Lições do Sermão da Montanha (EFC)

Mateus 5,1-12

 “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus”

Em suas viagens missionárias, Jesus encontrou-se com a dura realidade de seu povo, as pessoas e as suas diversas formas de sofrimento, e levou-as a experimentar a Boa Nova do Reino (Mt 4,23-24).

A multidão curada não volta para casa logo, mas se deixa educar por Jesus na vida nova, que começou para eles. Isto é importante porque, como explica o evangelista, os que se viram curados por Jesus, agora começam um caminho de discipulado: “E seguiam-no multidões numerosas” (4,25; o termo “seguir” não é casual). 

Notemos a relação entre a cena de “cura” e o itinerário de formação que Jesus, agora, lhes oferece: a vida nova não só se recebe como uma graça (indicada na cura), mas, também, devemos “aprendê-la”; é preciso “dar corpo” à vida nova e dar estrutura à conversão; para isso é a instrução de Jesus.

Frente a esta multidão (“Vendo ele as multidões…”, 5,1a), Jesus dá dois passos iniciais:

  • Subiu à montanha” (5,1b)

Parece evocar a subida de Moisés ao Sinai para receber e proclamar a Lei de Deus (Êx 19,3), embora aclaremos: as bem-aventuranças não são leis e sim valores). O evangelho acabará também com Jesus dando sua última instrução do alto de um monte na Galiléia (28,16).

Mas no evangelho de Mateus o “subir à montanha” também está relacionado com a oração: Jesus subia muitas vezes à montanha para encontrar-se com seu Pai (ver Mt 14,23;17,1), por isso, “subir à montanha é o permanecer constante de Jesus no coração do Pai, de onde tira o maravilhoso dom das bem-aventuranças” (Clemencio Rojas).

  • Sentou-se” (5,1c):

Atitude própria de um Mestre que dá instruções ou ordens. Os dois termos mostram a autoridade com que Jesus vai falar e nos convidam a atender e acolher a revelação como discípulos (“aproximaram-se dele seus discípulos”, 5,1d).        

Os três planos que configuram o cenário da proclamação do primeiro grande sermão de Jesus (Jesus, os discípulos e a multidão), nos recordam a ocasião na qual Moisés sobe à montanha junto com os anciãos (Êx 24,1), enquanto que aos pés da montanha permanece o povo.

Então dá-se inicio ao ensino.

No texto grego lemos literalmente: “E havendo aberto sua boca, lhes ensinava dizendo (5,2). A expressão “abrir a boca”, que equivale a “tomar a palavra”, nos envia à frase que Jesus diz ao tentador no deserto: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus (4,4). 

Da “palavra que sai da boca” de Jesus, “vive” o discípulo. Isto vale, não só para este sermão, mas para todos os ensinamentos de Jesus.  Este é o alimento que o povo necessita, só milagres não bastam, é preciso explorar a beleza e apropriar-se da riqueza da vida do Reino (4,24).

Na leitura das bem-aventuranças devemos distinguir as partes que contêm cada uma delas. Tomemos como modelo a primeira:

A declaração “Bem-aventurados”:

Nove vezes se repete a palavra “Bem-aventurados”, mas, as bemaventuranças, na realidade, são 8, já que a nona é uma ampliação do que foi dito na oitava. A expressão descreve o novo estado em que se encontra todo aquele que entrou no âmbito do Reino de Deus: o estado de plenitude interna que comumente chamamos “felicidade”. A bem-aventurança é o clima da vida do Reino, um Reino que já se experimenta: atenção com a expressão “deles é o Reino” (5,3.10).

Por isso, a repetição 9 vezes do mesmo termo parece querer ajudar a uma tomada de consciência: “Porque você segue a Jesus, já tem todos os motivos para ser feliz; Olhe o que Deus está fazendo em sua vida!”.  Que estaria vivendo a multidão naquele dia, quando Jesus colocou-lhes o espelho diante dos olhos e os convidou a reconhecer seu novo estado de vida!                

As atitudes ou situações que abrem as portas para a felicidade do Reino

As oito bem-aventuranças vão descrevendo, progressivamente, o rosto de um discípulo de Jesus, e – se prestarmos atenção – notaremos que se trata do proprio rosto de Jesus:

  • A pobreza em Espírito (5,3): abertura total a Deus, ao irmão. O rico em espírito é o autosuficiente e orgulhoso (Ap 3,17). O Reino se recebe quando se reconhece a radical necessidade d’Ele (no evangelho muitos exemplos)
  • A mansidão (5,4): exercício de total controle de si mesma em suas emoções e impulsos (Sl 37), que não pretende dominar nem controlar os outros; é a pessoa que sabe conviver.
  • As lágrimas (5,5): referem-se ao estado de uma pessoa em dor, por sua própria desgraça ou dos outros; geralmente se vive nas ruturas de relação (morte, pecado, etc.). De alguma maneira se refere à pobreza porque há um vazio que pede ser preenchido.
  • A fome e sede da justiça (5,6): “fome e sede” são duas necessidades vitais que não admitem demora para a solução. Esta busca compulsiva do essencial para viver se traslada ao terreno das relações: recompor as relações deterioradas, quer dizer, a “justiça”.
  • A misericórdia (5,7): no evangelho de Mateus o termo “misericórdia” está quase sempre associado ao “perdão”. Mas há um ponto de vista mais amplo: onde quer que alguém sofra ali há que reconstruir – mediante acolhida efetiva – o tecido social deteriorado.
  • A pureza de coração (5,8): não é uma inocência (que pareceria congênita em algumas pessoas), mas, estado de limpeza interior próprio de todo que foi purificado pelo sacrifício redentor de Jesus. Em um coração puro as motivações são distintas: não há cobiça, não se guarda rancor, se valoriza objetivamente, só se deseja o bem.
  • O trabalho pela paz (5,9): de novo nos encontramos no âmbito relacional, particularmente no ambiente conflitivo; em lugar de insistir no que pode desunir, pelo contrário se contribui sempre para o que pode manter e fazer crescer as relações.
  • A perseguição por causa da justiça (5,10-12): a identificação com Jesus e o compromisso profético com seu Reino (ver todo o anterior) tem seu preço: leva a compartilhar o destino doloroso do Mestre. A perseguição vem de diversas formas, mas a mais destacada é a difamação. Mas, apesar de toda a violência que cai sobre ele, o discípulo não responde com violência; é verdade que é uma vítima inocente, mas sua atitude é outra, a da resistência, da alegria: não há alegria maior para um discípulo que o saber que se parece, em tudo, com seu Mestre Jesus.

É Deus Pai quem causa a felicidade

É importante notarmos que tal felicidade provem, não do ponto de partida (a pobreza, as lágrimas, a mansidão, etc.), mas, sim, do ponto de chegada, quer dizer, da obra de Deus Pai (“deles é o Reino”, “possuirão a terra”, “serão consolados”, etc.).  Deus é a causa da alegria. Em outras palavras: se é feliz porque Deus está agindo em alguém, graças à Boa Nova proclamada e realizada por Jesus.

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