ESTUDO BÍBLICO SEMANAL DE 05 A 10 DE NOVEMBRO DE 2018

31ª Semana do Tempo Comum – Ano B

Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM

SEGUNDA-FEIRA
João 11,32-45

O CAMINHO DE AMIZADE E FÉ QUE RESSUSCITA

“Lázaro, sai para fora!”

É importante que tenhamos presente que neste texto nem tudo se reduz ao “milagre” da ressurreição de Lázaro, mas que há toda uma dinâmica interna, na qual vêm à luz diversas atitudes ante a morte dos seres queridos, e ante a que nos aguarda a nós mesmos.

Algumas características notáveis do relato da ressurreição de Lázaro são: (1) Trata-se do chamado da morte para a vida, realizado pelo poder de sua Palavra; (2) Jesus o realiza por um amigo e em meio a um círculo de amigos; (3) Ocorre na presença de muitas testemunhas; (4) As testemunhas participam na ação mesma.

Porém, o mais belo de tudo foi o modo como procedeu Jesus. Nos sinais anteriores, Jesus realizou primeiro o sinal e logo, por uma pedagogia dedutiva, o Mestre foi conduzindo para sua compreensão, com a consequente resposta de fé. Neste sinal, Jesus faz diferente: vai explicando progressivamente o sentido do sinal que Ele vai realizar, mediante diálogos sustentados com personagens chaves, para culminar com a realização do sinal. Desta vez Jesus aplica uma pedagogia indutiva.

A partir da observação anterior, podemos dizer que o relato da ressurreição consiste numa iniciativa progressiva à fé em Jesus, o único com poder sobre a morte e é Senhor da Vida.

De fato, Jesus vai se revelando como Senhor da Vida (Páscoa) dos seguintes personagens: (a) Os discípulos (11,7-16); (b) Familiares do defunto Lázaro (11,17-37), sobretudo Marta (11,17-27) e Maria (11,28-37); (c) O povo (os judeus), que aparecem contemporaneamente a Maria (11,28-37).

Não só os personagens que vão passando frente a Jesus, mas, também, os lugares, nos quais se move, são significativos. Ainda que o relato aponte para o encontro de Jesus com a morte do homem, pela maneira como está contextualizado, vemos como este nos anuncia que também está em jogo a vida de Jesus: Jesus dá vida arriscando sua própria vida.

Em Jo 10,39, conta-se como os inimigos de Jesus tentam, sem êxito, atrapalhá-lo em Jerusalém; logo em 10,40 nos informa que Jesus permanece na margem oriental do rio Jordão protegendo sua vida. É, justamente aí, nesse momento tenso, onde começa o relato da ressurreição de Lázaro, o qual supõe o regresso de Jesus às imediações de Jerusalém, ali onde sua integridade pessoal está ameaçada.

Entretanto, enquanto Jesus realiza o sinal da ressurreição de Lázaro, vemos que se reúne o Sinédrio para decidir a morte de Jesus. Decidem: “convém que morra” (vv.47-44). Porém, apesar de tudo, apesar deste marco contextual de conflito e pregação da morte de Jesus, o tema do “crer” em Jesus é o que realmente marca o relato (ver 10,42 e 11,45).

  1. Aprofundando o texto

As cinco etapas do itinerário de fé na ressurreição

  • 1ª etapa: Jesus recebe a notícia da morte de seu amigo (vv.1-6)
  • 2ª etapa: Jesus prepara seus discípulos para o sinal que está a ponto de realizar (vv.7-16)
  • 3ª etapa: Jesus se encontra com as irmãs de Lázaro e com o povo (vv.17-37)
  • 4ª etapa: Jesus realiza o sinal da ressurreição de Lázaro (vv.38-44)
  • 5ª etapa: O povo reage ante o sinal (vv.45-46)

Abordemos, então, as três últimas etapas que abarcam o texto de hoje: Jo 11,32-45

3ª etapa: Jesus se encontra com as irmãs de Lázaro e com o povo (vv.17-37)

  • O Encontro de Jesus com Maria (vv.28-32)

O encontro de Jesus com Maria, por sua parte, tem as seguintes características: (1) Jesus toma a iniciativa: ele a “chama”; (2) Vai acompanhada de seus visitantes judeus onde está Jesus; (3) Não consegue sair de sua dor, não chega à fé na ressurreição.

