O Bom Samaritano (Estudo Bíblico +)

Estudo Bíblico no 15ª Domingo do Tempo Comum + audio + PDF

Introdução

Continuamos o caminho para Jerusalém. Uma vez que o evangelista nos tem apresentado o tema da missão (ver Evangelho do domingo passado), nos introduz, em seguida, no marco da subida de Jesus a Jerusalém, com três diferenças daquele que entrou no caminho de Jesus em qualidade de discípulo.

Três características do discipulado que Jesus nos expõe hoje e nos próximos dois domingos:

(1) O exercício da misericórdia: o discípulo se distingue pelo amor ao estilo de Jesus (10,25-37);

(2) O exercício da escuta: a acolhida de Jesus implica escutá-lo em qualidade de Mestre (10,38-42);

(3) O exercício da oração: a escuta introduz na relação com Deus Pai ao modo de Jesus (11,1-13).

  1. O texto

Detemo-nos, hoje, na primeira característica: o exercício da misericórdia. Este deve ser um traço distintivo e indiscutível de um discípulo de Jesus.

Para aprofundar neste exercício lemos um dos relatos mais impressionantes e conhecidos de todo o Evangelho: a Parábola do Bom Samaritano; um relato que põe em crise a mediocridade de nossa capacidade de amar.

  • Para entender melhor

A parábola está marcada pelo diálogo entre Jesus e um conhecedor da Lei, de maneira que temos que olhar o texto em suas três partes:

  • O primeiro diálogo de Jesus e o legista sobre o mandamento principal: o amor (10,25-29);
  • A parábola do Bom Samaritano (10,30-35);
  • Segundo diálogo de Jesus com o legista sobre como se exerce o amor ao próximo (10,36-37).
  •  Primeiro diálogo de Jesus e o legista sobre o mandamento principal: o amor (10,25-29)

Tudo começa com a pergunta, a princípio maliciosa, do conhecedor da lei: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (10,25). Está interessado na vida eterna; sabe que é um dom de Deus, porém tem que ganhar-se o céu. Está interessado em uma resposta prática: “Que tenho que fazer…?”

Verdadeiramente, uma pergunta estimulante. O legista sabe olhar além dos interesses cotidianos, sabe que a vida não termina com a morte, que sua existência está destinada a uma vida eterna. Detrás desta inquietude, então, há um grande sentido de responsabilidade.

Sobre o fundamento de que a vida eterna é a realidade decisiva, vem então à resposta de Jesus. Se não se sente responsabilidade com o Deus vivente, então será, igualmente, indiferente o que se faça, ou deixe de fazer, no caminho de Jericó.

Jesus, então, devolve-lhe a pergunta pondo o olhar, diretamente, no querer de Deus: “Que está escrito na Lei?” (10,26). A resposta é a esperada: a responsabilidade com Deus (“Amarás ao Senhor teu Deus com todo…”) está unida à responsabilidade com o próximo (“e a teu próximo como a ti mesmo”; 10,27).

Então os dois, Jesus e o legista, ficam de acordo no mesmo ponto: é absolutamente necessário amar a Deus e ao próximo na vida presente, e este é o ponto de partida para a comunhão de vida na eternidade. Jesus o disse abertamente: “Faça isso e viverás” (10,28). Porém, surge um novo problema. Este: “E, quem é meu próximo?” (10,29).

  • A parábola do Bom Samaritano (10,30-35)

Abre-se, então, um grande parêntese, que oferece as pistas para a resposta à pergunta: “Quem é meu próximo?” (10,29), é o mesmo que dizer: Quem faz parte do grupo de pessoas a quem devo amar como a mim mesmo? Vejamos a parábola que lhe expôs Jesus:

  •  A situação: um homem em extrema necessidade num caminho deserto (10,30)
  • “Um homem… descia de Jerusalém a Jericó” (10,30a)

Encontramo-nos em uma rota que une duas cidades importantes. Por ela passavam, habitualmente, muitos peregrinos que vinham ou regressavam de Jerusalém.

O caminho atravessa um escarpado deserto, perigoso demais por sua insegurança; continuamente apareciam salteadores que, aproveitando esta situação, assaltavam caravanas e viajantes solitários. Efetivamente, este último é o que acontece.

