A traição de Judas (EFC)

Quando colocamos o dinheiro acima de tudo, somos capazes das piores traições.

Mateus 26,14-25

O preço de uma traição

“Acaso sou eu, Senhor?”

O evangelho de hoje enfatiza o tema da traição de Judas, segundo a versão do evangelista Mateus. Também aqui, em três cenas seguidas, aparece a progressiva entrada na Paixão:

1ª cena: O pacto de Judas com os sumos sacerdotes para entregar Jesus (v.14-16);

2ª cena: A preparação da ceia pascal (v.17-19);

3ª cena: O começo da ceia, em cujo contexto Jesus revela a identidade do traidor (v.20-25).

  1. A entrega de Jesus é contratada pelo preço de um escravo (26,14-16)

O pacto entre Judas e os sumos sacerdotes dá impulso ao macabro plano que levará Jesus a prisão e, finalmente, à sua morte.

Tudo começa com um forte contraste. Segundo Mateus, justo no momento em que a mulher unge, com amor, o corpo de Jesus para a sepultura (v.6-13), Judas Iscariotes parte para onde estão os sumos sacerdotes, com o fim de contratar a traição de Jesus.

Com a anotação “um dos doze”(v.14), se põe em evidência o escândalo. Mateus mostra o lado obscuro do seguimento de Jesus, o traidor potencial em que pode transformar-se todo crente que se encontre frente a um momento crítico.

No diálogo de Judas com os sumos sacerdotes, se denuncia que o dinheiro era uma das motivações da traição: “Que me dareis, se eu o entregar?” (v.15ª).

Mateus dá um exemplo concreto do poder corruptor da riqueza. Precisamente sobre este ponto, os discípulos haviam sido instruídos no Sermão da Montanha (6,19-21.24). Uma ilustração da importância do tema para o discipulado foi à cena do jovem rico e as palavras de Jesus que lhe seguiram (19,23). Portanto, os discípulos não devem andar preocupados com bens materiais, antes de tudo, devem buscar “primeiro seu Reino e sua justiça” (6,34).

A avidez de Judas pelo dinheiro o leva a abandonar o único tesouro pelo qual valia a pena dar a vida.  Assim, guiado por suas próprias motivações, Judas toma uma decisão livre: rejeita o Evangelho e escolhe o dinheiro; isto o conduzirá a um destino terrível (v.24). Ele recebe, em contrapartida, “30 moedas de prata” (v.15b). Evoca-se, assim, Zc 11,12 que diz: “’Se vos parece bem, dai-me meu salário; se não, deixai-o’. Eles pesaram meu salário: trinta moedas de prata”. Segundo Êx 21,32, este é o preço de um escravo. No texto de Zacarias se indica que se trata de uma soma mesquinha, que se tornará a colocar no tesouro do Templo (ver Mt 27,9-10).

Por trás de tudo está a convicção fundamental de Mateus: a traição de Judas e sua morte parecem ser o triunfo do mal, enquanto que misteriosamente fazem parte do grande desígnio da salvação de Deus, já que a Palavra de Deus está se realizando.

Judas segue dando os passos necessários para consumar sua traição: “andava buscando uma oportunidade para entregar-lhe” (v.16b). A oportunidade que aqui se fala, tem relação com a frase que Jesus vai dizer mais adiante: “Meu tempo está próximo”. Quase ironicamente Jesus e Judas buscam o mesmo “tempo” (kairós): a entrega do Filho do homem nas mãos dos pecadores. Judas o faz para ganhar 30 moedas de prata, enquanto Jesus o faz para dar a vida pela salvação da humanidade.

  • A preparação da ceia pascal (26,17-35)

Estamos já na vigília da Páscoa, “o primeiro dia dos Ázimos” (v.17ª). Na quinta-feira, durante o dia todas as famílias hebreias deixavam o pão com fermento, para celebrar como se devia a Páscoa, com pão sem fermento (como manda Êx 12,15). A verdadeira festa começava ao entardecer.

O evangelho centra-se nas palavras decididas de Jesus e na obediência imediata dos discípulos. Há um forte sentido de autoridade: “Em tua casa vou celebrar a Páscoa com meus discípulos”(v.18).

A ênfase recai em duas frases:

  • “Meu tempo está próximo” (v.18). Na morte de Jesus irrompe o novo tempo da salvação (13,40). Por isso seu caráter determinante: antecipa o final da história, quando decidirá o destino humano;
  • “Com meus discípulos”, já que em tudo o que está a ponto de acontecer estará comprometido o vínculo entre Jesus e seus discípulos.

A “páscoa”, a festa hebreia da libertação, dá o horizonte para interpretar o significado da morte e ressurreição de Jesus e também o novo horizonte de vida que dali se desprende para os discípulos.

  • A revelação da identidade do traidor (26,20-25)

O sol acaba de se ocultar e começa o ritual da ceia pascal (v.20). Trata-se de uma festa de alegria, mas, para Jesus e os discípulos, a hora solene do banquete está inserido em um doloroso contexto de traição. O evangelista faz soar, a seguir, a nota aguda da Paixão: “Um de vós me entregará” (v.21).

No relato, a tensão vai aumentando, pouco a pouco, até que chega ao seu pico, a confrontação entre Jesus e Judas no versículo final (v.25): “Então Judas, seu traidor, perguntou: ‘Por ventura, sou eu, Rabi?’ Jesus respondeu: ‘Tu o dizes’”.

Quando os discípulos escutam a profecia de Jesus, se enchem de medo e começam a perguntar: “Acaso sou eu, Senhor?” (v.22). A indicação “um por um”,convida o leitor a fazer, a si mesmo, a mesma pergunta. Jesus lhes responde dando uma indicação precisa (v.23). Suas palavras põem em relevo a tragédia da traição: ele viola o vínculo de amizade e de confiança que Jesus celebra com seus discípulos. É o extremo pecado (“Ai daquele!”; v.24).

Quando Judas faz a pergunta, o evangelista Mateus muda a palavra “Senhor” (que haviam dito os anteriores) pela palavra “Rabi” (v.25a; termo que em seu Evangelho tem matiz negativo). Põe-se em evidência o contraste entre as palavras de Judas e a fé absoluta e confiada dos outros discípulos em Jesus. Chamando-o “Rabi”, Judas se dirige a Jesus como o faziam os inimigos, sem reconhecer a verdadeira identidade de seu Mestre.

Assim emerge o rosto do traidor. Em sua pergunta hipócrita Judas aparece definitivamente como um discípulo perdido. Suas palavras revelam sua vontade de fazer eliminar Jesus e destruir, assim, o sentido profundo de sua própria vida. A resposta final de Jesus (ver v.25b) não fará, senão, confirmar o que provém de sua livre decisão.

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