Marta a chama (v.28). A atitude de Maria, na chegada de Jesus à Betânia é diferente da de Marta: enquanto Marta se põe a caminho ao encontro do Mestre, Maria permanece em casa (v.20b). Maria permanece encerrada em sua dor. Sua tristeza a imobiliza, diferentemente de sua irmã, não vislumbra uma esperança.

Entretanto, sua atitude não é, de todo, fechada, ela consegue reagir ante a voz do Mestre que a chama (v.29). Vai acompanhada de seus visitantes judeus até Jesus (v.31b). O povo que vem consolá-las é a causa de todo o alvoroço que caracteriza a cena: prantos, gritos de desespero, profunda tristeza. Como aponta o v.33: “também choravam os judeus que a acompanhavam”. Diferentemente de Marta, Maria não consegue desprender-se do ambiente fúnebre que a rodeia.

Não consegue livrar-se de sua dor, não chega à fé na ressurreição: “Senhor, se estivesses…” (v.32). Maria faz algo que não faz Marta: “caiu a seus pés” (v.32). O gesto talvez indique reconhecimento e adoração a Jesus, mas suas palavras dizem que sua fé é ainda insuficiente. Suas palavras são idênticas as primeiras de Marta (ver v.21): há fé, mas também desilusão.

Provavelmente, isto tenha sido tema familiar e ambas falam a mesma linguagem. Mas, Maria, também, não se abre à esperança, não chega à confissão de fé de sua irmã, segue perplexa ante a morte. Maria compreenderá, plenamente, na manhã da ressurreição, ocasião em que será, novamente, chamada por seu Amigo-Mestre.

  • Jesus e o povo (vv.33-37)

O povo esteve como pano de fundo dos encontros anteriores. O povo tem as seguintes características:(1) “Consola” às irmãs, mas não transforma a situação; (2) Observa o amor de amigo de Jesus; (3) Critica a Jesus.

O povo que rodeia Marta e Maria vem ao velório para expressar suas condolências e ser solidário com a família (vv.19.31). Mas seu consolo não é, verdadeiramente, efetivo porque não conseguem eliminar a causa da tristeza, a situação continua igual, inclusive o povo também fica atrapalhado, sem saber o que fazer diante da dor (v.33). Ao contrário, Jesus é o que, verdadeiramente, “consola”, pois sua vinda não é para dar um “sentido de luto”, mas, sim, para vencer a morte e dar a vida eterna. A presença e a intervenção de Jesus mudam, substancialmente, a situação de tristeza, em gozo.

Mas, há um momento onde todos choram: Maria, o povo e ainda Jesus (v.33a). A reação de Jesus aparece como um contágio da dor de Maria (v.33a) e nela podemos distinguir: (1) A atitude interna: “comoveu-se interiormente, turvou-se” (v.33b); (2) A expressão externa: “pôs-se a chorar” (v.35).

O povo vê, interpreta e conclui: “Vede, como ele o amava” (v.36). Mas o que em um primeiro momento é motivo de admiração, imediatamente se torna objeto de crítica: “Este, que abriu os olhos do cego, não podia fazer com que este não morresse?” (v.37).

Trata-se de uma atitude diametralmente oposta à de Marta, enquanto esta crê uma parte do povo se fecha perante Jesus. Os judeus da passagem somente sabem ver uma possível debilidade e falha em Jesus.  Entretanto, aqui há uma lição: a morte é necessária.

A ressurreição pressupõe a morte, por isso Jesus referiu-se à morte (tão duradoura) como se fora um sono (ver vv.11.13) e, de fato, é uma vitória sobre ela. A promessa de Jesus não é a de evitar a morte, mas a de não deixar que esta se constitua na última palavra sobre a história humana.

4ª etapa: Jesus realiza o sinal da ressurreição de Lázaro (vv.38-44)

Este é o momento no qual Jesus se coloca frente a frente com a morte. Agora demonstra que esta não é de nenhuma maneira um limite para ele: Jesus tem poder sobre a morte. Jesus está ante o sepulcro profundamente comovido (v.38).

Chamam a atenção algumas características da realização do sinal: (1) Recebe ajuda dos homens; (2) Responde à objeção de Marta com um chamado ao ato de “crer”; (3) Invoca a ajuda de Deus na oração; (4) Chama Lázaro para fora do sepulcro; (5) De novo pede ajuda.

Jesus deixa-se ajudar. No começo e no final, o povo se envolve no sinal: colabora tirando a pedra do sepulcro (11,39) e, depois, desata as ataduras e o sudário de Lázaro, para que, uma vez ressuscitado, possa andar (11,44).