  • “Um homem… caiu em mãos de salteadores que o despojaram e golpearam…” (10,30b)

A desgraça deste viajante é tripla:

  • roubam-lhe todos os pertences (literalmente “o desnudaram”);
  • golpeiam-no brutalmente deixando-o em grave situação (literalmente “meio morto”), e;
  • abandona-o à sorte num lugar ermo no meio do deserto, sem possibilidade de ajuda imediata.

Pior não pode ser a situação: está em extrema necessidade, sua vida está em jogo e não tem a mínima possibilidade de valer-se, por si mesmo, para salvar-se, depende completamente da ajuda e da boa vontade dos demais. Até aqui estamos ante uma situação mais ou menos comum: uma pessoa necessitada de ajuda e outra que lhe estende a mão como seu próximo, não é uma grande novidade. Todavia, o ponto mais grave não foi contado, ajudar a este homem implica: pôr em risco a própria vida, já que deter-se é expor-se ao mesmo perigo; e ser capaz de mudar planos pessoais de viagem (em pleno deserto!). O tipo de compromisso que exige a ajuda a este homem se sai do habitual.

  •  Os dois primeiros viajantes passam adiante (10,31-32)

As primeiras chances de ajuda no caminho solitário deixam ver, não só a difícil situação na qual se encontra o homem ferido, mas, também, o que implica ajudá-lo. Estes preferem seguir adiante: “Casualmente, descia por aquele caminho um sacerdote e, ao vê-lo, passou adiante. De igual modo um levita que passava por aquele lugar lhe viu e prosseguiu” (10,31-32).

Como destaca a narração, o fato é que eles “vêem”, porém, quando se acautelam do que implica ajudá-lo, optam por seguir em sua comodidade pessoal, se desviam um pouco (literalmente em grego: “passar pelo outro lado da via”; hoje: “muda para o outro lado da rua”) e passam adiante.

  • Quem são estes dois que não estendem a mão ao moribundo abandonado?

Que se diga, claramente, que o primeiro a negar ajuda seja um “sacerdote”, é grave. Provavelmente um destes sacerdotes como Zacarias (ver Lc 1,8-9), que após prestar seu serviço sacerdotal no Templo regressava a sua casa em outra cidade (era o habitual; ver Zc 1,23).

De fato, hoje sabemos que Jericó era uma das cidades que mais tinha casas de sacerdotes. O levita pertencia a uma categoria sacerdotal inferior, mas era membro de uma prestigiosa elite na sociedade judia da época. Os levitas eram os responsáveis do esplendor da liturgia e vigilância no Templo. Eram muito respeitados.

  • Por que não prestam ajuda?

Há diversas explicações:

  • No caso de que tenham pensado que o homem já estivesse morto: para evitar a impureza pelo contato com o cadáver;
  • Para não expor-se, também, a ser assaltados (como quem diz: melhor seguir rapidinho);
  • A situação era tão grave que não se sentiam em condição de poder ajudá-lo, as consequências para a economia pessoal eram grandes.

Qualquer que seja a razão, o fato é que estes dois homens que passam ao lado do ferido são incapazes de um ato de amor que implique riscos e, por isso têm boas desculpas. É tudo o contrário do que Jesus fazia: para salvar um homem não tinha barreiras, se era preciso violava inclusive a lei do sábado (6,9).

A parábola deixa entender que, tanto para o sacerdote, como para o levita, a preocupação por sua própria segurança e pela realização dos planos que levavam em mente, resultou mais forte que a compaixão por este homem. Para eles o “amor ao próximo” não é “como a si mesmos”.

  •  A mão estendida de um inimigo: o bom samaritano (10,33-35)

Frente as duas ajudas negadas, duas ocasiões perdidas, cobra maior relevância a boa ação que realiza o terceiro viajante: um samaritano. Ele age de modo exemplar: põe todos seus interesses pessoais (seu tempo, sua cômoda cavalgadura, seus escrúpulos, seu dinheiro) em segundo plano e se concentra todo na salvação da vida daquele ferido caido em seu caminho. O samaritano não vê outra coisa senão a necessidade do homem que está agonizando no solo.

