QUARESMA 5º DOMINGO | Estudo Bíblico ano C
João 8,1-11
O perdão da pecadora e o pecado dos acusadores
“Já que Cristo te redimiu,
corrija em ti, a graça,
o que a pena não poderia emendar”
(Santo Ambrósio)
Introdução
Neste domingo nos apartamos do evangelho de Lucas para entrar no evangelho de João, em uma belíssima passagem que de todas as formas tem sabor lucano e não perde de vista a experiência da misericórdia. Trata-se do episódio da mulher surpreendida em adultério (Jo 8,1-11). Frente a ela e também frente a seus acusadores hoje vemos Jesus como Senhor da misericórdia e do perdão, que penetra no mais íntimo do coração do homem.
O contexto da passagem é um conflito. Como vimos no domingo passado, a misericórdia de Jesus escandalizou aos fariseus e escribas de seu tempo (ver Lc 15,1-2). Por isso desaprovaram a prática de Jesus e buscaram a maneira de demonstrar-lo que somente seu comportamento era o que correspondia à vontade de Deus. Para eles o ponto de referencia era estritamente a Lei.
Precisamente neste ponto é que agora põem à prova Jesus e esta será a ocasião para um magnífico ensinamento sobre o dinamismo do perdão: (a) reconhecer o pecado; (b) ser perdoado; (c) perdoar aos demais.
E vice-versa, assim como não está autorizado para julgar quem tem motivos para ser julgado, igualmente só quem perdoa pode ser perdoado por Deus.
- Jesus Mestre no Templo (8,1-2)
Depois de passar a noite no monte das Oliveiras, Jesus madruga para ir ao Templo e ali o rodeia uma grande quantidade de gente que busca seu ensinamento. O texto disse que o auditório estava composto por “todo o povo”. Parece exagerado, porém é a maneira de situar a cena e preparar o que vem:
- Jesus está diante da Cidade Santa na qualidade de “Mestre”, por isso o texto diz “sentou-se e se pôs a ensiná-los” (v.2b). O reconhecimento da autoridade de Jesus chega ao máximo entre o povo;
- Visto que “todo” o povo está ali, um fracasso diante dos outros mestres poderia desautorizá-lo definitivamente. A situação é perigosa.
A situação será aproveitada pelos inimigos de Jesus para armar-lhe numa trama jurídica, desacreditá-lo e levá-lo ao patíbulo.
2. O juízo público da adúltera (8,3-9)
Nessa circunstancia, “os escribas e fariseus o levam uma mulher surpreendida em adultério (v.3). Parece ser o fato indubitável e a esse respeito a Lei é muito clara: “Se um homem comete adultério com a mulher de seu próximo, será morto tanto o adultero como a adultera” (Lv 20,10).
A abordagem
Jesus é abordado como Mestre que deve dar o veredicto. Os acusadores: Apresentam a Jesus o fato (v.4); Recordam-lhe a norma da Lei: “Moisés nos mandou na Lei apedrejar estas mulheres” (v.5ª, veja que se omite a referencia ao homem); Pedem-lhe o veredicto: “Tu que dizes?” (v.5b).
Jesus é colocado entre a cruz e a espada, em princípio não há alternativa senão associar-se à pratica de seus adversários e responder pedindo a pena de morte da mulher. Não fazendo daria suficientes motivos para ser acusado de agir contra a Lei de Deus.
- O problema de fundo
O evangelista nos diz que “isto diziam para tentá-lo, para ter do que acusá-lo” (v.6ª). Oportuna precisão que põe à luz a questão de fundo:
- Se Jesus aprova o comportamento de seus inimigos, também aceita sua posição contra os pecadores; em conseqüência, teria que por fim à sua pratica de misericórdia e aparecer ante o povo como um falso mestre;
- Porem, se Jesus não o faz, vai terminar desaprovando uma lei inequívoca ante o fato inequívoco e, igualmente daria motivos para ser acusado de falso mestre que afasta o povo da Lei de Deus e, em conseqüência, deveria ser eliminado do meio do povo.
A resposta de Jesus
Jesus responde com um gesto e uma frase:
- Um gesto silencioso: “Inclinando-se, pôs-se a escrever com o dedo na terra”(v.6b; também o v.8). Jesus não se precipita para dar o veredicto, dá-se um tempo. Talvez isto seja o mais importante visto que o faz duas vezes, marcando à única frase que pronuncia.
Sua primeira resposta é o silencio, um silêncio que convida todos à reflexão. Jesus se comporta como se estivesse completamente só, concentrado em seu jogo de fazer rabiscos na terra. Este gesto poderia ser interpretado como uma indicação da calma e a segurança que Jesus tem; uma maneira de cansar e irritar seus inimigos; um gesto simbólico.
Muitos exploraram a terceira possibilidade, uma das mais interessantes é a que vê ai a referencia de Jeremias 17,13: “Os que se apartam de ti, na terra serão escritos, por ter abandonado o manancial de águas vivas, Yahweh”.
Sendo assim, Jesus estaria recordando, a seus adversários, que são infiéis a Deus e merecem ser escritos no pó e extinguidos? De qualquer forma, eles perdem a paciência e pressionam a Jesus para que lhes dê uma resposta.