Jesus responde à objeção de Marta. Uma vez que se abriu a tumba de Lázaro e se assistiu ao pranto de Jesus, notamos ainda um breve intercâmbio de palavras entre Jesus e Marta.

Quando Jesus diz “Tirai a pedra” (11,39ª), em seguida Marta põe uma objeção: “Senhor, já cheira mal; é o quarto dia” (11,39b). O quarto dia depois da sepultura é quando, segundo a crença rabínica, o corpo regressa definitivamente ao pó da terra, ou seja, quando a morte é completa e irreversível.

O sinal, como a totalidade do encontro com Jesus, se realiza como um itinerário que desemboca no “crer”. Por isso, Jesus responde à Marta: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (v.40). Somente crendo n’Ele, se abre o espaço para a realização da obra de salvação.

Crer é reconhecer o vínculo estreito que há entre o Pai, a quem ninguém viu (1,18), e Jesus, que é o narrador por excelência do mistério e do projeto de Deus. Jesus ora ao Pai, chama a atenção, em seguida, a oração de Jesus (vv.41b-42). É a primeira vez que sucede no Evangelho (depois será em 12,27-28 e 17,1-26).  Em meio à situação de morte, Jesus deixa clara como é sua relação com Deus.

O conteúdo de sua oração é o seguinte: (1) “Pai, dou-te graças por haver-me escutado” (v.41b). Jesus dá graças ao Pai, pois o “escutou”; (2) “Já sabia que tu sempre me escutas” (v.41c); e,  (3) “Mas eu o disse por estes que me rodeiam, para que creiam que tu me enviaste” (11,41c).

Jesus tem um coração agradecido; está seguro de sua união com o Pai, e não tem necessidade de que esta se demonstre, com um sinal evidente para tudo. Jesus tem um coração livre; deixa claro que o que busca é que as pessoas creiam. Jesus tem um coração de mestre.

Jesus manda Lázaro “sair” com o poder de sua Palavra. Depois de proclamar ao mundo sua unidade perfeita com o Pai, Jesus fala com solenidade o imperativo: “Lázaro, vem para fora!” (v.43). Esta é a palavra que todo crente escuta ao sair da fonte batismal e que o faz passar da antiga vida a uma nova existência; é a palavra que todo crente escutará ao final desta vida: “Vem a hora em  que todos os que se acham nos  sepulcros ouvirão sua voz e sairão…” (5,28-29ª).

De novo Jesus se faz ajudar. Dois imperativos mais se escutam finalmente nos lábios de Jesus dirigidos à gente que está vendo a cena: “Desatai-o e deixai-o andar” (v.44). Também eles, participam mediante um gesto de liberação, daquilo que não deixa Lázaro sair de sua situação de morte (as ataduras) e empreender seu caminho (“andar” é sinal de vitalidade).

5ª etapa: O povo reage ante o sinal (vv.45-46).

O povo que aparecia como um grupo coeso (exceto 11,37) no episódio anterior, agora se divide: Uns “vendo” o sinal “creram” (11,45); outros foram delatar Jesus ante as autoridades (v.46; não se lê na liturgia). Novamente ficamos, como leitores, ante a encruzilhada na qual costuma colocar-nos João.

Neste ponto final, o “crer” retoma os elementos mais importantes de todo o itinerário:

  • Jesus havia dito desde o princípio que a enfermidade e morte de Lázaro, eram para a “Glória de Deus” e a “Glorificação do Filho” (v.4). Para João esta “glorificação” ocorrerá plenamente na Páscoa de Jesus; eis um sinal antecipado que se compreenderá totalmente só na ressurreição de Jesus: na qual não haverá retrocesso, a vitória sobre a morte será total e definitiva.
  • O jogo dos equívocos e das expressões com duplo sentido, que vão aparecendo ao longo do relato, pretende levar o leitor a uma compreensão mais profunda dos acontecimentos, à luz da fé. A vida de discipulado pede sempre esta clarificação-iluminação interna.
  • Jesus vai ao encontro da morte, não somente da de Lázaro, mas também da sua. A ressurreição de Lázaro é um anúncio da morte de Jesus, que para dar vida arrisca a própria. Os discípulos seguirão este mesmo caminho: “Vamos também nós para morrer com ele” (v.16).
  • O diálogo sucessivo com as duas irmãs, oferece luminosa revelação sobre a identidade transcendente de Jesus. Enfatizando o “Eu sou” divino (de Êx 3,14-15) se proclama abertamente: “Eu sou a Ressurreição” (v.25). Esta vida plena, Jesus a partilha com todo o que “vive” e “crê” n’Ele (v.26). Concede-a como “Cristo” e “Filho”, enviado pelo Pai ao mundo para vivificá-lo (11,27).
  • A esta revelação de Jesus se lhe responde com uma clara e inequívoca confissão de fé, à maneira de Marta: “Sim, Senhor, eu creio que tu és…” (v.27).
  • Em sua oração ante o sepulcro de Lázaro, Jesus não pede senão que manifeste ante o mundo sua unidade perfeita com o Pai. O “crer”, submergirá o crente nessa mesma comunhão entre o Pai e o Filho, por meio do Espírito, ali de onde provém e para onde aponta toda a vida.
  • Jesus manda Lázaro “sair” e “pôr-se a caminho”. Isto mesmo aconteceu antes com as duas irmãs: cada uma delas, à sua maneira, saiu vivendo previamente sua ressurreição na fé: “Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (v.25b). A ressurreição de Lázaro, na realidade, é a conclusão do processo de ressurreição na confissão do batismo que viveram suas irmãs.

Enfim… Agora chega a vez do leitor do evangelho. Sobre os pressupostos estabelecidos na página evangélica, cada um está convidado a dar um passo à frente, em sua vida como discípulo do Senhor, abrindo-se ao encontro vivo com Jesus ressuscitado, quem hoje, como ontem, segue vindo ao nosso encontro pascal e eucarístico como dom da vida: sua própria vida.

  1. Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
  • Na passagem ocorre uma grande ênfase no caminho da fé. Como e por que Jesus quer levar à fé (ao “crer”) aos seus discípulos, a Marta, a Maria e ao povo?
  • Que relação há entre o “crer” e o viver em profunda relação (comunhão) com Jesus?
  • O crer é à base da ressurreição. Por que o conteúdo do “crer” em Jesus é o “viver autenticamente” (que é o mesmo que dá “vida em abundância”)?
  • Como entender a promessa maior de todo o Evangelho: a ressurreição? Como a ressurreição de Jesus se manifesta, concretamente, em minha vida?

 

 

TERÇA-FEIRA

Lucas 14,15-24

As lições da mesa (II).

Sai pelos caminhos e trilhas e insisti-lhes até que entrem e se encha a casa”

 

Assim como “na mesa se conhece o cavalheiro”, igualmente na mesa se conhece um verdadeiro discípulo de Jesus. Isto é o que vimos nas últimas passagens do Evangelho de Lucas que temos lido.

Hoje aprendemos uma quarta lição de Jesus relacionada com o mundo dos banquetes (14,15-24). O assunto não está somente em fazer a lista, mas também o que os convidados respondem.

O texto começa assim: um dos comensais que escutou a lição que vimos ontem coloca o seu olhar no banquete definitivo do céu e exclama: “Felizes os que poderem comer a refeição no Reino de Deus!” (v.15). E ele tem toda razão, é uma felicidade, porém, esta felicidade é uma ocasião que muitos deixam perder-se.

 

Jesus aprofunda nesta realidade com a ajuda de uma parábola. Trata-se de um grande banquete. O texto diz “grande ceia” e “muitos convidados” (v.16). Além do mais, na preparação se toma um considerável período de tempo.

O drama está em que o anfitrião deve fazer três tentativas para conseguir encher sua casa, para que todos aproveitem a ceia:

  • Na primeira tentativa nos inteiramos que os convidados dão preferência as suas próprias ocupações: questões de negócios (campo e bois) ou da vida privada (matrimônio). Trata-se de pessoas ricas que têm satisfeitas suas próprias necessidades;
  • Na segunda tentativa se chama os “pobres e estropiados, cegos e coxos”. Mas ainda há espaço;
  • E numa terceira tentativa, manda chamar a todas as pessoas que estiverem “nos caminhos e trilhas”.

 

Os três momentos do chamado dos comensais nos descrevem três círculos concêntricos que vão do centro até a periferia. Em cada chamado – entendemos que se trata do chamado a aceitar o caminho do Evangelho – o círculo vai se abrindo mais, de maneira que a mesa vai se estendendo até abarcar aos mais pobres (miseráveis) e os gentios.