  • Quem é este personagem? (10, 33a)

Como se tem dito trata-se de um “samaritano”. Para os hebreus, só os membros da mesma raça eram considerados “próximos” e só a eles se aplicava a obrigação de “amar como a si mesmo”. Porém, o que aqui aparece não é judeu. Mais ainda, do ponto de vista judeu, era considerado como inimigo. Por razões históricas, naqueles tempos as relações entre eles não eram boas, como de fato já comprovamos quando lemos 9,53, quando, subindo a Jerusalém, Jesus passou por Samaria: “Porém não lhe receberam porque tinha intenção de ir a Jerusalém” (ou como se disse no texto da samaritana: “Como tu, sendo judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?Porque os judeus não se tratam com os samaritanos”; Jo 4,9).

Quando, na parábola, se menciona o “samaritano”, inevitavelmente, vem, à mente, o ensinamento sobre a ajuda ao inimigo que Jesus havia pregado, solenemente, aos seus discípulos, no Sermão da montanha: “Mas eu vos digo aos que me escutais: Amai a vossos inimigos, fazei bem…” (6,27).

  • Que faz o samaritano? (10,33b)

O samaritano “chegou junto a ele e ao ver-lhe teve compaixão” Ele “teve compaixão”. A comoção interna que sente frente ao ferido é semelhante à comoção de Jesus frente à viúva de Naim, no funeral de seu único filho (ver 7,13), ou à comoção do pai quando vê regressar, para casa, o seu filho dissoluto (ver 15,20). A dor do moribundo do caminho entra até o mais profundo de seu próprio coração. Isto nos recorda a bela profecia de Oséias ao descrever o coração de Deus: “Meu coração se agita dentro de mim, se estremece de compaixão” (11,8b). Este sentimento profundo de amor gera grande responsabilidade ante o caído.

  • Sete gestos concretos mostram, neste caso, o “fazer” próprio da misericórdia (10,34-35)

(1) Aproximou-se;

(2) Vendou suas feridas, lavando-as com azeite e vinho;

(3) Montou-o sobre sua própria cavalgadura;

(4) Trasladou-o até uma pousada;

(5) Cuidou pessoalmente dele;

(6) Pagou a conta da primeira noite e deixou uma antecipação (que é suficiente para muitos dias) para os novos gastos que vai implicar seu cuidado; e

(7) Segue respondendo por ele, após deixá-lo na hospedaria.

Notemos como a ajuda tem três momentos: a assistência imediata (ações 1,2 e 3); o cuidado mais de fundo (ações 4,5 e 6) em vista da total recuperação; e a responsabilidade permanente (ação 7).

O samaritano espera voltar a vê-lo, e está disposto a seguir com a mão estendida, se for o caso. O bom samaritano não é um assistencialista, ele se compromete com a recuperação total. O comportamento do bom samaritano talvez se repita mais de uma vez, porque, como ele mesmo anuncia: voltará pela mesma rota (ver 10,35b). Assim termina a parábola, porém, não o diálogo de Jesus com o legista…

  • Segundo diálogo de Jesus e o legista sobre como se exerce o amor ao próximo (10,36-37)

Chegamos à aplicação da parábola.Na pergunta do legista “Quem é meu próximo?”, estava implícita a ideia de que há limites no amor: a quem é que devo a amar e com quem é que não tenho obrigação?Jesus retoma a questão e leva seu interlocutor a tirar, ele mesmo, a conclusão: “Quem destes três te parece que foi próximo do que caiu em mãos dos salteadores? Ele diz: O que praticou misericórdia com ele” (10,36-37a).

A resposta é clara: não se pode traçar um limite preciso, devo me fazer próximo de todo que necessite de mim, não importa seu nome, sua idade, seu gênero, condição social, religião.

Porém, notemos que na pergunta, Jesus faz cair em conta que “próximo” não é o outro, mas eu mesmo enquanto “me faço próximo”. “Quem foi próximo (ou se fez próximo) do que caiu em mãos dos salteadores?”. Como pode ver-se, Jesus inverteu a pergunta ao legista: não é “quem é meu próximo”, mas “de quem tenho que fazer-me próximo”. O bom samaritano não se perguntou se o ferido era seu próximo, mas que, efetivamente, ele se fez próximo de seu inimigo.

