazer o mal, mas que tentaremos, com o amor do Espírito, realizar todo o bem possível.
(Sl) Lc 1,69-75 (O Benedictus) O Evangelista São Lucas apresenta esse hino como profecia inspirada. Alguns
sacerdotes foram profetas de profissão, como Jeremias e Ezequiel. Zacarias o é numa só ocasião (…). O cântico é
composto em puro estilo bíblico repleto de citações e reminiscências, como síntese teológica: (a) No princípio houve a
promessa feita com juramento a Abraão: Deus se compromete com ele, e a história vai tendo cumprimento
progressivo. (b) Depois, a promessa se materializa na forma jurídica de um pacto mútuo “com nossos pais”; pela
lealdade ao Senhor, o povo não foi aniquilado por seus inimigos. (c) Um dia essa promessa se concretiza na promessa
feita a Davi de fundar-lhe uma dinastia ou “casa”; A dinastia, aparentemente, interrompida, renasce, porque Deus
“suscita” nela uma força salvadora. (d) O Messias restaura a dinastia davídica, renova a aliança sinaítica, cumpre a
promessa patriarcal. (…) O Senhor vem “resgatar” novamente o seu povo, segundo sua função tradicional. Tratando-se
de homens, é resgate de alguma escravidão… Sem dar nomes, supõe que vários profetas anunciaram o Messias. Deus
se “recorda” leva em conta a sua aliança, é coerente com seu compromisso. Promessa com juramento, aliança em
forma de compromisso unilateral. Traduz as promessas patriarcais em termos de serviço autêntico. Livrará do “temor” e
do pecado para uma vida “a serviço”, também cultual, do Senhor.
Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque a seu povo visitou e libertou e fez surgir um poderoso Salvador na casa
de Davi seu servidor, como falara pela boca de seus santos, os profetas desde os tempos mais antigos, para salvar-nos
do poder dos inimigos e da mão de todos quantos nos odeiam. Amém
MEDITATIO: Um exasperado antropocentrismo e um secularismo que gesticula sem resultado algum dentro de
um afanoso “traficar” exclusivamente humano marcam em nossos dias um ambiente sociocultural no qual faltam
pontos de referencia e as bases estruturais do pensamento e da ação. Paulo a empreenderia também conosco
quando, segundo as imposições dos meios de comunicação em que estamos mergulhados, cremos salvar-nos a
força de corre para fazer este ou o outro, projetando e verificando por nós mesmos, cegos seguidores com
excessiva frequência de um mundo tecnologizado, porém não iluminado, penetrado e mantido pelo Espírito do
Senhor e por seus tempos de oração. Sem duvida, é possível, e urgente, renovar agora este ranço e pernicioso
abdicar da autenticidade do próprio Evangelho dilatando o coração a uma fé que seja um confiado e confidente
gritar a Deus. O que nos faz falta para viver essa novidade de vida, que se joga toda ela no “não” às
perspectivas do egoísmo e no “sim” à verdadeira expansão de nosso “sim”, que é o compromisso de amar, só o
obteremos se nos mostramos decididos e sérios na hora de ter tempos preciosos de oração. Querer ser realistas
e concretos constitui precisamente a oferta do que prega também, hoje, o mundo do materialismo mais
asfixiante. A realidade é crer que, se busco junto a Deus, encontrarei certamente; se peço a ele, que é Pai,
obterei; se chamo à porta de seu coração, me abrirá e entrarei nas perspectivas de seu Espírito, que consistem
em crê de verdade que “ele nos amou primeiro” (1 Jo 4,19), que ma salvou com independência de minha
santidade e de minhas falhas. Cultivar a fé porque somente dela procede a salvação (cf. Gl 2,16), orando
sempre, sem cansar-se nunca (Lc 18,1), é encontrar as bases reais e concretas para inovar o hoje em Cristo e
prever uma amanhã de autenticidade cristã.
ORATIO: Senhor, rogo-te que aumentes minha fé. Em um mundo, por uma parte, ébrio de seus próprios êxitos
científicos e tecnológicos e, por outra, incerto, desesperado em seus próprios egoísmos, concede-me
fundamentar plenamente em ti meu pensamento e minha ação. Concede-me a lucidez de um pensamento forte e
verdadeiro por estar sustentado pela verdade de teu Espírito Santo e, também, a audácia de um agir honesto e
bom, todo ele penetrado pela força da caridade, que só teu Espírito pode derramar em meu coração, se estou
livre do orgulho de crer-me bom.
CONTEMPLATIO: Ser como criança ante Deus é reconhecer nosso próprio nada e esperar tudo dele, como uma
criança que espera tudo de seu pai; é não inquietar-se por nada, não querer ganhar riquezas […]. Ser pequeno
significa também não atribuir-se em absoluto as virtudes que praticamos, crendo-nos capazes de algo, mas
reconhecer que o bom Deus põe todo tesouro nas mãos de seu filho para que se sirva dele quando tenha
necessidade. Com tudo, é sempre um tesouro do bom Deus. Por ultimo, não há que desanimar em absoluto por
nossas próprias culpas, porque as crianças caem a menudo, porém são excessivamente pequenas para fazer-se
demasiado mal (Teresa de Lisieux, Opere complete, Ciudad Del Vaticano 1997, pp. 1060ss [edición española:
Obras completas, Monte Carmelo 1990]).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
“Jesus, eu confio em ti. Obtêm-me do Pai o Espírito Santo”
PARA A LEITURA ESPIRITUAL Chamar a Deus “Abbá, Pai” (cf. Rm 8,15; Gl 4,6) é algo diferente a dar a Deus um
nome familiar. Chamar Deus Abbá significa entrar na mesma relação intima, livre de medo, confiada e rica, que Jesus
mantinha com seu Pai. Essa relação se chama Espírito e esse Espírito nos foi dado por Jesus e nos faz capazes de gritar
com ele: “Abbá, Pai”. Chamar a Deus Pai “Abbá, Pai” é um grito do coração, uma oração que brota do mais intimo de
nosso ser. Não tem nada que ver com o fato de dar um nome a Deus, mas que é proclamar a Deus como fonte de
nosso ser. Esta declaração não procede de uma intuição inesperada ou de uma convicção adquirida, mas que é a
declaração de que o Espírito de Jesus está em comunhão com nosso espírito. E… uma declaração de amor. O Espírito, a
continuação, não nos revela só que Deus é Abbá, Pai”, mas também que pertencemos a Deus como filhos seus amados.
O Espírito nos restabelece assim na relação da qual todas as outras relações tomam seu significado. Abbá é uma
palavra muito intima. Expressa confiança, segurança, confidência, pertença e o máximo da intimidade. Não tem a
conotação de autoridade, de poder e de domínio que evoca com frequência a palavra “pai”. Ao contrário, Abbá implica
um amor que nos envolve e alimenta. Este amor inclui e transcende infinitamente todo o amor que nos vem de nossos
pais, mães, irmãos, irmãs, esposos e seres amados. É o dom do Espírito (H.J.M. Nouwen, Pan para El viagem: uma guia
de sabeduria e de Fe para cada dia Del año, Edicioes Obelisco, Barcelona).

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