 

Assim se ilustra o campo de ação do ministério de Jesus e da evangelização que realizarão os apóstolos mediante ações contínuas que os levarão a chegar cada vez mais dentro da realidade dos abandonados da sociedade e dos afastados.

Vale anotar que no texto não se diz propriamente “chamar” para o segundo e terceiro momento, mas “fazer entrar”. Isto é significativo porque provavelmente se trata de pessoas que são bem conscientes de sua indignidade (a uma ceia se chega limpo e bem vestido).

 

É preciso observar bem o texto, para que não justifiquemos com ele conversações “forçadas” (como aconteceu em algum momento da história). A felicidade da salvação se pode perder ao fazer caso omisso do chamado de Deus pela boca de seus servidores.

E é tal a perda, que na parábola, Jesus alude a um belo costume que se tinha com os que não podiam ir a uma festa, isto é, se mandava a casa algo da comida (Ne 8,10-12); pois bem, deles agora se diz: nenhum daqueles convidados provará minha ceia” (14,24).

Para cultivar a semente da Palavra no profundo do coração:

 

  • Quando descubro que o Senhor está me “chamando”, que desculpa eu dou para não responder-lhe?
  • Até qual âmbito de nossa sociedade, devemos chegar com nossa ação evangelizadora?
  • A salvação está representada na parábola como um banquete, por que esta comparação?

Por que o Evangelho de Lucas a tem enfatizando tanto?

 

 

 

QUARTA-FEIRA

Lucas 14,25-33:

O discipulado tEM uM cUsto.

“O que não renuncia a todos seus bens não pode ser meu discípulo”

 

Nossa leitura do evangelho de Lucas, ao ritmo da liturgia da Igreja, nos vai levando cada vez mais fundo neste caminho de configuração com Jesus de Nazaré, a propósito de que “todo o que estiver bem formado, será como seu mestre” (6,40) e de que a “maturidade” do ouvinte da Palavra se constata em sua capacidade de “dar fruto com perseverança” (8,15).

 

O itinerário lucano nos leva hoje a dar um novo passo na formação do discípulo, mediante a assimilação de um conjunto de ensinos bem exigentes que encontramos entre 14,25 e 17,10 (compreende seis lições no total, porém por razões de ordem litúrgica só veremos cinco).

 

O fio condutor de todos estes ensinos é a conversão do discípulo que se dá segundo o modelo do coração misericordioso do Pai. O primeiro passo no discipulado é a resposta ao chamado. Neste vemos conexão com o texto de ontem. A lição: dar “sim” a Jesus implica estar de acordo com suas exigências.

Notemos no texto os dois ensinos fundamentais na boca de Jesus: (a) A vocação tem exigências concretas (Lc 14,25-27); (b) Se tais são as exigências, então há que adotar uma atitude que corresponda a elas (14,28-33).

 

Jesus nos disse que para “poder ser discípulos” seus as exigências são duas:

  • A primeira exigência nos apresenta que quando uma pessoa tem um encontro vivo com Jesus, os grandes amores da vida se retraça: o papai, a mamãe, a esposa, os filhos, os irmãos e as irmãs, a própria vida (v.26); logo se agrega que também a atitude vale para os bens (v.33).
  • A segunda exigência nos assinala que a nova maneira de amar se aprende em uma grande identificação com o crucificado (v.27).

 

Como entender isto? Devemos ter o cuidado de não mal interpretar as palavras do Senhor como se disesse para descuidar ou esquecer a família.

O que Jesus propõe é uma inversão no ponto de vista na abordagem das relações. Isto quer dizer, que não se trata de amar a Jesus com o amor com que se querem os grandes amores que estão em nosso coração (os inesquecíveis papai e mamãe, a esposa, os filhos, etc.).

É como quando, para educar uma criança no amor a Deus, lhe perguntamos primeiro quem é a pessoa que mais gosta no mundo, e ele responde naturalmente que é sua mãe e seu pai, para logo dizer que maior deve ser o amor a Deus.

Para o novo discípulo Jesus ensina o caminho inverso: amá-los com o amor de Jesus, que é um amor total, purificado, melhor dizendo: amá-los desde a cruz, onde a entrega não tem limites e salva ao ser amado.

Não é entregar-se a Jesus com a paixão com que se quer à pessoa mais amada deste planeta, mas entregar-se à pessoa amada com a paixão de Jesus.

Por isso é necessária uma tomada de distância: aquele que começa sério uma vida de discipulado redefine suas relações colocando no centro de tudo Jesus.