- Jesus se levanta e lhes diz a seguinte frase: “Aquele de vós que esteja sem pecado, que lhe atire a primeira pedra” (v.7). Por fim Jesus os leva em conta e se dirige diretamente a seus adversários citando de forma adaptada a norma de Dt 17,7. Com suas palavras, lhes faz cair em conta de um terceiro elemento que não tiveram em conta: eles apontaram o delito; confrontaram-o com a Lei, e tudo com arrogância e uma grande segurança em si mesmos; porém, não tiveram em conta seus próprios pecados. Eles não podem apresentar-se como se não tivessem nenhuma falta e, por isso, também necessitam da paciência, da misericórdia e do perdão de Deus.
Por que tanto afã (“insistiam em perguntar”) na condenação da mulher adúltera? Os escribas e fariseus querem tratar à mulher como um caso a mais, friamente, como se fosse um problema de aritmética. Jesus introduz uma nova consideração: a situação dos acusadores ante Deus. Os leva a examinar-se a si mesmos e como gostariam de ser tratados? Jesus abre um novo espaço de reflexão (v.8).
A fuga dos acusadores (ou “os acusadores saem acusados”)
Os adversários são honestos e aceitam em seu coração a palavra de Jesus: “ao ouvir estas palavras, iam se retirando um após outro” (v.9a). O mesmo faz todo o auditório. Que incrível lição receberam naquele dia! Nenhum, nenhum dos presentes: (1) afirmou que não tivesse nenhuma culpa; (2) nem atirou a primeira pedra. Todos se foram. Jesus e a mulher ficam sozinhos (v.9b).
O perdão de Jesus (8,10-11)
Jesus se levanta e se percebe que não ficou ninguém, a não ser a mulher e Ele. Até o momento Jesus tem se dedicado aos acusadores, agora se dirige à mulher acusada. Este grandioso momento final gira em torno de um diálogo delicado e concreto entre os dois. Jesus faz duas perguntas e duas afirmações.
As duas perguntas aclaram a nova situação: (1) os acusadores já não estão; e (2) nenhum condenou à mulher (v.10). Nas duas afirmações Jesus expõe sua própria posição: (1) Ele não a condena à pena de morte e (2) a despede (“vai”), exortando-a a iniciar nova vida (…“não tornes a pecar”,v.11). Em outras palavras: uma absolvição e o encargo de uma nova tarefa.
Interessante esta postura de Jesus: não aprova o pecado, porém, tampouco o relativiza, como se não tivesse acontecido nada. Jesus lhe fala energicamente pedindo-lhe que se abstenha do comportamento que a apartou da vontade de Deus e a expôs à morte.
Enfim…
Tanto os acusadores como a mulher acusada experimentaram a misericórdia de Deus. Os acusadores compreenderam que quem costuma levantar o dedo para apontar o pecado de outros é uma pessoa que também necessita da misericórdia de Deus e que, por isso, não deviam agir com presunção e sem misericórdia com o próximo.
Por outra parte, a misericórdia de Jesus salvou a vida à mulher de duas maneiras: da pena de morte que lhe queriam aplicar seus violentos acusadores e também de arruinar o resto de sua vida, ao oferecer-lhe o perdão de Deus que dá força interna para não voltar a pecar.
Desta maneira se encerra o ciclo das catequeses-bíblicas quaresmais sobre Jesus o grande misericordioso que nos estende a mão nos itinerários de conversão que renovam o coração. As últimas e mais expressivas expressões de perdão as escutaremos dentro de uma semana, a partir da Cruz.
Releiamos o Evangelho com um Padre da Igreja
Os escribas e os fariseus haviam levado a Jesus uma adúltera como cilada: se a absolvesse pareceria não ter em conta a Lei; si, ao contrário, a condenasse, haveria traído sua missão, já que veio para perdoar os pecados de todos. Por isso a apresentam dizendo: Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Mas, Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar a mulheres como estas. Tu que dizes a respeito?… Enquanto assim diziam, Jesus inclinou a cabeça e se pôs escrever no solo com o dedo. E como esperavam sua resposta, levantando a cabeça disse: “Quem dentre vocês estiver sem pecado, que seja o primeiro em apedrejá-la…” Haverá sentença mais divina que esta: que só possa punir os pecados quem estiver sem pecado? Como poderia suportar que castigue os pecados dos outros quem defende os seus? Não se condena por si mesmo quem condena, nos outros, o que ele mesmo comete? […] Admira os divinos mistérios e a clemência de Cristo. Quando a mulher é acusada, Jesus inclina a cabeça, mas a ergue ao desaparecer o acusador. De fato, ele não quer condenar a ninguém, mas absolver a todos. Que significa então “Vai e não tornes a pecar”? Isto: “Já que Cristo te redimiu, corrija, em ti, a graça, o que a pena não poderia emendar, mas somente contorna”. (Santo Ambrosio)
5. Para cultivar a semente da Palavra n o coração:
- Quais são os momentos em que se desenrola este relato? Qual é a mensagem central?
- Como reage Jesus ante seus adversários que o põem a prova? Por que Jesus se agacha para escrever na terra?
- A misericórdia deve levar alguém a aprovar os pecados dos demais? Jesus condenou a mulher? Jesus lhe aprovou o pecado caindo no relativismo moral? Como conjugou a justiça com a misericórdia?
- Considero-me uma pessoa sem pecado? Como me comporto ante as falhas e debilidades dos outros?
Que atitudes me pede Jesus?
- De que modo concreta busco e recebo o perdão de meu Senhor? Valorizo o sacramento da confissão?
Confesso-me com frequência ou me considero uma pessoa sem pecado?
autor: PE FIDEL OÑORO, CJM