Jesus nos convida a ampliar os horizontes de nossas relações e de nosso compromisso. Deste modo não se admitem evasivas nem desculpas, nem que sejam teológicas, (recordemos que o legista primeiro queria pôr Jesus “a prova”, 10,25, e logo queria “evadir-se”, 10,29a) para pôr-nos a fazer o bem.

O Evangelho do bom samaritano nos coloca ante uma nova perspectiva: já não temos que perguntar “até que ponto eu já não tenho compromisso”, porque não é o grau de parentesco nem a simpatia o que determina até onde devo estender minha mão para ajudar, mas a situação de necessidade real, na qual a outra pessoa se encontra. Em outras palavras, qualquer pessoa que se encontre em meu caminho e que esteja passando necessidade, ele é o próximo, ao qual eu lhe devo abrir meu coração e aprestar-lhe auxilio mesmo que isto implique desacomodar meus esquemas pessoais.

O necessitado é o lugar onde tenho que estar amando, o lugar onde minha abertura de coração é o primeiro passo do amor que sabe da vida eterna. Enquanto lemos hoje o relato do bom samaritano deixemos que grite, constantemente, em nossa mente e em nosso coração, o imperativo de Jesus: “Faz tu o mesmo!”.

  • Aprofundemos com os nossos pais na fé

“E quem é meu próximo?‟. Pensava que o Senhor o ia dizer: “Teu pai e tu mãe, tua esposa, teus filhos, irmãos e irmãs‟. Porém não foi assim que o respondeu. Ao contrário, querendo esclarecer que todo homem é próximo de todo homem,  respondeu com um conto. “Certo homem‟, disse. Quem?Qualquer um, porém homem. Quem é, pois, este homem? Uma pessoa qualquer, porém uma pessoa humana. “Descia de Jerusalém para Jericó e caiu na mão de ladrões‟.  Aqui se chama ladrões aos mesmos que nos perseguem. Ferido, despojado, abandonado meio morto no caminho, foi desprezado pelos transeuntes, por um sacerdote, por um levita. Porém um samaritano que passava por ali, se fixou nele. Acercou-se a ele, com todo cuidado, carrregou-o em seu burro, o levou à hospedaria, mandou que o cuidassem e pagou os gastos. Ao que o havia perguntado, pergunta agora quem havia sido o próximo daquele homem meio morto. Porque dois o haviam desprezado, precisamente seus próximos, chegou o estranho. Aquele homem, sendo de Jerusalém, tinha como próximo os sacerdotes e os levitas e como extranhos aos samaritanos. Porém os próximos passaram de longe e foi o estranho que se aproximou. Quem era, então, o próximo desse homem? Dize, tu, que interrogava dizendo “Quem é meu próximo?” Agora responde a verdade. Havia sido a soberba que perguntou, que fale agora a natureza. Que dizes então? “Penso que foi aquele que usou misericórdia com Ele‟. E o Senhor lhe replicou: “Vai e faze o mesmo tu também”. (San Agustín, Sermón 299D, 2)

  • Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

Há tantas pessoas caídas nos caminhos de Jericó de nossas grandes cidades, povoados e campos! Há tantos rostos empobrecidos e moribundos esperando que nos façamos seu próximo! Leio atentamente a parábola do Bom Samaritano e a reconstruo passo a passo detendo-me nas frases que mais me tocam.

  1. Quais são as pessoas de meu entorno que mais necessitam de mim e a quem algumas vezes tenho negado minha ajuda oportuna? Se é possível as identifico com o nome. Que ajuda me pede cada uma delas? Como me farei próximo delas?
  2. Alguma vez tenho atuado como o sacerdote ou o levita e sendo consciente de alguma necessidade, tenho preferido “fazer-me o de vista grossa”? Por que o tenho feito? Que tenho sentido depois? Que propósitos tenho feito ou faço hoje a respeito?
  3. Recordo a última vez que atuei como o bom samaritano. Com quem foi? Que fiz? Que interesses e necessidades pessoais passaram a segundo plano?
  4. A mão que estendi dessa vez foi só de momento ou continuo ofertando minha ajuda generosa?
  5. comunidade, família, grupo, que podemos fazer concreto para atuar como o bom samaritano?

Dediquemos um espaço de nosso tempo, para ir a algum lugar onde tenha alguma pessoa ou grupo de pessoas que necessitem e ofertemos nossa ajuda. E por que não fazer periodicamente!

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