Logo, desde o Senhor, tece uma relação de maior entrega, fidelidade, responsabilidade com as pessoas que amamos. Em outras palavras, as relações se cristificam e, portanto se curam e se potencializam. Jesus não é um amor ao lado dos outros, é o centro de todos eles.

Este caminho não é fácil, de fato é uma verdadeira conversão (giro na vida). Por isso, no caminho do discipulado é preciso pensar, refletir, discernir antes de comprometer-se. Esta é a lição das duas parábolas do construtor da torre e do rei que vai à guerra (Lc 14,28-33).

 

Para cultivar a semente da Palavra no profundo do coração:

 

  • Quanto às exigências para ser discípulo de Jesus: Que se deixa e que se toma?
  • Como se relacionam estas duas?
  • A comunidade de Lucas parece estar preocupada ante algumas deserções na comunidade: Como ilustram as duas parábolas. O que há que fazer?

 

 

 

Quinta-feira

Lucas 15,1-10

Compartilhar a misericórdia e a alegria de Jesus

“Haverá mais alegria por um só pecador que se converta”

 

Os fariseus e os rabinos não entendem por que Jesus se reúne com tanta frequência, em cenas festivas, com gente que tem conduta digna de reprovação.

Jesus responde com as três formosas parábolas da misericórdia que lemos em Lc 15:

  • Da ovelha perdida (vv. 4.7);
  • Da moeda perdida (vv. 8-10);
  • Do filho perdido (vv. 11-32).

 

As três parábolas têm um esquema similar: Algo ou alguém se perde; O proprietário ou o pai fazem gestos insólitos na recuperação do perdido; Convida aos demais a partilhar a alegria, a entrar na festa e a imitar o comportamento misericordioso.

 

Temos, então, uma profunda lição que explana a palavra de Jesus em 6,36: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”. A liturgia de hoje nos propõe que nos detenhamos nas duas primeiras parábolas, a da ovelha e a da moeda perdida.

 

Segundo a maneira de pensar dos animadores da experiência religiosa de Israel dessa época, o comportamento de Jesus não encaixa em seus esquemas, visto que é o pecador que tem que arrepender-se e voltar a Deus, não que Deus tenha que ir buscá-lo. Igualmente lhes soa estranho que Jesus faça festa aos que se convertem, em lugar de repreendê-los e submetê-los disciplinarmente.

 

O comportamento do pastor que busca a ovelha tem muito de insólito: deixa as noventa e nove ovelhas no deserto, quer dizer, que as deixa em situação de risco, com tal de resgatar uma só.

 

Ou seja, Ele aposta tudo pela recuperação da ovelha perdida. A lógica comum seria: “não importa que se perca uma, afinal, ficam noventa e nove”. Porém a lógica do pastor é outra: volta no caminho em busca da ovelha que, provavelmente por sua fraqueza, não foi capaz de caminhar ao ritmo das outras.

 

O comportamento da mulher não é menos estranho. As casas normalmente têm uma só sala, de maneira que quando vão todos dormir, toda a casa é dormitório.

Por que, por uma só moeda, levantar-se para acender a luz, levantar toda a família e sacudir todas os lençóis a essa hora? Por uma só moeda?

Se lhe ficam nove o normal seria dizer: “Que se perca uma só, ou espero até amanhã, afinal tenho a maior parte segura”.  Porém a lógica desta dona de casa é outra.

 

Pois assim é Jesus. Com essa lógica e com esse zelo vive seu ministério: trazer de novo para casa os irmãos que se perderam e necessitam de apoio e assistência. Jesus se joga todo por eles, porque para Ele cada pessoa tem um alto valor, muito mais se torna parte de toda esta humanidade caída.

 

São João Eudes resumia esta atitude de Jesus com a frase: “uma vida vale mais que mil mundos”. E no final das parábolas há uma grande festa: o pastor reúne seus companheiros pastores e a mulher reúne suas amigas e vizinhas (a essa hora da noite!) para celebrar.

 

Assim é a “alegria do céu”, que é a alegria de Deus que goza intensamente com a vida de seus filhos que, da mão de Jesus, dando um giro à sua vida vão redescobrindo o caminho que conduz à plenitude.

Também nisto um discípulo está chamado a ser como seu Mestre. Por isso Jesus e o Pai hoje dizem: “Alegrai-vos comigo”.

 

Para cultivar a semente da Palavra no profundo do coração:

 

  • Há alguém de minha família/ comunidade que está precisando dessa busca que fala o Evangelho?
  • Valorizo cada pessoa, uma por uma, como Deus faz?
  • Alegro-me continuamente no Senhor, celebrando os pequenos passos que as pessoas que me rodeiam vão dando em seu caminhar?

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA

Lucas 16,1-8:

O discípulo é um bom administrador

“Os filhos deste mundo são mais astutos com sua gente que os filhos da luz”

 

Um bom discípulo deve ser também um bom administrador, esta é a lição de hoje.

 

No perfil que no Evangelho se traça de um discípulo de Jesus, um traço importante de seu novo estilo de vida no seguimento de Jesus é sua capacidade de administrar os bens da terra.

 

Destes bens, em primeiro lugar tomou distância (Lc 5,11;12,15.33;14,33), porém agora, desde o desprendimento e o coração puro que o caracteriza (comentário de Lc 11,41), tem uma nova administração do dinheiro e dos bens da terra que passam por suas mãos.

 

Na parábola do “administrador astuto” (16,1-7), nos encontramos com a história de um “ecônomo” negligente (não desonesto, mas incompetente para fazer produzir os bens de seu patrão), que é removido do cargo por seu chefe.

 

Ante a eventualidade, ele reflete astutamente e se arranja para assegurar a vida quando ficar desempregado.

 

Enquanto fecha as contas, beneficia-se das amizades propondo a dois devedores respectivos descontos sobre suas dívidas (ou talvez sobre os lucros): ao primeiro desconta cinquenta por cento sobre a dívida do azeite e ao segundo vinte por cento sobre a dívida do grão de trigo.

 

No v.8, nos surpreende a reação de Jesus ante a parábola. Jesus felicita a este homem por seu comportamento: O Senhor elogiou ao administrador injusto porque havia agido astutamente.

Por que o felicita Jesus? Por que o põe de modelo?

 

  • Porque tirou proveito do breve período de tempo que lhe restava, em função de seu futuro. Foi previdente: não administrou para o presente, mas para o futuro.

 

  • Porque o ecônomo, ao final, supõe reagir e demonstrar que sabia administrar, já que encontrou saída para sua emergência. O administrador mudou de conduta ante o chamado iminente que deixaria sua vida na ruína.

 

  • Porque supôs discernir: Descartou duas opções razoáveis, porém que ele não poderia levar (ver ensino de Lc 14,28-32) e; Escolheu uma opção, com dupla gestão, relacionada com a solidariedade que gerava o perdão da dívida. Este gesto tinha sua lógica: era maior o prejuízo causado com a má administração dos bens de seu patrão que o registro de uma pequena perda (para o patrão ou ao melhor para ele mesmo) em dois negócios. O administrador astuto supõe ver um valor maior.

 

Em poucas palavras, Jesus o felicita porque é genioso, porque é recursivo. Note-se que, mesmo parecendo absurdo, o comportamento do ecônomo está direcionado por valores: o perdão, a ajuda ao pobre, à solidariedade.

Não é que o fim justifique os meios, mas que supõe gerenciar seu “quarto de hora” de maneira brilhante, pondo os recursos que lhe restavam a serviço de uma vida decente; e, todavia mais, como disse Jesus, levando o ensino mais longe, na aplicação da parábola: “para que o recebam nas eternas moradas” (16,9).

 

É preciso saber viver. Não está bem desperdiçar a prata (cf. Lc 15,13) nem o tempo (que tem um valor incalculável), não somos patrões autônomos, mas servidores e, portanto administradores inteligentes dos bens que estão ao nosso cargo. Não devemos retirá-lo do próximo, mas empregá-los em seu favor.

Eles devem levar-nos a gerar boas relações baseadas na solidariedade, relações que começam na terra, porém apontam para uma relação de comunhão mais profunda, a comunhão com Deus na eternidade.

 

Para cultivar a semente da Palavra no profundo do coração:

 

  • Em que consiste a “astúcia” do administrador que foi felicitado por Jesus?
  • Como é nossa relação com os bens que temos? Para que os empregamos?
  • Que critérios devem determinar nossa relação com os bens?

Que significado tem Deus, o próximo e nosso futuro?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÁBADO

Lucas 16,9-15:

POR O DINHEIRO A FAVOR DO PRÓXIMO

 “Nenhum criado pode servir a dois senhores… Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”

 

No Evangelho de hoje Jesus faz a aplicação da parábola do “administrador astuto” que lemos ontem (Lc 16,1-8; o que desde a lógica do patrão era um “administrador incompetente”).

 

Jesus tira as consequências práticas tanto para seus discípulos (“Eu vos digo”;16,9ª) como para os fariseus (“E lhes disse”;16,15ª).

Aos primeiros lhes dá três ensinamentos positivos e aos segundos faz uma denúncia profética. O núcleo do ensino é o como alcançar a comunhão com Deus (“as moradas eternas”, “o muito”, “o verdadeiro”, “o vosso”), e o da denúncia é o fato de “dar-se por justos”.

 

O ensinamento para os discípulos: “fazer amigos” (16,9-11)

 

Jesus diz: “Fazei-vos amigos com o dinheiro injusto (16,9ª).

O qualificativo “injusto” para o dinheiro não quer dizer que por si só o dinheiro seja mal, mas que, com ele, se cometem muitas injustiças; vale dizer que Jesus deixa entender que o dinheiro, em última instância, não é de alguém (“alheio” disse o v.12).

Ainda assim a frase soa estranha, mas a compreendemos melhor se olharmos a passagem seguinte na qual se conta que o rico não fez, em vida, amizade com o mendigo Lázaro e após não foi recebido no céu (16,19-31).

Jesus havia anunciado na segunda parte da frase: “para que quando chegue a faltar, vos recebam nas moradas eternas” (16,19b).

 

Desta maneira Jesus convida a fazer uso correto do dinheiro. Um discípulo de Jesus vai se distinguir pelo exercício da “Fidelidade” (16,10-12; note a repetição três vezes do termo) que nos faz dignos de receber o bem maior, que nos pertence e que permanece definitivamente, que é a comunhão com todos nossos irmãos na eternidade de Deus.

Ali onde já não há ambiguidades nem brechas, onde crescemos: não em nossas fortunas, mas em desenvolvimento de todas as potencialidades de nosso ser.

 

A advertência para os fariseus “amigos do dinheiro” (16,14-15)

 

Por sua parte os fariseus, que crêem terem ganhado o céu e assim se apresentam ao povo (“se dão por justos”), ridicularizam as palavras de Jesus. Porém a Palavra de Jesus os faz aparecerem nus ante Deus: “Deus conhece vossos corações”.

Ante Deus não podem acomodar-se pensando que já receberam o prêmio de Deus e prova disso é a “benção” da riqueza; não, eles devem partilhar (é o esforço de que fala o v.16 deste capítulo).

Além do mais, o apego ao dinheiro se converte em uma forma de idolatria que nega sua confissão de fé no único Senhor. É Deus que declara quem é justo e por qual caminho se alcança justiça (vv.17.29-31).

 

O maior valor é o serviço a Deus e seu projeto (16,13)

 

Ao longo de toda a passagem –por meio de alusões- se fala da relação com Deus, no v.13 é explícita e é o eixo de toda esta passagem: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.

O coração deve pertencer a Deus, Ele deve ser o Senhor ao qual amamos e para o qual orientamos nossa vida. Só a partir de nossa entrega completa a Ele, é possível estabelecer uma relação com os bens terrenos “justos” e capazes de assegurar o futuro.

Quem reconhece a Deus como Senhor, O reconhece também como Senhor dos bens materiais e sabe que não é patrão absoluto deles, mas apenas um administrador e que esta administração deve exercer com fidelidade e confiabilidade.

Ao contrário, quem “serve” ao dinheiro, o faz seu deus, se apega a ele, espera dele a realização da vida, dai que não pode empregar livremente em função de outras pessoas, e ao final se leva uma tremenda frustração.

Entendemos melhor agora por que o ser “amigo do dinheiro” põe em risco o senhorio de Deus na própria vida.

Portanto não pode haver meios termos: só a atitude do verdadeiro discípulo, para que o dinheiro – com relação a si mesmo – é o mínimo, alheio, relativo, e – com relação aos demais – o põe ao serviço da geração de comunhão e não de brechas, é a atitude correta porque submete tudo ao senhorio e ao projeto de Deus.

 

Para cultivar a semente da Palavra no profundo do coração:

 

  • Sinto-me apegado ao dinheiro? Que lugar ocupa o dinheiro dentro de minha escala de valores? Que faço com ele?
  • Que atitudes me pede o Evangelho de hoje com relação a meus bens? Que deve caracterizar minha relação com o dinheiro?
  • Que é “o verdadeiro”, segundo Jesus? Que importância tem para mim Deus, o próximo e o futuro?

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